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Winston Jones Paiva

Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora

Depoimento de Winston Jones Paiva

Entrevistado por Helena da Motta Salles e Cristina Guerra

Juiz de Fora, 26 de agosto de 2014

Entrevista 012

Transcrito por: Marcelo Riceputi Alcântara

Revisão Final: Ramsés Albertoni (09/10/2016)

 

Helena Salles: Winston, nós gostaríamos… você tem uma vasta experiência em defesa de presos políticos, nós gostaríamos que você relatasse os casos que mais te marcaram do ponto de vista da violação dos direitos humanos, principalmente, se possível, nos casos relacionados a Juiz de Fora, porque nosso âmbito de atuação é Juiz de Fora.

Winston Paiva: Eu acho que Juiz de Fora foi muito importante para o golpe militar, porque daqui partiram os soldados que foram para o Rio de Janeiro, improvisadamente e impetuosamente, em virtude do Olímpio Mourão Filho, que era um general muito impetuoso, e ele então resolveu fazer uma revolução por conta própria, porque não tinha ainda nenhum preparo para isso. Então, Juiz de Fora foi importante porque foi o passo inicial para esse período negro da história brasileira. É importante também Juiz de Fora porque é a sede da 4a Região Militar que tinha uma competência territorial muito grande: Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, parte de São Paulo, Espírito Santo. Então, isso tudo era de competência da justiça militar de Juiz de Fora. Então, por esse motivo, nossa cidade teve essa péssima situação de ser importante para o golpe militar, porque daqui partiu e aqui muita gente foi julgada. Então, é um período difícil porque os nossos direitos foram sendo cassados à medida que o governo foi adquirindo força, quer dizer, o estamento militar foi criando força, então eles foram também caçando nossos direitos. Através de tortura, através de ameaças, através de prisões indevidas, através do Ato Institucional nº 5, que cassou o habeas corpus, que é o nosso único direito de ir e vir que você tem. Isso tudo foi um somatório a tal ponto que chegou em momentos que nós não tínhamos condições nem de conversar um com o outro com medo de algum problema. Eu, por exemplo, quando fui preso… eu fiquei preso pouco tempo, eu fui preso por um grupo paramilitar, nem foi militar, foi paramilitar, eles chegaram em um jipe, pessoas do povo que estavam fazendo aquelas milícias, e me levaram preso, e eles quiseram saber que livros eu tinha dentro de casa, e eu tinha vários livros que poderiam ser considerados como subversivos, do Werneck, “O capital”, vários livros que eu tive de enterrar! Por incrível que pareça, eu enterrei esses livros pra evitar problema. Porque eu era advogado e advogava para os perseguidos políticos, então, eu tinha de tomar muito cuidado porque senão eu perderia a possibilidade de ajudar, porque se você entra também a ser subversivo também, então não adianta, como aconteceram com vários advogados sindicalistas que de advogados se transformaram em réus. Vários de Belo Horizonte aconteceu isso.

Helena Salles: Essa sua prisão foi em que ano?

Winston Paiva: Foi logo no início, no início.

Helena Salles: Logo depois do golpe?

Winston Paiva: É, uns dez dias depois do golpe, eu não me lembro…

Cristina Guerra: Você estava recém-formado?

