Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora
Depoimento de Luiz Antônio (Sansão)
Entrevistado por: Comitê pela Memória, Verdade e Justiça Juiz de Fora
Transcrito por: Juliana Aparecida da Silva
Revisão Final: Ramsés Albertoni (26/03/2017)
Luiz Antônio: Eu tive uma primeira, vamos dizer assim, uma primeira prisão em 1970 quando ainda na faculdade de Ciências Sociais, de Juiz de Fora, eu fui atrás do professor Raul para que… é… nos ajudasse numa matéria, não era exatamente ao golpe, sobre… é… o movimento estudantil e eu estava na época no DCE da UFJF, direção do DCE da universidade, era vice-presidente e estávamos com um, na época, se eu não me engano, com alguma coisa relacionada à pesquisa. O professor Raul era professor de pesquisa na época. Bom, então eu estava lá conversando com o professor Raul, domingo, em torno de 11 horas da manhã, e chega a repressão e nós fomos presos ali naquele momento. Naquele dia eu fui liberado no final da noite, em torno de meia-noite, mas, é… me pegaram, é… e eu fiquei por conta deles até meia-noite, mais ou menos, daquele dia, depois me liberaram porque não teve nenhuma referência a mim em nenhuma situação. Bom, o professor, aí já havia sofrendo com a repressão, né. Daquela data em diante as coisas foram piorando no país, ou seja, a repressão foi se acirrando e os anos também foram ficando mais acirrados, ou seja, a reação também começou a ficar mais acirrada. Eu já militava naquela altura, numa organização clandestina de esquerda, né, mas é o mote, todo maior, era contra a ditadura ali naquele momento, né. Todos nós éramos movidos por ideologias até diferentes, mas uma era comum, éramos todos libertários. Todos contra a ditadura. Isso trouxe, obviamente, problemas porque eles queriam se manter no poder. É claro que com isso a gente, do movimento estudantil, começou a ser muito perseguido. Várias vezes nós tivemos que fazer depoimentos até na própria Polícia Federal. A Polícia Federal funcionava na época no prédio do DCE na… né, e então era uma questão de descer o andar, eles estavam sempre lá com a gente, sempre levando a gente pra depor, era um negócio muito constante, a gente sofria pressão o tempo todo dentro do DCE. No final de 1971 é que a coisa ficou complicada, no governo Médici, né, e a repressão novamente era muito violenta, nós tivemos, então, a prisão, em dezembro, de 1971. Em dezembro me pegaram na minha casa, mais ou menos uns dez homens, dois, três carros, não sei… e pararam, invadiram a casa, jogaram a casa dos meus pais no chão, gaveta, tudo, era uma coisa horrorosa e sem dar explicação, meus pais apavorados. E isso foi em torno de 6h da tarde, 6h30, 7h da noite. E lá pelas 10h da noite me levaram, me levaram e eu fiz o primeiro depoimento no QG em Juiz de Fora, e dali eles me mandaram para o DOI-CODI, em Belo Horizonte, onde eu fiquei um período sumido, minha família não conseguiu me localizar. Foram conseguir me localizar no final de dezembro, ou seja, quase um mês depois, né. Bom, coisas marcantes disso tudo, são muitas, né, torturas muitas, né. Choques elétricos, pancadaria, é um fato, assim, extremamente marcante. Numa noite, em torno de 6h da tarde, eu morava antes, numa república em Belo Horizonte, e essa república era toda é… de gente, né… e todos nós éramos militantes da mesma organização clandestina, muito bem, é… me põem dentro de um fusca com a arma apontada na cabeça dizendo que se entrasse alguém da república e eu não identificasse como membro da república, eles me matariam. Então, você fica numa situação muito complicada que você fica rezando para não chegar lá, porque se chegar você vai escolher entre eu e você. Isso é uma escolha muito difícil, né, principalmente quando se tem vinte e um anos de idade, né, e as coisas estão ainda muito confusas depois de vários dias de prisão e pancada, né, muito bem. Foi o momento mais difícil, mais complicado porque você fica realmente entre a cruz e a caldeirinha, como assim diz, né. Bom, o que eu poderia dizer mais sobre a minha prisão agora, claro que depois disso eu continuei, depois de ir para, depois de sair do DOI-CODI, de um processo daqui de Juiz de Fora, eu fui para Linhares, fiquei um período em Linhares, é… fiquei um período em prisão domiciliar, um período, eu não podia arredar o pé. É… quase todos os dias a repressão ia na minha casa para verificar se eu estava em casa, pressionando minha família, era uma coisa assim. Em consequência da minha prisão eu fiquei dois anos sem conseguir estudar, trabalhar, ou fazer qualquer outra coisa. Só retornei aos estudos dois anos depois e ao trabalho.
Comitê: Nessas suas idas à justiça, tinha alguma pergunta específica, forçava você a confessar alguma coisa, como se você fosse criminoso ou soubesse de alguma coisa no sentido de incriminar alguém, ou não?
