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Paulo César Magella

Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora

Depoimento de Paulo César Magella

Entrevistado por Fernanda Sanglard e Helena da Motta Salles

Juiz de Fora, 20 de janeiro de 2015

Entrevista 007

Transcrito por: Lorena Pérola Cordeiro Martins

Revisão Final: Ramsés Albertoni (07/01/2017)

 

Fernanda: Paulo César, nós gostaríamos de agradecer em nome de toda a Comissão por você ter aceitado o nosso convite e estar aqui a conceder esse depoimento. Gostaria de começar pedindo para você se apresentar, falando o dia, mês e ano em que você nasceu, a cidade em que nasceu, como foi sua primeira escola, como foi seu processo de formação até você chegar ao jornalismo.

Paulo César: Eu nasci em 29 de março de 1953, em Santos Dumont. Sou filho de Geraldo e Ondina Magella. Meu pai era ferroviário, minha mãe doméstica, ambos analfabetos e, por consequência, vivi uma experiência interessante, pois meu pai dizia que era o último analfabeto da família. Então, ele se esforçou ao máximo para me colocar no melhor colégio da cidade. Claro que ele não tinha dinheiro para pagar porque era muito caro, mas ele conseguiu bolsa, então, estudei no Colégio Santos Dumont, mas fiz o meu primário em uma escola pública, no Grupo Escolar Vieira Marques. Fiz Contabilidade, formei com 17 anos e entrei na rádio Cultura de Santos Dumont com 17 anos também, quando foi minha primeira experiência jornalística. Na verdade, a minha experiência de rádio, principalmente, começou um pouco antes porque nós morávamos num bairro bem pobre, hoje, inclusive. E o que era diversão? Tinha a igreja, a Igreja Nossa Senhora das Graças e como toda rádio de interior, igreja de interior, às seis horas tocava a Ave Maria. Eu não tinha voz ainda para ser locutor e eu era operador de som. Então, às 18 horas a gente tocava a música, a Hora do Angelus. Tinha quermesse, quando tinha festa a gente ficava fazendo programa, eu na operação, naquela brincadeira “Fulano oferece música pra moça de blusa azul”, enfim, eu acho que nós fizemos alguns casamentos. Bom, quando eu ingressei na rádio Cultura de Santos Dumont eles estavam precisando de locutor, eu fiz um teste e comecei a trabalhar. Ela existe ainda hoje. Em 1969 ou 1970, a gente estava no auge da ditadura, no colégio eu vivenciei isso porque nós íamos para as ruas manifestar. Enfim, nós fazíamos um tipo de protesto de colocar carteira uma em cima da outra na sala de aula. Voltava no dia seguinte e estava a mesma bagunça e o diretor falava que não tinha aula enquanto a gente não arrumasse. A sala a gente não arrumava, ia embora pra casa. Mas na minha experiência de rádio eu comecei fazendo o que na rádio de interior se chama gilette press; recortava jornal e colava ali no noticiário, e já naquele tempo a gente percebia que havia uma carência de informação muito grande. Mas eu entrei, continuei, fui pro exército, servi em 1972, um dos anos mais duros da repressão. Só que eu segui numa unidade lá em Santos Dumont, na 4ª Companhia de Intendência e ela não teve, ou pelo menos a gente não sabia, uma ação dentro da guerrilha, contra a guerrilha ou no esquema militar, embora estivéssemos no governo Médici, Sylvio Frota, ministro do exército. Quer dizer, um dos anos mais duros da repressão. Fiquei 10 meses, saí, e em 1974 fui para Juiz de Fora. Eu fiz um teste na Super B3, Rádio Sociedade de Juiz de Fora e ingressei nos quadros da emissora que era dos Diários Associados. Aí sim que a gente começa a viver a experiência da comunicação bem mais efetiva, que já havia uma estrutura junto com o Diário Mercantil e, já antecipando, talvez vocês me façam algumas perguntas, é que era o meu primeiro contato com a censura. Eu comecei a entrar no jornalismo da rádio quase como um office boy. Na verdade, eu era locutor, tinha programas e tinha um noticiário. Wilson Cid era chefe de radiojornalismo e tinha repórteres. Só que tinha um repórter lá que escrevia o noticiário e deixava todo desorganizado e eu, de modo próprio, sem ninguém me pedir, organizava o noticiário. Às vezes ele me pedia e eu escrevia para ele, sem que o Wilson soubesse. Mas eu acho que ele sabia, até que ele me convidou para começar a trabalhar no jornalismo da rádio. Eu não sou formado em comunicação, embora tenha feito algumas matérias na Faculdade de Comunicação. Sou formado em direito aqui na Universidade Federal e, naquele tempo, a faculdade era muito próxima; aliás, continua sendo ainda, né. E eu fazia algumas matérias informalmente, por exemplo, produção e edição de rádio e tv, com o Zé Carlos Lery. Acompanhava as matérias do Mário César, do Mario Mazolilo de Morais também. Ajudava até a corrigir os alunos que iam fazer programa na rádio. Ele tinha um programa, ele fazia uma imersão dos alunos de comunicação na rádio, aos sábados, porque ele era também diretor da rádio. E eu ajudava a produzir esse programa. Mas a minha formação é de direito. Depois, sim, eu continuei. Nunca parei de estudar, formei depois em filosofia, mas consegui o diploma profissional de jornalismo em 1975. Em 1975, também nós começamos a viver algumas experiências interessantes, porque foi o meu ingresso no jornal. E como ele aconteceu? Eu me lembro que eu estava na faculdade de direito e no dezembro de 1975 eu já estava aqui no primeiro ou segundo período, e o paraninfo da turma que formava naquele tempo era o Heleno Cláudio Fragoso, um dos nossos maiores juristas. Ele veio fazer a palestra, paraninfar os alunos e a solenidade aconteceu no Fórum Benjamin Colucci, numa sexta-feira à noite. Como aluno de direito, e não como jornalista, eu fui assistir à colação. Mas eu fiquei tão impressionado com o discurso dele, numa época tão crítica, que eu me dirigi a ele ao final da palestra e falei “Professor, você me empresta seu discurso? Porque eu queria fazer uma matéria pro jornal. Eu trabalho no jornal, mas na rádio”. Alguma coisa assim. Só que naquele tempo não tinha, numa sexta-feira à noite. Como nós íamos pegar o depoimento dele? Ele disse “Eu preciso, porque vou fazer uma mesma palestra em outra cidade”. Não sei se era no sábado ou na segunda-feira. Eu falei “Vamos fazer um acordo com o senhor? O Fórum é aqui no Parque Halfeld e a rádio é aqui na rua Santo Antônio, 627. Se o senhor me emprestar o seu depoimento, eu vou à rádio, copio o seu discurso e o devolvo no hotel”. Ele estava no Joalpa Hotel. E ele confiou em mim. Engraçado, né, ele confiou em mim. Eu peguei o discurso, chamei um amigo que também era aluno comigo, o Cássio Rodolfo Sbarzi Guedes, que é desembargador hoje, foi presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, já aposentado. Falei “Carlos, você vai ter que me ajudar porque como é que eu vou copiar?”. Não tinha xerox naquele tempo, essas coisas todas. Então, sentamos cada um numa velha Hamilton e copiamos o discurso do Heleno Cláudio Fragoso, e eu devolvi no hotel, agradeci e perguntei se poderia usá-lo na matéria e ele falou que sim. No sábado de manhã mesmo eu retornei e redigi a minha primeira matéria. Entreguei a minha primeira matéria e falei “Wilson, o professor Heleno Cláudio Fragoso fez um depoimento muito interessante ontem à noite e se você quiser está aqui. Eu fiz uma cobertura pra você”. Ele pegou o depoimento, pegou a matéria que eu fiz, não fez nenhuma correção e publicou como manchete de domingo do Diário Mercantil. Foi minha primeira experiência. Eu veria depois o Cláudio Fragoso, ele voltou a Juiz de Fora para fazer defesas na 4ª Circunscrição, ali na Praça Antônio Carlos. Mas aí se deu o meu ingresso no jornalismo e o Wilson Cid me acolheu. A partir daí, ele me convidou para ser colaborador dele e eu comecei a trabalhar em política e aí essa história ainda não acabou.

