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Luiz Carlos Alves

Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora

Depoimento de Luiz Carlos Alves

Entrevistado por Comitê pela Memória, Verdade e Justiça

Juiz de Fora, 28 de Agosto de 2014

Transcrito por: Lucas Nunes Nora de Souza

Revisão Final: Ramsés Albertoni (25/03/2017)

 

Luiz Carlos: Bem, meu nome é Luiz Carlos Alves, eu sou contador hoje, né, na época da resistência à ditadura militar eu militava no movimento estudantil. Minha trajetória politica começou na JEC (Juventude Estudantil Católica) em torno de 1967. Com o recrudescimento da repressão não se tinha outra alternativa senão também por você aumentar o seu grau de resistência à ditadura. Eu passei a militar na AP (Ação Popular) que posteriormente virou APML (Ação Popular Marxista Leninista) e em seguida, em meados de 1971, houve um movimento de incorporação da AP pelo PCB e eu passei a militar no PCB, já na clandestinidade. No final dos anos 1970 houve um processo grande de repressão à AP que iniciou em Brasília e teve repercussões por problemas da própria estruturação. No final de 1971 houve um processo de repressão que iniciou-se em Brasília e teve repercussão em MG, em Belo Horizonte e em Juiz de Fora, particularmente, em função da própria estrutura da AP que ela adotava na época, que a direção era feita conjugada Brasília e Minas, não sei explicar porque esse processo, eu na época estudava na Universidade Católica de Minas, fazia o curso de historia e trabalhava num órgão da Caixa Econômica Federal chamado SASI (Serviço de Assistência e Seguro Social aos Economiários), e com a repressão e dado o recrudescimento da ação da repressão grandes casos muito grandes de assassinatos… mesmo de pessoas, eles eram presos e assassinados, a decisão era de não se entregar e eu foi julgado à revelia, fui condenado no 1° processo a 6 meses e… depois, a seguir, no processo de dois anos de cadeia nesse período todo, eu fiquei clandestino dentro do Brasil, assumi uma outra identidade, naturalmente pra poder viver, trabalhar e me sustentar. E no final de 1978 eu retorno em Juiz de Fora já com prescrição da minha pena, né, que é o dobro porque o dobro da pena prescrevia… eu pude retornar, retomar minha vida e… reconstruí-la de uma forma que eu ganhasse algum tempo para esse tempo perdido da clandestinidade aí. É, nesse período aí de resistência mas… é grande e mais contundente a ditadura, eu tive alguns exemplos de pessoas que reforçam a posição da gente de não se entregar na medida em que nós não fomos presos, não, também não se entregava, era pessoas que tiveram é… uma trajetória politica definida clara e que foram assassinadas pela repressão, eu posso citar, por exemplo, o caso do Rodolfo nosso conterrâneo de Juiz de Fora que eu tive o prazer de conhecer e… presto uma homenagem a ele, acho que o sangue dele não foi vertido em vão… eu fui a pessoa que colocou o Rodolfo em contato com o PCdoB, que ele já era militante do PCdoB, ou antes, embora militasse por… por uma certa proximidade fui eu que levei ele… já tava saindo da prisão, eu que estabeleci o contato dele com o PCdoB e ele foi deslocado para o Araguaia e veio ser assassinado lá. Outra pessoa que me lembro que era uma pessoa que tinha uma militância nacional era o Honestino, que era dirigente da UNE, ele foi e eu também fui, a última pessoa que ele teve contato vivo, ele solto… Talvez, em 1971, não me lembro muito bem a data, 1971, 1972, acho que nesse período acho que foi 1972 até logo a seguir, eu fiquei sabendo que ele tinha sido preso e morto… E teve uma serie de outras pessoas que a gente teve contado do UEE, o Gildo que foi também… vieram a ser mortos e nenhum desses… o Honestino… senão pode nem acusar, pegô em armas não, a resistência era resistência de massa mesmo, não era ainda na época não, era uma resistência que inviabilizava a existência de massa, nós estávamos saindo de um processo de mobilização de massa, passeatas dos 100 mil e tal, então, isso aí é uma acusação que não pode ser dada, teve uma série de outras pessoas também… que não estiveram diretamente ligadas à resistência armada que foram assassinados sem motivos… e tenho vários exemplos aí para serem citados, né, nesse período que eu fiquei é… em São Paulo, período todo em clandestinidade é… participava na medida do possível de pequenas ações, a gente não tinha muito… possibilidade, né… na época, a AP tinha certa presença lá em São Paulo, particularmente no movimento operário do ABC, é… muito ligado à juventude operaria católica também, a resistência, é famoso aquele 1° de maio lá em São Paulo que foi dirigido por lideranças da AP, né, então, é… esse tipo de trabalho tentei, a gente tentou se inserir no ABC baseado um pouco nesses contatos anteriores que tinha lá de resistência no movimento operário baseado na JOC, na AP, e que tinha alguma inserção em fábrica importantes, é… Posteriormente, com a volta a Juiz de Fora, e reassumindo a minha identidade, né… a procura foi de atuar em nível institucional, né, atuamos num primeiro momento no Comitê Brasileiro de Anistia, posteriormente ingressamos, fizemos um trabalho politico ligado ao PMDB que sempre tem uma trajetória de pessoas ligadas à democracia, à resistência democrática, que foi o partido que viabilizou a resistência democrática no Brasil, né… nesses anos todos de ditadura aí, né… atuando num conjunto com essas forças aí, pra poder avançar o projeto de consolidação da democracia no Brasil, né… E da reconquista das liberdades politicas que eu acho que esse é o aspecto central da nossa ação hoje, se nós temos um país que tem uma liberdade política plena com o partido que quiser se institucionalizar e se legalizar, e tá aí, perfeito a disputa de debate, política ampla… É um pouco por causa dessa resistência não tenho a menor dúvida com relação a isso, eu acho que duma certa forma, embora a gente era um grão-de-areia no oceano, no deserto… Aí eu acho que a soma dessas pequenas ações aí que foi importante pra você iniciar o processo de reconquista da liberdade politica para o povo brasileiro, e eu acho que nós temos que viver hoje numa sociedade que seja plural, né… eu não vejo uma forma na ação politica, uma forma de restringir, eu acho que você deve conviver com opostos, ganhar um debate político mesmo, né… Na discussão com a sociedade brasileira, com caminhos alternativos mesmo, a construção de uma alternativa mais socialmente, mais justa, depende muito de crescer a sociedade enquanto um todo e não pequenos… a ação de pequenos grupos capazes de concentrar respostas, esclarecidos, não adianta, né, o processo tem que ser assumido pelo povo e eu acho que a questão é também o conhecimento que ele é a principal base da realidade, você só é livre na medida em que você adquire conhecimento, então, daí, você tem que influir aí pra construir a sociedade brasileira nova, mais plural, mais moderna.

