Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora
Depoimento de Jorge Sanglard
Entrevistado por Danilo Pereira e Fernanda Nalon Sanglard
Juiz de Fora, 13 de janeiro de 2015
Entrevista 006
Transcrito por: Gabriella Weiss
Revisão Final: Ramsés Albertoni (03/01/2017)
Danilo: Bom dia, a gente queria agradecer primeiro por ter aceitado o nosso convite, e eu queria que o senhor começasse mesmo se apresentando, falando o seu nome, ocupação, formação.
Jorge: Bom, sou Jorge Sanglard, jornalista e pesquisador, e acompanhei a ditadura a partir de 1975 quando eu…
Fernanda: Fala onde você nasceu, data de nascimento…
Jorge: Bom, eu nasci em Juiz de Fora, em 20 de novembro de 1954, morei fora daqui até 16 anos, em Manhuaçu. Depois fiz formação básica estudantil e depois fui para Ouro Preto fazer mineralogia, e fiquei em Ouro Preto de 1971 até 1975. Larguei o curso e vim para Juiz de Fora, onde eu fiz a Faculdade de Comunicação e Jornalismo, em 1976. Nesse período, ainda é um período onde a ditadura ainda estava com muita atuação dentro da universidade. E não existia a Faculdade de Comunicação, ainda era um departamento da Faculdade de Direito. O curso era uma precariedade muito grande, e quem mandava na universidade era o general, não era o reitor, o reitor simplesmente obedecia às ordens do general. Não tinha nenhuma estrutura democrática dentro da universidade, era um feudo do que acontecia lá fora. Então, era muito fácil, né? Primeiro dia de aula eu estava passando no corredor e aí eu vi o Luiz Egito passando, o Chico Teixeira passando e vi o Walter Sebastião passando no corredor e, aí, de cara, eram três pessoas estranhas. Aí, eu falei “esses caras têm alguma coisa de diferente, esse curso deve ser…Tenho que conversar com eles”. E aí, na minha turma, encontrei o José Henrique da Cruz, encontrei a Raquel Scarlatelli, de cara assim, no primeiro dia de aula. Aí começamos a conversar e o Chico passou e perguntou se a gente não estava interessado em conversar sobre o movimento estudantil, sobre o D.A., DCE, disse que o DCE tinha uma gráfica, e o DCE realmente tinha uma gráfica porque era o centro da articulação política de oposição em Juiz de Fora, era a gráfica do DCE. E aí, nesse dia, o Mutum falou comigo, o José Henrique da Cruz, falou comigo que tinha feito lá no Magister, com o Gilvan, que dava aula de literatura no ICHL e na Comunicação, uns folhetos de poesia, e ficou de trazer os folhetos no outro dia. No dia ele trouxe, eram umas folhas quadradas, de poesia, e eu falei com ele “Poxa, mas vocês fizeram isso lá no Magister? Aqui na Universidade dá para fazer coisa maior que isso”. Aí. ele falou comigo “Dá, desde que a gente consiga juntar as pessoas”. Aí, eu já escrevia, a Raquel escrevia, ele escrevia, na sala. Fomos atrás do Gilvan, lá no ICHL, aí o Gilvan falou “Não, vamos fazer sim. Vamos arrumar um jeito”, aí eu falei “O Chico falou que no DCE tem uma gráfica”, e ele falou “É, mas é uma coisa mais política, mais complicada. Vamos tentar fazer lá pelo Magister mesmo”. Mimeógrafo a tinta, a álcool, naquela época, lá tinha um mimeógrafo grande a tinta, aí, a Teresa do Magister emprestou pra gente o mimeógrafo. Nós recolhemos poemas com alguns estudantes ali que a gente foi… vai comentando e vai chegando as coisas, né, do ICHL e da Comunicação e os professores, e ali começou um movimento de poesia alternativa contemporânea de Juiz de Fora, que virou o Movimento Poesia, o jornal Brazil, que foi um jornal de oposição feito também aqui dentro, depois veio a Revista D’Lira, e depois veio o Abre Alas. Isso foi a base da poesia contemporânea de Juiz de Fora, que o Afonso Romano fala que foi o movimento mais importante de poesia