Fernanda: Paulo César, eu queria que o senhor comentasse em relação a 1964. Você era muito novo.

Paulo César: Tinha onze anos.

Fernanda: Tinha onze anos. Mas com essa idade você já tinha dimensão, sua família teve dimensão de que houve um golpe? Um golpe militar e que dali tinha o início de uma ditadura? Como você teve consciência de, na verdade, o Brasil ter entrado em uma ditadura e que militares teriam tomado o poder?

Paulo César: Eu morava num bairro muito carente na minha cidade, como eu disse no meu depoimento de abertura. Eu era filho de pessoas que não tinham acesso à leitura, meus pais viviam ouvindo rádio. Mas o meu pai, a despeito de ser analfabeto total, ele tinha uma consciência política muito grande porque eu me lembro, era pequeno, da Campanha da Legalidade. Nós morávamos numa casa na Rua Guarani, lembro disso até hoje, e de frente morava um senhor que era udenista. Meu pai era um simples ferroviário. E quando o Brizola gritava “Vem, Jango, o país te espera”, que o avião do Jango estava sobrevoando Brasília, eu não tinha a menor noção disso, eu tinha onze anos e naquela região onde a gente não tinha acesso a informação. Mas me lembro dessa cena com o meu pai com o rádio, ouvindo aquele depoimento do Brizola chamando Jango. E aí, por provocação, ele pôs o rádio na janela, de frente pra casa desse senhor, José Barbeiro, para provocá-lo e mostrar que o Jango estava chegando. E meu pai era trabalhista, era do PTB.

Fernanda: Seu pai então tinha um movimento político forte?

Paulo César: Sim, total, meu pai era até fiscal eleitoral. Não sei como ele conseguiu. Meu pai era um empreendedor natural, nato. Ele era diretor de escola de samba, ele promovia eventos, ninguém o enganava em dinheiro. Engraçado, né.

Fernanda: E além do PTB, além de ele ser filiado a um partido, ele tinha algum movimento sindical, no Sindicato dos Ferroviários?

Paulo César: Não, que eu me lembre não, mas ele tinha essa atividade muito grande de ser brisolista. Ele era brizolista, e ele manifestava-se muito sobre isso, a favor da volta do Jango para assumir o poder.

Fernanda: E depois do golpe, qual foi a reação do seu pai? Ele chegou a sofrer algum tipo de repressão?

Paulo César: Não, que eu saiba não. Eu me lembro de 1964, do dia 31 de março quase que com medo, porque alguns vizinhos meus estavam servindo exército e eles foram chamados e vieram para Juiz de Fora. Não sei se chegaram a ir para o Rio de Janeiro. Mas as famílias ficaram apreensivas, “meu filho está indo pra guerra, meu filho está indo pra onde? A gente não sabe”, quando o Mourão teve aquele arroubo de partir para o Rio de Janeiro. E a 4ª Companhia de Intendência, em Santos Dumont, era também ligada à 4ª Região Militar aqui de Juiz de Fora. Então, eu me lembro dessas pessoas indo, com mochilas, saindo de casa, indo para o exército. E a gente não sabia o que estava acontecendo, para onde eles estavam indo.

Fernanda: E você se lembra das pessoas em geral celebrarem? Você tem alguma lembrança das marchas com Deus pela Liberdade aqui em Juiz de Fora? Se teve isso em Santos Dumont?

Paulo César: Pode até ter tido, mas, veja bem, como eu morava em um bairro humilde, esse é talvez um fenômeno que as pessoas não tenham essa leitura hoje, eu não morava muito longe da cidade. Eram 4 ou 5 quilômetros. Mas ir à cidade não era uma coisa assim do dia-a-dia, da nossa rotina. Eu ia à cidade, ia pra aula e voltava. Se aconteceram essas manifestações, e certamente aconteceram, elas não me chamavam a atenção naquele tempo. Do meu pai, repito, sim, mas ele sempre foi um opositor do regime. Eu não creio que seja inconsciente porque ele tinha uma cultura auricular muito grande.

Fernanda: Então, passando mais à frente, quando você veio para Juiz de Fora e começou a atuar na B3, quem trabalhava junto com você? Como era na rádio a cobertura de assuntos relativos aos militares? Que espaço isso ganhava?

Paulo César: Eu entrei na rádio aqui em Juiz de Fora em 1974. Trabalhava na Qualiluz… que era o coordenador que me submeteu o teste. O Jocemar de Souza, que trabalha na aqui na Faculdade de Comunicação da UFJF, ele era o operador. Me lembro muito bem do teste até hoje que foi aplicado. E o Wilson Cid, Paulo Emerick, Cláudio Temponi, Aparício de Vita, José Alencar. Messias de Barros era o porteiro naquele tempo, não tinha recepcionista. Mas ao Messias eu devo muito também, porque eu perdi o dia da inscrição e ele falou “Não, você é de Santos Dumont? Pode fazer aqui”. O Zé de Barros, era irmão dele. Então, essas eram as pessoas que trabalhavam na rádio naquele tempo. Quando a gente começou, depois que eu comecei a trabalhar no jornalismo da rádio, aconteciam sistematicamente ações da censura porque radio é concessão. E aí, sendo concessão, a atenção do governo era muito mais aguçada ali, porque a rádio alcançava um público alvo muito maior que eram as massas. Ainda mais a rádio, que era uma rádio popular. E como é que funcionava a censura? Vira e mexe alguém chegava na portaria da rádio, entregava um papel, nem lacrado era, dizendo “Tal notícia não pode ser divulgada”.