Winston Paiva: Estava recém-formado, porque eu formei em 1965. Não, eu estava estudando ainda, né?! Porque formei em 1965. Eu era o presidente do DCE e talvez seja esse o motivo pelo qual eu fui levado preso, mas por esse pouco tempo. Mas, isso não quer dizer que eu não fiquei sendo acompanhado, eu fiquei sendo acompanhado constantemente, telefone grampeado e gente tomando conta. Eles tinham um carro muito interessante, era um carro Karmanguia amarelo. Eu morava em um sítio e ele ficava parado na estrada, lá embaixo. Era um carro amarelo, quer dizer, tipo da coisa de FBI (risos). Então, mas o que eu queria dizer é o seguinte, com essa exacerbação da política repressora, nós fomos aos poucos tendo um direito cerceado de uma forma absoluta, né? E para vocês terem uma ideia, nós tivemos uma sucessão de leis de segurança nacional. O primeiro decreto foi o Decreto 38 de 1935, então ele vigorou de 1935 a 1951, quando nós tivemos a Lei 1.802. Essa Lei 1.802, a competência era da justiça comum, não era da justiça militar ainda, e eles então em 1967, fizeram o Decreto 314 e, logo em seguida, o 510, e criaram a competência de julgamento para a justiça militar; então, aí que eles tomaram a rédea da situação, porque antes era a justiça comum e, para vocês terem uma ideia, as coisas foram ampliando de tal forma que até vender batata fora do preço virou crime contra a segurança nacional. Nós tivemos um decreto, o 898, que é um decreto violentíssimo, com 123 artigos, então, um decreto extremamente violento, pena de morte, pena de prisão perpétua, penas altíssimas, então, um decreto de uma extrema violência e vigorou por dez anos, de 1968 a 1978. E tinha um artigo lá interessante, porque você sabe que os bancos mandam na vida da gente, infelizmente, e naquela época mandavam também, então eles fizeram o art. 27 que dizia que seria crime contra a segurança nacional qualquer crime contra a instituição financeira, fosse qual fosse a motivação, então, vocês veem como é que amplia a tipicidade de uma norma que é, obviamente, totalmente inconstitucional, porque ela não tem limite, seja qual for a motivação, então, um subversivo que queira roubar um banco ou uma pessoa comum, um fazendeiro comum, é a mesma coisa, quer dizer, uma equiparação de atitudes completamente diferentes, de vocações completamente diferentes. E esse artigo tinha três modalidades criminosas, era assaltar, que tecnicamente não representa nada em termos penais, roubar e depredar. Muitas vezes o réu praticava furto, mesmo com violência à coisa, mas era furto, então, nós conseguíamos tirar muita gente desse artigo porque o furto não se enquadra, não é assalto, nem roubo, nem depredação. Então, o que eu acho é o seguinte, com relação aos meus clientes, alguns foram torturados, eu tive um incidente com uma cliente minha, chamada Loreta Kiefer Valadares, eu consegui a liberdade dela por excesso de prazo, ela foi liberada e eu coloquei ela em um ônibus, direto de Belo Horizonte-Rio de Janeiro. De repente, tocou o telefone, fui atender, era ela, desesperada, “Mas que é que aconteceu?”. Ela pegou o ônibus, sentou, quando ela sentou, ao lado dela, estava a pessoa que havia quebrado o tornozelo do marido dela. O torturador sentado no mesmo ônibus, no mesmo banco que ela. Ela perguntou “Que é que eu faço?”, “Você tem dinheiro? Então deixa o ônibus ir embora. Você pega outro ônibus”. Então, pra vocês terem uma ideia que a tortura é uma coisa que ninguém pode dizer que não existiu. Eu vi casos de tortura, muitas vezes não tortura física, mas tortura psicológica, que às vezes é até pior do que a tortura física, como o caso do Avelino Coque Torres que foi encapuzado, colocado nu em um lugar refrigerado e ameaçando levar a família dele para Ilha Grande. Então, essas ameaças assim aconteceram muito, e eu posso dar esses dois exemplos pra vocês entenderem que, de fato, houve tortura. Ninguém pode negar que houve tortura.

Cristina Guerra: Você teria algum lugar de tortura aqui em Juiz de Fora para falar?

Winston Paiva: Me parece, eu não tenho certeza, mas me parece que o Avelino foi para o QG, Quartel General. Aqui eram três lugares, o QG, era o 10° BI, 10ª Brigada de Infantaria e a Penitenciária Edson Cavalieri.

Cristina Guerra: Ali também tinha tortura?

Winston Paiva: Não, Edson Cavalieri, não. Eles eram separados, né? Ficavam em pavilhões separados dos criminosos comuns, mas lá não aconteceu tortura.

Cristina Guerra: Aqui no Linhares, não?

Winston Paiva: No Linhares, não. Porque inclusive não tinha administração militar lá. A administração era do estado. Então eles estavam, quer dizer, a penitenciária foi emprestada, né? Para “guardar” os perseguidos políticos, né? Porque, na verdade, é uma penitenciária comum, ela não foi feita pra isso, ela foi adaptada pra isso.