contemporânea do Brasil, como movimento, né. Porque antes era assim, antes, Juiz de Fora, o Afonso Romano que fazia poesia, tinha o Murilo Mendes, o Pedro Nava, eram autores de espaço. Agora, interessante que esses folhetos eram distribuídos aqui na universidade no Som Aberto. O Som Aberto foi criado na virada entre 1975 para 1976, pelo Ivan Barbosa. Ivan Barbosa, Chico Teixeira, os Teixeiras todos, o Chico com os irmãos, Paulo Delgado, Chico Guerrilha. O que que era? Era o Reinaldo Arcury, Marcinho Itaborahy, Márcio Gomes, era um formato parecido com o que tinha em São Paulo, a gente fazia no D.A. de Medicina, porque o D.A. do ICHL vetava. O diretor, o Manuel Barbosa, vetava o uso, porque falava que era o uso político do anfiteatro do ICHL. E aí, o Paulo Torres, que era o diretor da Medicina, que era casado com a irmã do Murilo Mendes, e que era um cara democrático, dava a chave do anfiteatro da Medicina para o Chico Teixeira e o Chico abria, ligava o som, e a gente reunia. Quem fazia música, quem fazia artes plásticas, quem fazia teatro, quem fazia qualquer manifestação, literatura, qualquer manifestação cultural e a gente se apresentava lá. Os principais músicos em Juiz de Fora, da geração mais nova, saíram do Som Aberto, o Aluísio Lopes, o Chico Cúrcio, os Itaborahys todos, os Teixeiras todos, a Pá, a Pazinha, os grupos Hertz, tudo saiu dali. E era a única forma de expressão que se tinha, era artística, era cultural, porque o resto estava todo vedado pela ditadura, tudo era proibido. O Som Aberto passou a ser uma referência contra a ditadura aqui dentro da universidade. Eram praticamente todos os sábados, e a gente tinha um chamariz que era trazer no circuito universitário, que percorria as universidades do Brasil, um músico. Então, a gente trouxe aí muita gente boa, João Bosco, Gonzaguinha. Eles vinham fazer um show na cidade, no Central, passavam no Som Aberto, davam uma canja e aí atraía o pessoal para o show à noite também. E aí tinha sempre um discurso político, tinha uma coisa. Mas os folhetos, é importante a gente falar, que os folhetos não tinham… eram poesia mesmo, de qualidade, não tinha vertente política, não era panfleto político, era panfleto poético. E o DOPS ficava atrás da gente porque a gente entregava no Som Aberto os folhetos com as poesias, tinha uma capa desenhada, atrás tinha uma mensagem de algum escritor, e a gente distribuía 2000 folhetos, mais ou menos, por fim-de-semana, no sábado, e a gente ia pra rua, eu e Mutum sozinhos, íamos para a rua, pro Calçadão, para a Marechal, para as ruas centrais, e distribuía os folhetos para todo mundo. Naquela época, qualquer maluco que saísse pela rua distribuindo folheto eles achavam que era contra a ditadura, que era panfleto, manifesto. E os caras do DOPS ficavam atrás da gente. E a gente morria de rir, porque era poesia. Aí, quando eles pegavam e viam, não tinha o que fazer. E aí eles botavam no bolso e saíam. Mas a gente fazia e tinha uma repercussão muito grande. Ali foi o primeiro marco que a gente viu que a universidade estava infiltrada pela ditadura. Por quê? Porque a gente não tinha o anfiteatro do ICHL, que era o local para fazer e tinha que ir lá para a Medicina. E aquilo começou a ter uma repercussão maior, as pessoas que vinham sempre tinham um discurso político por algum problema que tinha na universidade, democratização, um era a democratização na universidade e para ter um curso melhor. Porque o curso era muito pouco aparelhado, e para ter um curso melhor você tinha que mudar um pouco o fechamento que a universidade tinha sobre os cursos. Ali começavam as primeiras manifestações. Uma das manifestações mais importantes foi para o ônibus, porque teve