Helena: O censor aparecia lá rotineiramente?

Paulo César: Rotineiramente entregava na recepção da rádio uma nota.

Helena: Esse censor era vinculado a qual órgão? Você sabia?

Paulo César: Era o exército.

Helena: Essa é uma curiosidade, um interesse que nós temos, que é exatamente ver como é que a censura atuava concretamente na rotina.

Paulo César: Às vezes eles entregavam lá na redação, lá na rádio, na recepção, como se fosse um documento qualquer. Se o porteiro assinava um termo de recibo, ou talvez sim. Mas o que era interessante é que o Tristão de Ataíde, o Alceu Amoroso Lima, num dos depoimentos disse “O censor não pode, nunca deve ser um intelectual, porque enquanto intelectual ele tem um compromisso com a verdade”. Então, era uma forma tão burra de entregar a censura, porque recebia lá “Não pode ser divulgada a cassação do deputado Alencar Furtado”. A gente não sabia que o Alencar tinha sido cassado, porque era uma coisa tão tomada dentro das estruturas de poder que a gente não sabia. “Oh, eles estão nos dizendo que o Alencar… Tudo bem, a gente não vai divulgar na rádio”. Não podia, mas entregava no jornal.

Helena: E aconteceu alguma vez de vocês terem noticiado alguma coisa e terem sofrido retaliação por causa disso?

Paulo César: Eu não, mas o pessoal tinha muito cuidado, os Associados tinha muito cuidado, porque isso foi num dos anos mais duros, né, 1974, 1975. Claro que estávamos ainda na chamada “descompressão” do Ernesto Geisel. Eu me lembro de acompanhar todo esse processo de mudança quando Costa e Silva adentrou doente, a junta militar e o Geisel assumiu. Foi aquele período de… O Walder de Góes, aquele cientista político, ele dizia que foi o período da descompressão, de sístole, diástole, porque o Geisel soltava e segurava naquela abertura lenta, gradual e segura. É uma teoria política do Golbery. A gente acompanhava mais o que tinha, as notícias ufanistas, por exemplo, o Brasil estava numa fase de crescimento econômico, Delfim Netto pontificando. Mas quando Geisel declarou, ele suspendeu o acordo militar com os Estados Unidos, a censura deixou. Foi possível publicar essa informação. E foi uma decisão crítica naquele tempo porque ele estava rompendo com o governo do Jimmy Carter. Mas valeu divulgar. E os efeitos, né. A gente tinha Amaral Netto na televisão, aquele programa mostrando esse Brasil maravilhoso que tinha, só que não mostrava as ruas, não mostrava os focos de pobreza. Mas a gente tinha esse acompanhamento. Então, ele nos proibiam de divulgar na rádio, mas esqueciam do jornal.

Fernanda: E o jornal publicava?

Paulo César: Publicava, porque a censura, o censor, eu já peguei numa época que eu não me lembro do censor dentro da redação. Mas, como eu disse, o censor tinha uma postura burra, ele nos impedia de divulgar na rádio e esquecia do jornal. Então, a gente ficava sabendo da cassação do Freitas Nobre, cassação do Alencar Furtado, as ações de Ulysses Guimarães sendo pressionado, enfim, e então fomos andando no curso da história, o processo de anistia, aquela volta dos anistiados, tudo em 1979. Eu estava ainda no Mercantil.

Helena: Em relação novamente ao censores, dentro da rádio havia reuniões, recomendações internas, autocensura?

Paulo César: Autocensura? Basicamente não, mas é bom entender que nós estávamos em uma conjuntura de medo naquela época. Era uma autocensura? Era, mas as pessoas andavam com o freio de mão puxado, digamos assim. Mas com o governo Geisel, com essa descompressão, as pessoas começaram a ter um pouco mais de ousadia. Havia muito medo também de perder a concessão. Mas o jornal já começou a avançar. Eu me lembro que eu fiz a cobertura… eu não entrevistei porque a gente não tinha acesso, mas eu me lembro, por exemplo, em 1976, quando Geisel veio a Juiz de Fora lançar a pedra fundamental da Mendes Júnior. E eu me lembro bem da data, foi o primeiro presidente que eu vi na vida, de perto. Me lembro que eu era pequeno e meu pai me levou para ver Juscelino Kubitscheck em Santos Dumont. Olha como é que ele era. Então, eu fui ver Juscelino Kubitscheck numa visita a Santos Dumont. De longe, mas vi. Mas como profissional eu vi o Geisel. Foi no dia 26 de outubro de 1976, quando foi lançada a pedra fundamental da Mendes Júnior. E aí você tinha que fazer uma cobertura, as rádios tinham que fazer quase que obrigadas. 7 de setembro tinha que transmitir. E na véspera você tinha que ir ao quartel pegar a ordem dos desfiles, tinha que ficar no palanque, “passa agora a tropa tal”… Era um negócio assim muito pressionado.

Fernanda: Os impressos também?

Paulo César: Os impressos cobriam.

Fernanda: Mas não tinha essa obrigação por não ser uma concessão?

Paulo César: Porque geralmente os impressos tinham um link com as emissoras de rádio também. Os Associados tinha rádio, então, de uma certa forma eles também cobriam, e havia também um certo jogo.

Fernanda: Medo?

Paulo César: Medo e até mesmo interesse, naquele tempo, de ficar… massa publicitária… pressão. Não vamos também falar que não éramos… Os jornais também não eram tão resistentes. Muitos não eram resistentes. Muitos participavam também, sabiam o que estava acontecendo e foi feita a cobertura. Aquela resistência tipo O Pasquim, tipo opinião, era muito restrita. Os grandes jornais, com exceção, é claro, a gente conhece pela história. Os jornais, ainda mais do interior, onde havia uma pressão muito grande econômica. Se você não fizesse uma cobertura adequada, você teria retaliações. Então, a gente cobria tudo, o rádio transmitia o 7 de setembro, o Geisel veio a Juiz de Fora, ampla cobertura.

Fernanda: As ações militares tinham grande espaço?