Cristina Guerra: Eles tinham, assim, uma técnica de rodar o preso e jogar o preso em várias auditorias. Você defendeu só na auditoria de Juiz de Fora ou em alguma outra?

Winston Paiva: Não, só em Juiz de Fora.

Cristina Guerra: Mas tinha algum cliente seu que também estava sendo julgado em outras auditorias?

Winston Paiva: Não, só… Não, o João Carlos Reis Horta, ele foi julgado aqui em Juiz de Fora e no Rio de Janeiro. Mas no Rio de Janeiro ele foi defendido pelo Modesto.

Helena Salles: Modesto da Silveira, né?

Winston Paiva: Modesto da Silveira. Eu defendi aqui, na Sagarana, e a Sagarana é interessante, foi um dos últimos habeas horpus dados pelo STF, porque esse processo foi julgado inicialmente pelo doutor Antônio Arruda Marques, que foi excelente auditor, foi inclusive cassado, né? Mas era excelente, ele não se dobrava, é uma pessoa de personalidade muito grande, admirável pessoa, e ele, quando chegou o processo, eu fiz a defesa preliminar e ele não recebeu a denúncia. O promotor, que era o doutor Gilson, recorreu para o STM, e eu tenho esse processo, é todo ele manual, interessantíssimo, tem muita coisa…

Cristina Guerra: Gilson, o senhor lembra o nome, Gilson…?

Winston Paiva: Ah, não lembro… não lembro.

Cristina Guerra: Porque tinha um outro promotor em Juiz de Fora.

Winston Paiva: O Simeão de Faria.

Cristina Guerra: O senhor o conheceu também?

Winston Paiva: Também, mas nesse caso aí quem atuou foi o Gilson, porque ele era substituto do Simeão. O Simeão devia estar de férias, qualquer coisa assim. Então, ele rejeitou a denúncia, e o promotor recorreu e o STM mandou receber a denúncia. Eu, então, entrei com um habeas corpus no STF e lá o processo foi trancado.

Helena Salles: No caso da Sagarana, né?

Winston Paiva: Sagarana, da Livraria Sagarana. Entendeu? Era o Roberto Rezende, João Carlos Reis Horta e o Marco Antônio Pontes. Eles eram os três que estavam sendo processados.

Cristina Guerra: E o que o senhor pode dizer da atuação do Simeão de Faria, o senhor se recorda?

Winston Paiva: Ele era difícil, ele era uma pessoa muito difícil. Ele era uma pessoa… chega a ser maliciosa. Por exemplo, no julgamento da Corrente, foi um julgamento muito grande, eram 117 pessoas. Essa Corrente teve esse nome porque o cidadão que chamava Chuchu, o apelido dele era Chuchu, eu não lembro o nome dele… Zancanela, uma coisa assim… Ele comparecia a várias cidades, Juiz de Fora, Barbacena, Ouro Preto, Congonhas, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, ele vinha e entrava em contato com determinadas pessoas e depois dizia que essas pessoas faziam parte dessa Corrente. Depois eles descobriram que ele era o elemento infiltrado pela Revolução, ele era um elemento infiltrado, como o Cabo Anselmo, também era um elemento infiltrado. Então, essa Corrente, que foram cento e tantas pessoas, foram julgadas e foram todas absolvidas, porque ninguém se conhecia, era uma associação de que ninguém se conhecia, às vezes nem na mesma cidade se conheciam, como é que você pode se associar a uma pessoa que você nem sabe quem é, nem que atividade que você fez, então, foi apenas uma limpeza que eles fizeram, cento e tantas pessoas foram excluídas, passaram a ser processadas, então, foi uma forma de limpar a área, eles utilizaram esse cidadão. Agora, dos processos que eu atuei, o que eu acho mais importante é o processo dos dezoito, processo dos intelectuais, processo da Colina, processo da Corrente, né? são processos marcantes, né?

Helena Salles: E nesses casos houve, assim, essas situações de violação de direitos?