para o RU e teve para o ônibus. O RU para melhoria, a comida, o preço mais barato… do RU, e pro ônibus, que era para ter ônibus para você conseguir chegar no horário da aula. Muito menos gente do que hoje tinha carro, então, a maioria dos estudantes dependia de ônibus para vir. De professores também, dependia de ônibus para vir. E a população de São Pedro também dependia de ônibus para vir pra cá ou sair daqui. E não tinha ônibus na época, era muito pior do que é hoje. E aí, em uma dessas manifestações, que foi a maior de todas, que foi essa que o Renato Henrique Dias citou aqui que foi mordido por cachorro, a administração do Mello Reis, o Fernando Rainho era o secretário de governo e tinha uma postura muito truculenta, o Rainho, no trato social. O jornal publicou uma foto dele na… da Prata, onde virou a rodoviária atual, com a polícia chutando a porta da casa de uma família que eles iam tirar de lá para levar a rodoviária. Então, assim, nesse dia dessa manifestação do ônibus estava todo mundo no Parque Halfeld. Era uma manifestação grande, a maior que tinha tido em Juiz de Fora, e o prefeito e o Rainho tavam lá na prefeitura e brincam até que eles tinham chamado a polícia de São João del Rey com a cavalaria e com os cachorros, os cães eram bem treinados para o ataque, e a gente nunca tinha visto uma manifestação daquela com gás lacrimogêneo, com cachorro e com a cavalaria. Eles tinham ficado atrás da Igreja São Sebastião e nós ficamos ali no Parque Halfeld. A prefeitura tinha instalado um ponto de ônibus de azulejo ali, em frente à banca do Fiúza, em frente ao Parque Halfeld. E debaixo do ponto o… sentou no chão e estava tendo uma manifestação e era muita gente. Dizem que o Rainho ficou com medo… (áudio cortado) A revista D’Lira, com os principais escritores do Brasil colaboravam. Os daqui de Juiz de Fora que viraram grandes escritores, Edmilson de Almeida Pereira, Freitas, Fernando Fiorese, José Santos, o Luis Ruffato, os ilustradores, o Arlindo, o Jorge Arbach, os principais fotógrafos, o Humberto Nicoline, Dudu Arbex. A lista tinha um peso muito grande, também durou três números, e aí fechou por motivos internos, né? O José Santos e o Walter Sebastião pediram um texto de poesia contemporânea para o pessoal de São Paulo e nós… qualidade muito grande. E nós não gostamos. O pessoal do outro lado não gostou do material. Na verdade, tinha um certo ranço da gente com a poesia visual, e a gente não gostou da qualidade do material, e os caras tinham muito nome e ficou aquele embate, publica, não publica, publica, não publica. E fomos fechar a revista para evitar que a gente rachasse o grupo. Eram os irmãos Campos que tinham feito a poesia, que eram considerados os papas da poesia visual no Brasil. Mas isso faz parte do processo.
Danilo: Falando nisso, um pouco mais específico, dentro do ambiente da redação mesmo do jornal, qual momento que você realmente sentiu o peso da censura?
Jorge: Da ditadura? Eu tava no jornal Movimento, eu era da sucursal do Movimento em Minas e era tipo um representante do Movimento…
Fernanda: Mas o Movimento era um jornal alternativo, no jornal comercial, como foi a sua atuação nos jornais comerciais?
Jorge: Era isso, em um dos maiores jornais da época, o Maurício Delgado, que hoje é juiz do TST, o Inácio Delgado e eu éramos que representavam o jornal aqui em Juiz de Fora.
Fernanda: O jornal Movimento?
Jorge: O jornal Movimento.
Fernanda: Agora a gente quer saber do jornal comercial. Como você entrou para trabalhar em um jornal? Em que ano?
Jorge: 1981. Eu saí da universidade, o jornal tava começando, o Ivanir Yasbeck tinha vindo para cá e o Ivanir era um dos editores junto com o…
Fernanda: De que jornal?