Paulo César: Sim, os desfiles do 7 de setembro iam para primeira página, com foto, aquelas coisas todas. E tem até uma foto emblemática, eu confesso que ela é muito curiosa, porque depois da festa, em frente ao Parque Halfeld, onde foi aquele discurso, Hugo Abreu discursava. Eu nunca vi general discursar, e ele fez o discurso porque ele era natural de Juiz de Fora e era o chefe da Casa Militar e um potencial candidato à presidência da República, tanto que ele rompeu com Geisel quando ele foi caluniado pelo Figueiredo. O Geisel promoveu Figueiredo, que era um general de três estrelas, na frente do Abreu, que era de três estrelas, mas tinha preferência. E aí ele rompeu com o Geisel. Mas tem uma foto emblemática, na prefeitura, naquele púlpito, naquela sacada da prefeitura. Tem uma foto do Geisel e à sua direita Mello Reis, à sua esquerda Fagundes Netto e Bessa, que eram os candidatos a prefeito pela Arena. Era um negócio tão articulado, porque a eleição ia acontecer no dia 15 de novembro de 1976, eleição municipal. Esse evento foi no dia 26 de outubro, 20 dias antes das eleições. Resultado, a Arena ganhou. E ganhou apertado, porque na verdade ela ganhou por uma estratégia que eles adotaram que era de ter três candidatos, era Arena 1, Arena 2 e Arena 3, eram sublegendas, e o MDB perdeu porque só lançou duas. Lançou, salvo o engano, o Tarcísio Delgado e o Sérgio Olavo Costa. Faltou um candidato pra puxar mais votos. Enquanto a Arena lançou o Bessa, lançou o Osmar Surerus e lançou o Mello Reis. Ganhou o Mello Reis nessa eleição, mas dois anos antes as oposições já tinham mostrado a cara na eleição de 1974, quando o MDB fez a maior bancada no Senado e, inclusive, com o nosso Itamar Franco. Isso a gente acompanhou também. Aqueles episódios de Itamar ser eleito, de ele indeciso se sairia ou não da prefeitura, atrasa o relógio uma hora e enfrentar o debate, por exemplo. A gente não deu na rádio, mas no jornal a gente publicou matéria sobre o debate, o famoso debate entre Itamar e o candidato da Arena naquela ocasião. O resultado, o programa eleitoral era ao vivo e acontecia em Belo Horizonte, era gerado em Belo Horizonte, e vira e mexe ele ficava provocando, “Cadê o Itamar? Cadê o candidato do MDB?”. Até que no último dia o Itamar apareceu e ele não apareceu. O Itamar sentou-se na cadeira e falou “Estou esperando meu concorrente”. Itamar que se elegeu. Foi um ano fantástico em 1974, porque elegeu Itamar como senador, elegeu Franco Montoro, elegeu, no Rio Grande do Sul, Pedro Simon, Teotônio Vilela, embora da Arena, depois ele migrou para o MDB.

Fernanda: Na sua visão de jornalista político, com sua grande experiência no campo da política, como você via essa divergência, enquanto um governo militar, mesmo que fosse um período de mais abertura e etc, mais fortemente articulado com a Arena, como você via essas complexidades que levavam a população também a eleger candidatos mais progressistas ligados à oposição, que era representada, ainda que consentida, pelo MDB?

Paulo César: Acho que foi cansaço de material também. Em 1974, é bem verdade que a Arena começou a ter também suas lutas internas, mas a oposição já estava muito mais articulada. Então, quando começou a crescer a oposição, se elegeu em 1974, e quando foi em 1976 o Geisel quis fazer a reforma do judiciário. Isso porque não tinha sido aprovada. Ele quis fazer uma reforma judiciária. Nem sei se seria boa ou se era ruim, mas o fato é que ele não conseguiu aprovar. Em abril de 1976, então, ele fez aquela mudança, intervenção no Congresso Nacional e criou a figura do senador biônico. Minas Gerais tinha o senador Murilo Badaró e o apelido dele era Bionicão. Ele fica possesso quando ouvia esse apelido. Mas a Arena elegeu, ganhou senadores indiretos. E em 1978, quando foi feita a eleição de novo para Senado, foi eleito Tancredo Neves. Tancredo Neves, na verdade, era para ter disputado em 1974, porque ele era deputado do MDB. Parece que ele não tinha muita certeza que iria ganhar. Eu me lembro que era uma vaga só e ele ia enfrentar o Zé Augusto, que era um senador da Arena, já era senador. Então, ele não disputou. O Itamar entrou também num arroubo. Talvez aquela frase do Jean Cocteau, “Não sabendo que era impossível foi lá e fez”. Então, o Itamar se elegeu. O Tancredo se elegeu em 1978 e começou aquele movimento já pró-anistia. Mas algumas ações endógenas também do regime começaram a reforçar a tese de que já estava acabando a ditadura. Me lembro do senador Magalhães Pinto, ele começou uma campanha da redemocratização do país. Imagine, Magalhães era um dos próceres do regime, era governador de Minas, estava com a campanha de redemocratização. Ele veio a Juiz de Fora, fez uma palestra na Câmara Municipal, foi saudado por Raymundo Hargreaves, que era o líder do MDB na ocasião. Raymundo Hargeaves é pai de Henrique Hargreaves que depois seria assessor direto de Itamar Franco. Mas o Raymundo é um homem muito sério, mas era de esquerda. E o Raymundo Hargreaves fez a saudação a Magalhães Pinto. Olha a ironia do destino.

Fernanda: Mas ele era vereador?

Paulo César: Era vereador. E o resultado disso tudo é que, endogenamente, o regime também começou a se pautar por ações que, dentro dele, se por desejo de poder ou não, mas o fato é que havia as dissidências. Magalhães Pinto, aí aparece Paulo Maluf. Na eleição em 1974, quando o Aureliano foi eleito governador de Minas Gerais, mas na eleição de 1979 já começaram as dificuldades do próprio regime, antes mesmo da anistia. Porque, por exemplo, São Paulo, o candidato da Arena era o Laudo Natel, que está vivo ainda hoje, indicado pelo Geisel, porque eram indicados, era colégio eleitoral. Era uma reeleição arrumada. Só que o Paulo Maluf comprou, ele era prefeito de São Paulo, ele tinha conseguido feitos interessantes, ele deu um Volkswagen para todos os jogadores que foram campeões de 1970. Ele pagou isso agora. Tem pouco tempo, ele teve que pagar isso porque era dinheiro público. Mas o Paulo Maluf de repente ganhou do Laudo Natel na convenção. Olha que coisa absurda, enfrentou Geisel e ganhou a convenção na Arena em São Paulo, o maior colégio eleitoral. Então, percebeu-se que já havia cisões dentro do regime. Em Minas, ganhou Francelino Pereira. Aliás, aconteceu um fenômeno muito interessante, eu já era repórter na Câmara Municipal, estava acontecendo uma reunião.