Comitê: Em função desse pensamento, eu gostaria Luiz Carlos que você expressasse a sua opinião, como você vê a importância de tornar públicos os documentos chamados ultrassecretos e também de formar a ação institucional, ou seja, a votação pelo Congresso Nacional da formação da Comissão da Verdade pra que a historia seja repensada, ela seja realmente transmitida à população brasileira de acordo como os fatos que aconteceram.

Luiz Carlos: Eu acho essencial, né, principalmente porque eu acho que documentos secretos não existem… a sociedade tem que conhecer todos eles, documentos secretos, por quê? Eles potencialmente, eles ferem a segurança nacional, pelo contrário, você tornar isso publico é mais um ganho para a sociedade brasileira avançar num processo de você se libertar dessas amarras, né. Eu acho que você quanto mais você tiver uma imprensa livre, quanto mais cê ter as informações pro povo melhor é, não tem a menor dúvida com isso, até procê depurar alguma… alguns desvios de comportamento aí, e até de corrupção. Se ocê falar que nunca teve tanta corrupção, não teve ou agora está às claras, essa é a diferença fundamental, naquela época quantas pessoas não se enriqueceram ilicitamente, só que, ah… a imprensa era amordaçada, tinha que publicar em primeira página de jornal receita de bolo, né… Então, o cara, os militares que se locupletaram naquele processo ficaram aí, todos isentos de responsabilidade. Eu acho que é isso que a gente tem… Eu acho que não existe nada que deve ser escondido, tem que ter tudo às claras, isso é uma maneira de proteção da sociedade, eu acho que daí a necessidade de você passar em revista esse passado, né… que que houve de fato nesse passado, né, ah… o que motivou isso daí, qual o papel dos EUA no golpe militar, isso não é claro, a gente sabe que houve, né… Medo por quê? Qual o fundamento disso… A lei de remessa de lucro porque os capitalistas querem proteger seus dividendos e suas… seus ganhos, então, daí o governo do Jango passou a ser uma ameaça e, na época, a questão central era o comunismo, hoje seria a ameaça islâmica, né. Que cê invade o Irã lá, o Iraque, o Afeganistão, em nome da liberdade, que liberdade? A liberdade de continuar explorando petróleo do outros, de garantir suas fontes de energia? Então, eu acho que é muito por aí… eu acho que essa questão a gente tem que deixar claro pro povo brasileiro e eu acho que tem que levar mesmo à Comissão da Verdade, é a verdade, vamos apurar, vamos escrever a história na forma como ela foi realmente, não da forma dos vitor… não da forma oficial, eu acho que não tem tanto, a transição foi feita no Brasil, foi uma transição que não passou em revista o passado, simplesmente colocou anistia pra lá, anistia pra cá, é uma coisa meio consensual, é muito… foi o que foi possível na época, eu acho que a gente pode avançar, acho que devemos avançar.