Jorge: Da Tribuna de Minas, junto com o Eloísio Furtado, e o Cacá falou comigo, Cacá Guilhermino, “O jornal está contratando e eles vão precisar de algumas pessoas e tem vaga para diagramador. Por que você não topa? Você já faz”. Eu produzia todos os shows, basicamente, daquela época. Eu tinha uma firma que a gente produzia todos os shows, Gonzaguinha, Gonzagão, Alceu Valença, Egberto, Gilberto Gil, fizemos quase todos os shows da cidade. E eu fazia o programa dos shows. Naquela época, show tinha programa, com texto, com foto. E aí, eu juntei o material que eu produzi, mais Brazil, mais poemas, mais folhetos… e levei lá na Academia, lá onde o Ivanir estava, botei na mesa dele. Ele conhecia minha família, ele tinha feito o Jornal Sete com um dos meus primos. Aí ele falou comigo “Pô, mas você já fez isso tudo aqui?”, eu falei “É”, “Você quer vir para o jornal?”, falei “Quero, mas eu ainda estou na universidade”, ele falou “Não, isso aí não vai ter problema, a gente acerta os horários”, eu falei “Eu já estou com o curso… já chegou no limite para mim”. Por causa de mudança de currículo, nós tivemos uma briga muito grande no D.A. com a direção da faculdade e nós perdemos por um voto, que era o voto do estudante, por incrível que pareça. E aí, a mudança no currículo alterava muito para quem já estava fazendo o curso. E aí, eu fiz um curso básico de diagramação, fui contratado em agosto para o jornal, em 1981, e aí já virei um dos chefes de diagramação de uma área. A Beth Talha era a principal e eu era logo depois dela. E aí o jornal pediu meu registro de diagramador. E aí, com a prova do material todo que eu tinha e o tempo, eu já tinha mais de cinco anos trabalhando, eu consegui o registro como diagramador. Logo depois o jornal pediu meu registro como colaborador para que eu pudesse escrever também no jornal. Aí eu fui fazer com a Cátia Dias o caderno dois. Mas, nessa época, basicamente, já não tinha mais pressão. O jornal já tinha a liberdade, o jornal já tinha… O período que eu peguei em termos de repressão foi o período no movimento estudantil…
Danilo: Então, você não teve nenhum colega de trabalho preso, no caso?
Jorge: É, esse processo que o Renato contou para vocês, que até parece que errou no foco, foi um professor de Ouro Preto que forjaram materiais de bomba debaixo da cama dele. Ele era ligado a… estava sendo criada a UT, União dos Trabalhadores, que estava sendo criada, ele era um professor de Ouro Preto, Davi, e eles prenderam ele e acusaram ele de estar fabricando bomba. Foi tudo forjado. Ele era ligado ao grupo que hoje seria o trabalho, liberdade de luta… e o grupo ligado à liberdade de luta em Juiz de Fora foi lá na penitenciária fazer uma visita. Eles viram as condições que ele estava, e ele relatou tudo que tinha acontecido e o grupo resolveu fazer um manifesto pedindo a libertação dele e denunciando a farsa da prisão dele. Nessa época, você falar em farsa, contra a ditadura, era barra pesada. Porque eles criaram uma estrutura para tentar ponderar as pessoas que eles queriam pegar. E aí teve uma reunião no DCE, onde estavam alguns D.A.s, onde estavam algumas entidades, estavam alguns jornais e foi feito uma nota e essa nota foi publicada no jornal e distribuída. O Simeão de Faria, que era o promotor militar, pegou a nota, pegou a relação de quem assinava a nota, as entidades, e resolveu processar as pessoas pela lei de segurança nacional, porque a nota falava que tinha sido uma farsa a prisão do Davi. Bom, as duas, a menina que tinha feito a nota pelo grupo foi chamada, depois foram sendo chamados, um a um, os que representavam as entidades e todo mundo que estava na reunião. E o advogado era o Nelson Vilaverde e ele deu uma orientação de que as pessoas podiam ir lá na polícia fazer o depoimento, quanto mais gente fosse, melhor, porque ia mostrar que foi uma reunião ampla, não teve nada demais, pelo contrário. O Simeão falou que era tipo formação de quadrilha, de que era grupo organizado contra a ditadura e processou dezoito. Processou tanto quem estava na reunião, quanto os jornalistas, os três que o Renato citou, o Renato, o Marim, o editor-geral, e a Malu. E a gente começou a ver que o processo ia ser difícil, porque eles… dezoito, o