Fernanda: Pelo Diário Mercantil?

Paulo César: Pelo Diário Mercantil. Acontecendo uma reunião normal e o vereador Luiz de Campos Bastos, outro personagem que está vivo, ele estava discursando, na rotina. Ele era da Arena naquele tempo. Arena era majoritária, 10 a 9. E chegou um assessor, um funcionário, e a Câmara tinha muito poucos funcionários, quer dizer, se conhecia todos eles, e entregou um papel ao Luizinho de Campos Bastos, como ele era chamado. E ele pegou o papel, leu e ficou emocionado. Ele falou assim “Meus caros amigos”, a frase foi tão marcante pra mim que eu me lembro, “eu tenho a honra de dizer pra vocês que o presidente Ernesto Geisel acaba de indicar o nosso companheiro Fernando Fagundes Netto a governador de Minas Gerais”. Imagine, Juiz de Fora sempre sonhou em ter um governador e aí o Geisel teria indicado o Fernando Fagundes para governador de Minas Gerais. Me lembro do vereador Inácio Halfeld, alemãozão alto, morava em Benfica, e com um vozeirão deu um soco na mesa e falou “Esse presidente Geisel é macho mesmo!”. E aí começaram aquelas manifestações, Juiz de Fora teria um governador. Até que o vereador Paulo Emerick, que era do MDB, fez a pergunta que ninguém tinha feito, “Luizinho, quem é que te contou?”, fez essa pergunta, “Ah, um funcionário me entregou o papel”. Chamam o funcionário, “E quem é que te contou?”, “Ah, telefonaram pra mim aqui e eu passei”. Era um trote.

Fernanda: E isso chegava a ser noticiado?

Paulo César: Claro que foi notícia. Mas o Fagundes foi governador por alguns minutos graças a esse trote.

Helena: Nos anos 1970, nós tivemos muitos julgamentos aqui na Auditoria, porque aqui era sede da 4ª Região Militar e também alguns aqui de Juiz de Fora foram presos, pessoas bem conhecidas. Você se lembra da cobertura desses eventos?

Paulo César: Era muito precária. A cobertura que a gente fez mais ostensiva foi quando os jornalistas de Juiz de Fora foram presos. Agora, eu confesso que não me lembro se era da Tribuna ou já era do Diário Mercantil. Mas acho que era Diário Mercantil ainda. Vários jornalistas de Juiz de Fora foram presos, foram intimados e foram julgados na 4ª Circunscrição.

Fernanda: Era o caso dos dezoito?

Paulo César: É o caso dos dezoito.

Helena: Isso foi em que ano mesmo?

Paulo César: Se não me engano foi em 1978 ou 1979, então, não era Tribuna ainda, mas eu me lembro que…

Fernanda: Era a esposa do Kaká Guilhermino?

Paulo César: A Malu, o Kaká, né. Todos eles.

Fernanda: E o Renato Dias?

Paulo César: O Renato Dias, todos eles, e eles foram julgados. E aí nós demos cobertura completa, porque nós fazíamos vigília lá dentro acompanhando todo o julgamento. E o Heleno Cláudio Fragoso veio a essa ocasião também para participar da defesa.

Helena: Você podia contar rapidamente o motivo de eles terem sido presos assim, os dezoito.

Paulo César: Eu confesso que eu tenho uma lembrança muito vaga sobre isso, mas foi um daqueles arroubos do regime de suspeitar que tudo era contra.

Helena: Subversão?

Paulo César: Subversão. O Renato Dias foi mordido por cachorros no Parque Halfeld.

Fernanda: Na manifestação?

Paulo César: Na manifestação eles soltaram os cachorros em cima dele. E a ironia da história é que quem mandou soltar os cachorros virou amigo dele mais tarde, anos mais tarde. Era um tenente que, depois como coronel, tornou-se amigo e os dois se encontram e riem do episódio. Mas foi muito crítico naquela ocasião, porque já estava despertando a ditadura, então, todas essas ações, quase como uma última tentativa de suspiro, eram o motivo do julgamento. Esse jovens foram julgados exatamente por bobagens que o regime via. Eu não me lembro exatamente, acho que o Renato deve ter feito esse depoimento, mas naquelas publicações que a gente fazia, eles entendiam que era contra o sistema. Mas também nossos repórteres foram presos. O Humberto Nicoline foi preso já na Tribuna, em 1982. E aí prenderam o Betinho. E nós todos corremos para a polícia para soltar o Betinho.

Fernanda: Foi preso por que ele estava fotografando?

Paulo César: Porque ele estava fotografando. Porque as coisas eram feitas muito em cima da perna, na verdade. Porque quando na reta final, pra vocês terem uma ideia, em 1982, por exemplo, na eleição que Minas Gerais elegeu Tancredo Neves, o candidato da Arena da Bahia era o Clériston Andrade. E faltavam duas semanas, muito próximo das eleições, ele sofre um acidente de helicóptero e morre. E aí como é que fica essa história? Quem vai ser o candidato do Antônio Carlos Magalhães lá na Bahia? O Ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, estava participando de um comício aqui em Juiz de Fora do candidato dele que era o Eliseu Resende, em 1982. Ele não sabia, não tinha celular naquele tempo. Nós ficamos sabendo na redação, a Tribuna era onde é a Biblioteca Esdeva hoje, na Academia de Comércio. E o ministro ainda estava aí, fomos pegar a repercussão dele. E nós descemos, eu, o fotógrafo, se não me engano o próprio Betinho, mais uma outra pessoa. Acho que foi a Heloísa mesmo que desceu comigo, que ela era correspondente do Estadão. Descemos para pegar o depoimento do Ibrahim Abi-Ackel, afinal de contas o Ministro da Justiça era um dos poucos ministros que podiam falar. E olha que já era o governo Figueiredo. Mas o que acontece? Nós chegamos lá e perguntamos sobre isso, qual era a leitura que o governo fazia diante da perda de um candidato nas vésperas das eleições. Ele não nos respondeu, mas pediu um tempo até pra saber o que estava acontecendo, ele não sabia. Ele se afastou usando aquele sistema de rádio. Poucos minutos depois ele voltou e o comentário dele foi apenas isso “Nós perdemos o candidato Clériston Andrade, mas vamos ganhar a eleição na Bahia”. E ganhou com João Durval. Mas não tinha muita declaração, era patético o depoimento do Armando Falcão, o Ministro da Justiça, “Nada a declarar”.

Fernanda Sanglard: E tinha pesquisa eleitoral?