Luiz Antônio: O tempo todo, o tempo todo. Nas prisões sucessivas, ou seja, nas prisões que vieram depois, a gente era chamado a depor porque sabiam que a gente se relacionava com as pessoas que foram presas depois da gente. Então, era aquele negócio de pegar você, por exemplo, na prisão do Torres eu fui chamado para depor, porque me pressionaram entendeu. Por quê? Para dizer quem é Torres, ele é um comunista, ele é o quê, entendeu?
Comitê: Então, no geral, eles diziam pra você, a todo o momento, forçando você confessar que era comunista?
Luiz Antônio: Bom, o tempo todo eles diziam “Quem é?”. Então, a pressão existia toda vez que você ia depor, e até nos processos juntos. Como foi no caso, no meu caso do Torres. Porque eu frequentava muito a casa do Torres, nós éramos muito amigos, entendeu. E, obviamente, isso supunha que eu soubesse de alguma coisa, uma vez que eu havia… Questão de lógica também, né.
Comitê: As perguntas, Luiz Antônio, conforme nós vimos em alguns processos, induziam a um tipo de resposta. Tipo, a gente viu que aos sindicalistas eles perguntavam aos cidadãos se conhecia o sindicalista pelego comunista e citava o nome (risos). Já era induzido a dizer, ou seja, qualquer opinião que desse a respeito do cidadão, você já o tinha taxado de sindicalista, pelego e comunista. Então, funcionou com todos. Aqui foi uma norma geral, um comportamento geral de quem fez os inquéritos.
Luiz Antônio: Exatamente, sim. Os inquéritos eles eram todos psicológicos. Eles eram muito bem ordenados, tá.
Comitê: Você conheceu muita gente perseguida, presa e torturada?
Luiz Antônio: Conheci, inclusive em Linhares, né, o que tinha, que ficava lá, só de presos políticos, não tinha outro presidiário, só de presos políticos de várias partes do país.
Comitê: Qual é a importância pra você, hoje, de abrir esses documentos secretos?
Luiz Antônio: Vou começar respondendo por hoje. Hoje, eu acho que todo um processo tem de ser aberto. Vou dizer o seguinte, hoje você tem questões complicadas no Ministério dos Transportes, né, se as coisas tivessem sido feitas à luz do dia, se não houvesse um cambalacho, você teria coisa é… aberta. A tentativa de esconder é que existem coisas erradas. Então, se a gente tivesse com abertura no processo todo na história você não teria chegado aonde chegou. Então, eu acho a abertura fundamental não só dos elementos lá de trás, mas do hoje também da atualidade, das coisas que estão acontecendo agora da história, né.
Comitê: Você vê como é relevante, então, a aprovação da Comissão da Verdade no Congresso Nacional?
Luiz Antônio: Eu acho fundamental. Olha, uma coisa interessante, a Folha de São Paulo publicou e eu não guardei isso, depois eu procurei e não achei. Em determinadas escolas da instituição militar, os livros de história não contam a história contada pelo MEC, contam a história deles, que a Revolução de 64 veio para tirar, quer dizer, para acabar com a possibilidade, nos termos usados, vamos ver, é… para impedir comunismo, de um país comunista, para acabar com a corrupção e etc. Ora… né, para restaurar a democracia, né, para garantir, coisas do gênero.
Comitê: Então, no seu conceito, a história é contada apenas de um lado só, só do lado dos torturadores. Os torturados não tiveram o direito de escrever sua história?
Luiz Antônio: Veja bem, não. Não acho que seja bem assim não. Eu acho que a batalha que nós tivemos o tempo todo ela veio garantir que a história seja contada. A impressa exerceu um papel preciosíssimo nessa história toda. Aquilo que nós não tivemos em vários governos, a imprensa vem fazendo agora de forma competente, às vezes de forma partidária, isso é outra história. Às vezes de forma partidária, né, mas as denúncias que nós tivemos nesses últimos tempos e que levaram à abertura, por exemplo, vamos pegar um caso agora, a história lá do BNDES financiando a compra do Carrefour ou Pão de Açúcar, e a imprensa bateu em cima e com isso ela conseguiu brecar a coisa, não vai sair muito provavelmente, porque houve a possibilidade, a imprensa pode falar, às vezes erradamente, mas provocando uma discussão, porque toda abertura em sua forma é…
Comitê: Por acaso, você se lembra de um fato marcante que possa nos levar a identificar um dos torturadores que te agrediu?
Luiz Antônio: Olha, eu me lembro de um fato que foi quando eu cheguei para o depoimento em Belo Horizonte, no DOI-CODI. É… inicia-se o depoimento e a gente alegando os fatos, alegando os fatos que eles atribuíam, e o conhecimento dos fatos, e eles começam as torturas, e um homem alto, forte, corpulento, chamado capitão Quartela me pegou pelo colarinho e me tampou contra a parede. É… um negócio assim, eu era uma figura franzina, e aquele homem enorme me pega pelo colarinho e me tampa contra a parede e eu desci assim, escorregando pela parede. E esse, de fato, foi muito marcante.