Winston Jones Paiva fez parte da defesa e o Cacá foi ouvir, Cacá Guilhermino foi ouvir, conversando no grupo e resolvemos contratar para defender o grupo o Heleno Fragoso, que era um dos mais importantes advogados de preso político no Brasil na época. Cacá chegou com o Heleno, foi feita uma reunião com ele em um hotel, no restaurante, no Brasão, e ele perguntou quem era o promotor. Quando a gente falou quem era ele “Ah, então vamos ganhar, porque ele vai falar tanta besteira, tanta bobagem que vai ser fácil contestar esse monte de bobagem, esse monte de gente”. E aí, no outro dia, teve o julgamento. O julgamento durou o dia todo e a acusação era tão impertinente, era tão inepta, que o próprio conselho do julgamento, ao se reunir, o Simeão foi afastado, não veio para a sentença. E o promotor que veio no lugar dele, um promotor mais novo, que estava começando, pediu a absolvição. Então, foram todos absolvidos. Foi a maior vitória que o movimento teve, mas todo mundo correu muito risco. Todos os dezoito que foram condenados correram muito risco. Ali, para mim, foi um dos enfrentamentos da ditadura que eu vi, foi talvez o mais emblemático, o mais difícil e o mais contundente. Depois teve uma outra ação muito forte da repressão, com 21 de abril, que o movimento pela anistia resolveu fazer um cartaz com o rosto de Tiradentes escrito assim “Terrorista é a ditadura”. Bom, a ditadura acusava a esquerda de ser terrorista. Se a esquerda fala que a ditadura é terrorista, era um confronto que a ditadura não permitia. Esse cartaz foi espalhado. A maioria das lojas não queria colocar o cartaz, ônibus não queria colocar, com medo. E a Miriam Delgado e a Sandra Checker foram pixar, com várias pessoas, cada uma ia pixar em um lugar “Terrorista é a ditadura”. Isso na véspera do 21 de abril.
Fernanda: De que ano?
Jorge: Depois eu te falo o ano, não vou lembrar agora.
Fernanda: Mas um período aproximado, se era…
Jorge: Final dos anos 1970, quando foi criado um comitê para a anistia em Juiz de Fora. Aí a polícia chegou, o DOPS e a Polícia Militar e prenderam as duas. Elas chegaram a pixar “Terrorista é a di-”, e eles prenderam. E aí é da Lei de Segurança Nacional. Aí era bravo, ainda mais que elas iam colocar o cartaz e tal. Que que aconteceu? O Almir de Oliveira era um dos editorialistas do jornal, escrevia artigos e ele era muito conservador e era muito duro nos artigos dele. O Almir fez um artigo muito duro pedindo a prisão das duas e Lei de Segurança Nacional, condenação, e falando que o Tiradentes nunca tinha sido terrorista, pelo contrário.
Fernanda: Em que jornal?
Jorge: No Diário Mercantil. Aí o Paulinho Delgado, que era marido da Miriam, fez um artigo contestando aquilo tudo, os pontos que o Almir colocou, e pedindo a liberdade da Mirinha e levou no jornal. Chegou lá, o Wilson Cid, que era o editor, falou que não ia publicar artigo contra o Almir de Oliveira. Porque também tinha isso, o jornal publicava o que queria, e com a ideologia que queria, não tinha essa liberdade democrática de você contestar o que o jornal falava, o jornal era absoluto. Aí o Paulinho, eu estava com ele, jogou o texto na mesa do Wilson e mandou o Wilson fazer o que queria com o texto. E eles não publicaram. Aí teve que contratar advogado, teve que fazer defesa, teve que tirar as duas. Eu lembro que o movimento, nós criamos o movimento pela anistia e o movimento funcionava na casa do Henrique Delvaux, que era um coronel aposentado do exército, na Rio Branco. E quem dava o aval para as reuniões acontecerem e para ninguém ser preso era a Dona Maria do Céu, que era uma professora, uma das pessoas mais respeitadas de Juiz de Fora e ninguém encostava nela. Muito ligada à igreja, uma liderança da igreja, e ela dava uma certa cobertura para que a gente fizesse as reuniões da anistia. As reuniões eram todas vigiadas, a entrada, a saída, quem entrava, quem saía. Naquela época anistia era uma coisa muito complicada. Ainda é, até hoje é discutida a anistia no Brasil. Mas a gente fez, criou movimentos importantes para a Constituinte, para a anistia, para a redemocratização, para a eleição direta, e isso…
Fernanda: Mas como foi a cobertura dos jornais sobre esses fatos que você está contando?