Paulo César: O governo tinha, mas não tinha publicação, de forma alguma. Eles tinham as informações deles. A gente passava por muitos problemas nessa fase. Me lembro que eu fui entrevistar o Chagas Freitas no Aeroporto da Serrinha. Eu me aproximei dele com o microfone da rádio, fiz uma pergunta, ele não respondeu, “Isso aqui não respondo, menino”. Me tirou lá, saí. O Geisel, numa das passagens por Juiz de Fora, eu me aproximei dele, o segurança me pegou e me jogou lá fora do aeroporto. Você vai reclamar pra quem naquela época? Não tinha. Por incrível que pareça, eu conversei com o Geisel, mas ele estava muito mais sério. Foi quando ele foi visitar a própria Mendes Júnior, que ele inaugurou, mas ele já era apenas um general aposentado. Quer dizer, mais exatamente, conversei com ele dois minutos.

Fernanda: O acesso a essas autoridades era difícil?

Paulo César: Não tinha acesso.

Helena: Nesse período da ditadura, principalmente no período mais duro, que foi o período do Médici, o que você guardou mais na memória em relação a Juiz de Fora, em termos de repressão ou de fatos mais marcantes?

Paulo César: Quando eu cheguei em Juiz de Fora já estava no governo Geisel. Eu cheguei em 1974, foi exatamente na transição quando o Médici indicou o Geisel e ele enfrentou, no colégio eleitoral, o general Euler Bentes Monteiro, que era um general ligado ao MDB. O Euler foi ao colégio eleitoral, sabia que não ia ganhar, mas a oposição, como eu disse, em 1974, já começou a dizer “Estamos aqui e não estamos aqui numa oposição para consentir”. Era uma oposição para protestar e virar o jogo.

Helena: Era uma candidatura simbólica?

Paulo César: Era uma candidatura simbólica, mas como eu disse, endogenamente, já estavam com um problema. O Euler era um general de quatro estrelas, não era um general qualquer, era um general conceituado na tropa e tinha quatro estrelas como Geisel. Ele disputou a eleição no colégio eleitoral, claro que não ganhou, mas provou-se que já havia problemas. Uma remissão a fatos locais aqui, em 1977, na eleição da presidência da Câmara aqui em Juiz de Fora, aconteceu um fenômeno histórico e ao mesmo tempo a mostrar como é que havia já a mudança de conscientização das pessoas. A eleição para presidente da Câmara era emblemática porque o presidente da Câmara e o prefeito afinados, as matérias transitam muito mais fácil dentro da Câmara. No dia da posse, 1º de janeiro de 1977, era pra ser eleito o presidente da Câmara. A Arena tinha dez vereadores e o MDB tinha nove. Lógico, então, que a Arena teria o presidente da Câmara, só que o vereador Wilson Coury Jabour, da Arena, se candidatou à presidência para enfrentar Fernando Paranhos que também era da Arena. Ele falou “Mas eu sou candidato!”, mas a Arena indicou o Fernando Paranhos, havia aquela questão de fechar a questão naquela época, mas Jabour tentou disputar. Mas como é que ele vai ganhar? Pela lógica, ele teria que votar na Arena, porque eles fechavam questão e infidelidade partidária dava cassação quase que automática. A votação foi secreta e naquelas articulações dos bastidores eu acompanhei algumas delas que aconteceram, inclusive, dentro da rádio, porque o diretor da rádio era vereador, o Paulo Emerick era do gabinete dele, articulou-se que os nove vereadores do MDB votariam no Jabour e o Jabour votaria nele mesmo. Lógico, 10 para o Jabour, 9 para a Arena. E este foi o resultado das eleições. Imediatamente, logo que foi proclamado o resultado, o vereador Wilson Coury Jabour, com dez votos, Fernando Paranhos, com nove (era voto secreto), o presidente da Arena, Américo Massote declarou “Vou te cassar o mandato por infidelidade partidária”. E entrou na justiça, mas me diz uma coisa, como é que você faz prova material, você tem prova circunstancial que o Jabour tinha traído no voto? Materialmente não tinha prova. Voto secreto. E aí o TRE confirmou porque não havia prova material de que ele havia traído. Foi só uma questão lógica, uma questão circunstancial. Então, ele foi mantido como presidente da Câmara. A Arena já começava a perder espaço. Mello Reis enfrentou a oposição muito forte na Câmara no governo dele.

Fernanda: E o Mello se articulava como com esse regime?

Paulo César: Naquele tempo, a Arena era partido sim, tinha que fazer. Às vezes eu fico temeroso porque eu vejo esses links que se fazem hoje. O prefeito tem que ter um candidato pra senador, ministro tem que ter um secretário para você conseguir verbas. Porque na Arena fazia-se muito isso. Pra ganhar a eleição de 1982, e Mello já estava no final do mandato, faltava um ano apenas, o candidato era Eliseu Resende. Eles inauguraram o mergulhão da Avenida Rio Branco faltando um mês para as eleições de 1982. O Mergulhão foi inaugurado em 1982, pode olhar a plaquinha lá, tem uma foto histórica já na Tribuna, Mello Reis num carro antigo, Eliseu Resende no meio, à direita dele Fernando Fagundes Netto, que era secretário naquela época, e Fernando Junqueira e José Carlos Fagundes Netto. Eles desfilando, saindo de dentro do Mergulhão em direção ao Centro da cidade. Então, o governo fazia essas ações cooptadas para conseguir. O Mello Reis foi um prefeito muito empreendedor e eu acho que a história tem que fazer justiça a ele porque ele tinha uma visão futurística muito grande. E o Mello não foi muito de ficar ligado a regime, à questão militar, à questão política, porque o Mello era muito ele. Claro que tinha que navegar de acordo com as regras do jogo, senão não conseguia. Mas foi um prefeito que teve uma visão futurística de Juiz de Fora. A Rio Branco que ele fez, por exemplo, colocar os ônibus na pista única, isso em 1982 foi uma ousadia. Ele pagou um desgaste muito grande, imagine você, nós ficamos quase dois anos de obra na avenida Rio Branco. O Custódio fez muito menos do que isso e pagou um preço muito alto. No final, fez só metade do que o Mello Reis fez na avenida Rio Branco. Ele fez um sistema de captação de águas ali na avenida Rio Branco que hoje você não vê inundação, que era muito comum. Os mais antigos vão se lembrar da enchente de 1940, onde a água do Paraibuna veio até à Catedral Metropolitana. Em frente ao rio se inundava. O Mello fez esse trabalho. Teve essa visão de fazer a Cidade Alta.

Fernanda: Você ficou no Diário Mercantil até 1981, quando a Tribuna inaugurava?

Paulo César: Até o início de 1981. Só pra fechar o Mello agora, alguns arroubos que ele tinha, na época foi um absurdo, por exemplo, desabrigar a favela da Vila da Prata. Isso aconteceu num período impróprio, quase perto do Natal. Na marra, com autorização judicial, o Mello fez o esbulho, tirou à força as pessoas que ficavam na favela Vila da Prata e os transferiu para o bairro Santo Antônio. Hoje é o Parque da Lajinha. Ali era uma favela. Se você olhar um pouco distante, você vai dizer o seguinte discurso “Se ele não fizesse aquele esbulho, nós teríamos uma favela ali na entrada da cidade”. Isso se você fizer um olhar distante, se você olhar perto, na época, você vê que foi um absurdo aquela remoção.

Helena: Autoritariamente?

Paulo César: Exatamente. Então, eu sou um pouco hegeliano, a história tem os seus ciclos. Então, essa leitura que você tem que ver da história. Mas, voltando, nós saímos da Tribuna, do Mercantil. Nós, porque éramos um grupo, convidados pelo Juracy Neves para fundar a Tribuna. Nós saímos em abril, mais ou menos, de 1981, e no dia 1 de setembro foi lançada a Tribuna de Minas, a primeira edição. O Mercantil fechou em 1983, dois anos depois, mas a minha história jornalística começou lá. Tive pequenas passagens como repórter de linotipia, trabalhei no Jornal Mensário, de Santos Dumont, mas foi uma coisa muito rápida.

Fernanda: Na Tribuna, sua entrada já é como repórter de política?

Paulo César: Eu era editor de política.

Fernanda: Já entrou como editor de política?

Paulo César: Como editor de política. Se você olhar a primeira parte da Tribuna tem quatro chamadas minhas, no número 0.

Fernanda: Você entra então coordenando uma equipe de política? Quantos jornalistas tinham naquela época na redação?

Paulo César: Era uma redação bem grande, talvez até maior do que a de hoje. Nós passamos por várias etapas, mas eu tinha duas repórteres, uma era a Clélia Marisa Pereira de Resende e a outra, Gilceia Perison. Eram as repórteres daquele tempo.

Fernanda: A Gilceia que hoje está na Câmara?

Paulo César: Hoje trabalha na Câmara Municipal.

Fernanda: E como foi cobrir esse finalzinho de ditadura, o movimento pelas diretas? O que você destaca em Juiz de Fora de movimentos?

Paulo César: O movimento das diretas acho que é impagável. Nós estávamos todos envolvidos naquilo, eu me lembro de uma cobertura que foi feita na Praça da Estação, num comício. A foto é emblemática, Ulysses, Tancredo, Itamar, todos eles no palanque. Eu estava cobrindo pelo Mercantil, mas estava do lado do pessoal da Folha, Estadão, e eu me lembro da combinação “Quantas pessoas nós temos aqui na praça?”, “Vamos colocar 13 mil”. Todos nós, os jornais, colocamos. É uma foto fantástica, ela está na história hoje, aquela foto da Praça da Estação coalhada de gente. Esses movimentos todos, a campanha das diretas, a manifestação, o Teotônio Vilela veio a Juiz de Fora.

Helena: Ele falou aqui na universidade.

Paulo César: Exatamente. Eu o entrevistei em duas etapas, a primeira quando era o Teotônio senador alagoano com aquele bigode fantástico, cabelo preto, vozeirão, e depois, já o Teotônio atacado pelo câncer, mas sem perder o brilho e sem perder a vontade de viver. Eu o entrevistei no Diretório Central dos Estudantes. Me lembro também que me emocionou muito uma entrevista que eu fiz com o Leonel Brizola. Ele desceu o calçadão e na esquina onde era a drogaria Dia e Noite, ali em cima era a sede do PDT. Foi sede do Diário Mercantil também, tem uma sacadinha. E era um sábado pela manhã. Por que eu me lembro disso, porque era a coisa mais emblemática, o Brizola era cativante, ele conversava com você. Lula também é cativante, ele começa a conversar com você e você não consegue parar. E o Brizola também é assim. Ele subiu na sacada e queria fazer uma mensagem pro pessoal que tava embaixo, do PDT. Essa mensagem foi acumulando e acumulando e, de repente, se percebeu a rua Halfeld coalhada até a esquina com a avenida Rio Branco, em silêncio, e o Brizola falando.

Fernanda: Isso em que ano?

Paulo César: Foi na volta da anistia, talvez em 1980, estavam voltando já.

Helena: Falava muito bem, não é?

Paulo César: Falava muito bem, era cativante, como o Lula era cativante. O Lula, quando veio, visitou a Tribuna de Minas. Ele era só um líder sindical, ele vinha com a camisa “Hoje não estou bom, João Ferrador”. Nós o entrevistamos na redação da Tribuna de Minas, no estúdio que a rádio tinha dentro da redação na Academia de Comércio.

Fernanda: Ele já era deputado ou só era sindicalista?

Paulo César: Não, sindicalista. Não era aquele homem poderoso da Vila Euclides, formando o PT. Engraçado, eu vejo os personagens que estavam em torno dele naquela época, que foi a geração inicial do PT. Ali estava Kaká Guilhermino, Jorge Sanglard, Paulo Delgado, Inácio Delgado, Jorge Lima, Flávio Cheker, eles estavam todos em torno do Lula nessa entrevista que ele concedeu pra mim, Aloísio Furtado e Carlos Lery.

Helena: Aproveitando o fato de a gente estar aqui dentro da universidade, você se lembra de algum fato marcante em relação à universidade que você tenha coberto no período da ditadura?

Paulo César: Eu confesso que não. Certamente aconteceu, mas são tantas as memórias.

Fernanda: Manifestação, movimento estudantil, alguma ação?

Paulo César: Aquele caldo de cultura já estava mobilizado, qualquer projeto que acontecia, o Projeto Aquarius que aconteceu aqui já era um motivo de mobilização de muita gente. Houve manifestação dentro do Projeto Aquarius, muita gente estava ali também. Karabtchevsky fez um concerto aqui, na praça da reitoria. Isso aconteceu também. Em qualquer movimento que havia muitas multidões, sempre havia uma faixa. É um oportunismo positivo. Qualquer manifestação que acontecia na cidade, sempre aparecia uma faixa. Até no 7 de setembro, aparecia uma faixa lá no meio da multidão. Algumas pessoas eram recolhidas quase discretamente. Quando o Geisel veio a Juiz de Fora nesse famoso 26 de outubro de 76, vários personagens que seriam depois também do Partido dos Trabalhadores foram recolhidos em casa. Mas não só do PT, mas também eram liderança daquela época. Marcus Pestana, que foi presidente do DCE, Paulo Delgado, Carlos Alberto Pavan, todos eles tiveram prisão domiciliar. Impedidos, eles não puderam ir a essa manifestação, ficaram em casa.