Jorge: O jornal publicava, o problema era que publicava sempre, às vezes, um lado das coisas. O Mercantil era muito conservador, o Diário da Tarde já tinha um pessoal mais novo na redação e era um jornal mais aberto, um jornal que acho que tinha inclusive mais trânsito. Por exemplo, todas as… do DCE, todas as multas do DCE, as greves eram cobertas pelos dois, mais pelo da Tarde…
Danilo: Isso no período de abertura?
Jorge: No início da abertura, muito ainda, ainda era fechadura, né. Ainda não tinha aberto. De 1981 para cá é que a gente sentiu um processo mais leve. Quer dizer, eu nunca vi em um jornal censura. Nunca tive, na Tribuna de Minas nunca. Nunca tive nenhum veto a uma matéria, uma censura política. Quer dizer, já era mais fácil trabalhar.
Fernanda: Você falou da sua atuação no movimento estudantil. Fora isso você chegou a participar de algum movimento de esquerda na década de 1970?
Jorge: Não, o movimento estudantil depois, mesmo sendo através do movimento estudantil, DCE e do D.A., nós ajudamos a criar o Comitê de Anistia, depois o Comitê de Cidadania, o Comitê Contra a Fome, do Betinho, mais tarde, e a luta pela Constituinte. O mais importante foi o movimento pela anistia.
Danilo: E os jornais cobriam esses movimentos?
Jorge: Cobriam, cobriam. O Mercantil mais conservador, o Diário da Tarde mais aberto, aí já cobriram. As principais manchetes do Diário da Tarde durante esse período foram as greves, as manifestações, né.
Fernanda: E durante o movimento estudantil os D.A.s, os DCEs, a representação estudantil tinha conhecimento das prisões e do que acontecia com esses presos do movimento estudantil, com os professores da universidade, e etc?
Jorge: Tudo, acompanhava. Normalmente poucos, o Ivan Barbosa, o Paulinho Delgado tinham mais contato com quem estava preso em Linhares, chegavam a fazer algumas visitas. Eu cheguei a ir até à porta, mas não entrei. A gente acompanhava o que estava acontecendo. DCE tinha um dirigente em relação a isso, para saber se estava tendo alguma coisa, alguma violência…
Fernanda: E a imprensa contava isso?
Jorge: Muito pouco. Contou essa questão do Davi que estava preso aqui e deu-se no que deu. Esse processo era muito complicado. A gente tem que entender que a ditadura, o Mercantil tem um livrinho de capa vermelha que o Irven Cavalieri anotava todas as censuras que a Polícia Federal fazia, ligava para lá e um coronel da PM ligava, do exército, aliás, ligava e falava “Está proibido falar nesse assunto”. E ele anotava que estava proibido falar nesse assunto e deixava o livrinho lá para todo mundo ver, não era nem falado. Era não falar do assunto. Esse livro hoje está com o… depois que o Mercantil fechou, o livro ficou com o Ismair Zaghetto. Um documento dos mais importantes do dia-a-dia da censura no Mercantil e no Diário da Tarde, mas no período de até 1980. O período mais duro da imprensa foi até 1980, e para o DCE e os D.A.s.
Danilo: A gente queria agradecer a sua presença.
Jorge: Obrigado.
Fernanda: Queria agradecer a contribuição e o depoimento para a Comissão.