Fernanda: E isso era divulgado?

Paulo César: Nós divulgamos sim, mas eles ficaram em casa, prisão domiciliar. Então, eu vejo alguns oponentes hoje que eram parceiros naquela época de enfrentar. Na verdade, era uma luta comum, de muitos. Por que o MDB é histórico? O MDB era uma federação, todos estavam acolhidos dentro do MDB, porque era um maniqueísmo, a favor ou contra. O MDB era contra, a Arena era a favor. Então, onde as pessoas se manifestavam? Dentro do MDB. Só que a política é muito dinâmica, havia muitas lutas internas, mas, para o controle do MDB, eu cobri várias convenções. Era o grupo do Tarcísio, o grupo do Itamar e o grupo do Sílvio Abreu. O grupo do Itamar não se envolvia tanto, mas o grupo do Tarcísio e do Sílvio Abreu sempre se enfrentaram em convenções. E na maioria das vezes quem ganhava era o Sílvio Abreu. Sílvio Abreu foi convidado para ser o Secretário de Interior de Justiça, em 1982, pelo Tancredo Neves. Eu fui convidado para ser o Secretário de Imprensa. Talvez se eu tivesse ido, eu estaria morando em Belo Horizonte e não teria conhecido a minha mulher, a minha história fosse outra, talvez eu fosse um senhor aposentado do Estado, alguma coisa assim, mas eu não fui por causa de uma namorada. Olha só como é que a história tem essas voltas, né. Então, Sílvio Abreu foi Secretário de Interior de Justiça. Ele estava prestando um depoimento pra gente num outro dia a respeito dos 30 anos da eleição de Tancredo e ele contava que, como era um dos interlocutores do Tancredo naquela ocasião, ele conversou com o Hugo Napoleão, que era o governador do Piauí e também com Roberto Magalhães, o governador de Pernambuco, pra conseguir reverter o jogo dentro do colégio eleitoral. E foi quando o Tancredo ganhou do Maluf. De novo ele, Maluf, o mesmo Maluf que tinha derrotado Laudo Natel, fez a tentativa em cima do governo e quase ganha porque ele ganhou do Mário Andreazza, que era o candidato do Figueiredo. O Mário Andreazza era candidato, Ministro dos Transportes. O Maluf ganhou dele na convenção da Arena e foi para o colégio eleitoral. Graças a Deus o Brasil ganhou naquela ocasião. Eu estava em Brasília na véspera da posse de Tancredo Neves. Estava lá.

Helena: E os jornalistas tomaram conhecimento dessas negociações que aconteceram? Porque havia uma campanha intensa no Brasil pelas Diretas Já, não é, e, no entanto, saiu o colégio eleitoral. Isso foi um acordo que foi feito com os militares. Vocês tiveram notícia desses acordos, acompanharam?

Paulo César: Havia sim. Alguns cientistas políticos que eram jornalistas, como disse o Walder de Góes, por exemplo, que é um cientista político muito conceituado, ele dizia naquela época, ele tinha uma linha direta com o Geisel. O Geisel, às vezes, falava por ele. Foi essa questão de descompressão, um termo do de Góes que era o Geisel que usava. Certamente o Golbery. O Góes não é de falar muito, o Golbery falava. Então, essas articulações eram percebidas e eram divulgadas. Já havia a descompressão. Então todos nós sabíamos, por exemplo, a dificuldade quando foi o Geisel indicar o Figueiredo, como eu disse, o rompimento do Hugo Abreu com o Geisel, quando o Figueiredo caluniou. E, por sua vez, quando o Figueiredo também não queria que o candidato fosse o José Sarney como vice, independente disso. Eu estava em Brasília, estava jantando com o Tarcísio Delgado, que era prefeito de Juiz de Fora, e outros deputados, no Tarantela, que hoje é o Piantella, que era o reduto do MDB. E quando surge o José Luiz Guedes, era deputado naquela época, médico. E o Guedes lá dentro, esbaforido no hotel, fala “Tarcísio, o Tancredo está internado!”. E o Tarcísio naquele estilo muito bravo “Que internado o quê, Guedes?! Fala a verdade”, aí o Guedes “Ele está internado”. E aí todos correram para o Hospital de Base. Ali começou um outro ciclo da história porque Tancredo internado, como é que seria a posse? Foi uma longa noite. Não tinha celular, então, me lembro que às 5 horas da manhã, quando a rádio abriu, eu dei um primeiro flash de um orelhão para o Zé de Barros, “Olha, o Tancredo Neves está internado no Hospital de Base”, contando a dúvida se o Tancredo ia sair para tomar posse.

Fernanda: A dúvida era se o Sarney faria a posse ou se o presidente da Câmara assumiria?

Paulo César: Houve várias discussões. Isso já tá bem documentado hoje. Mas o Tancredo Neves internado, quem seria? O Ulysses Guimarães que era o presidente da Câmara ou o Sarney que era o vice? Ainda não tinha empossado, como é que ele iria assumir? Mas o Ulysses Guimarães, a história tem que fazer essa justiça a ele, ele disse “O presidente será o José Sarney”. O Figueiredo daria posse ao Ulysses Guimarães, embora fossem antípodas por muito tempo. Muito íntegro, não tinha aquela sede de poder, embora tenha lutado por ele boa parte da vida. Ele foi anticandidato em 1978. Mas o Ulysses Guimarães disse “O presidente da república será o José Sarney”. O Figueiredo saiu pela porta do lado do palácio, não deu posse pra ele. Então, a posse aconteceu com José Sarney. E eu fui apresentado ao Sarney na véspera, nessa mesma véspera. Quem me apresentou foi o Itamar Franco, que era senador naquela época “Quero te apresentar aqui o senador José Sarney, que a partir de amanhã será vice-presidente da república”. Ele não sabia que ele seria presidente, muito menos o José Sarney.

Fernanda: Você gostaria de acrescentar alguma coisa?

Paulo César: Eu gostaria de apresentar um depoimento mais rico, mas a memória falha. Eu não sei se é frustração, mas eu gostaria de ter sido muito mais atuante nesse ciclo. Não é que eu vá fazer justiça por justiça, mas eu lamento o meu desconhecimento de muitas coisas quando era jovem, da consciência política que eu tenho hoje, gostaria de tê-la tido, mas eu sou fruto das próprias circunstâncias. Mas eu sempre digo, eu falo às minhas filhas, elas podem ter certeza que o pai delas em momento algum se aproveitou desses momentos que essa ditadura fazia e desfazia. Muito pelo contrário, minha história foi feita com a ajuda de muita gente, mas com muito esforço meu também, sem em momento algum sair da legalidade ou de aproveitar do patrimonialismo que marca as relações de povo e poder.