Winston Paiva: Muito. No caso da Colina, então, porque aconteceu o seguinte, houve uma diligência mal conduzida, foi pelas duas ou três horas da manhã, eles invadiram um aparelho, que eles chamavam de aparelho, invadiram, rodearam e invadiram um aparelho. Só que eles tinham uma metralhadora dentro do aparelho e dois policiais foram mortos. Foram metralhados… por alguém que estava dentro da casa. Ninguém até hoje sabe quem foi porque dois brigaram para ser ele, entendeu? (risos). Dois deles, de tão doidos, que eles brigaram pra dizer que eram eles os autores dos disparos e até hoje ninguém sabe se era um ou se era o outro. Mas então, em virtude disso, foram violentamente torturados. E no dia de uma das audiências, que foram conduzidas por um juiz auditor que chamava “Jacaré’, o apelido dele era ‘Jacaré”, muito fraco, muito velho já, muito sem comando, e o pessoal tirava camisa, mostrava as marcas da tortura, e foi uma coisa assim, um julgamento muito tumultuado. E esse pessoal, a maioria deles foi trocado com o embaixador, eles não chegaram a ser julgados: Angelo Pezzuti, Mauricio Paiva, o irmão dele, Murilo, Maria José. Esses todos foram trocados pelo embaixador.

Cristina Guerra: Tinha um casal de Bicas nesse julgamento?

Winston Paiva: Muriaé, acho que é Muriaé. É Maria José. E um outro que eu não sei quem é. Inclusive, Maria José foi defendida pelo Heleno Fragoso. Não chegou a ser dividida, porque ela também foi trocada pelo embaixador, então, ela também não chegou a ser julgada.

Cristina Guerra: E esses estavam aqui, na Penitenciária de Linhares?

Winston Paiva: Estavam aqui na Penitenciária. Então esse é Colina, né?

Helena Salles: Que era o grupo da Dilma, pelo menos o original, da presidente Dilma.

Winston Paiva: Pois é, mas eu não… quer dizer, eu não defendi, eu não atuei em nenhum processo que a Dilma… e mesmo Pimentel… desse julgamento eu não participei. Mas é da Colina, eles eram da Colina.

Helena Salles: Depois é que ela mudou de organização, acho que VPR, né?

Winston Paiva: VPR, né, VAR-Palmares.

Helena Salles: E que outra situação assim que você se recorda. Do grupo dos dezoito que você mencionou… Que julgamento foi esse?

Winston Paiva: Exatamente, foram dezoito réus, os que me lembro eram Sansão, Paulo Delgado, Miriam Delgado, é… eu não me lembro assim… eram muitos, defendi muitos. Ali eu defendi 15, o Heleno Fragoso defendeu três: o Bonfatti, Itamar Bonfatti, o Paulo Delgado e a Miriam Delgado. Eu fiz a parte de instrução e ele fez a parte de julgamento. E eu defendi os outros 15, entendeu?

Helena Salles: E nesse caso também…

Winston Paiva: Foram todos absolvidos.

Helena Salles: E foram torturados, também, esses…

Winston Paiva: Não, eu acho que… nunca me reclamaram. Eu não sei se, pode ter sido alguma pressão psicológica, né? Porque como é que os inquéritos eram realizados? A lei exigia pelo menos a participação de duas testemunhas, qualquer processo tinha que ter pelo menos duas testemunhas. Agora, ninguém pratica ato de subversão publicamente (risos). Evidentemente que é clandestinamente, então, não tem testemunha. O que eles faziam? Eles iam ouvindo as pessoas, iam montando as histórias junto com pessoas, com soldados, né, de menor hierarquia, e eles iam ouvindo, ouvindo, montavam o depoimento de todo mundo e essas pessoas eram arroladas como testemunhas. Então, isso acontecia muito. Então, a pressão, o que é que era? Alguém gritando, alguém apanhando, eles presos, juntos, lá naquela confusão, então, essa pressão eles sofreram. Agora, ser pressionado assim, fisicamente, eu não tenho certeza. Mas posso dizer que, psicologicamente, certamente que eles foram. Porque eles iam montando, ouviam uma parte sua, depois falavam “Fulano de tal disse isso. Você tem que confirmar”. Aí ficava aquela… Então, os depoimentos eram todos iguais. As testemunhas falavam a mesma coisa, porque era tudo, palavra por palavra, copiado. Então, era uma coisa montada que, obviamente, na justiça em que se tenta apurar uma verdade, não teria muita validade. E, por isso, muitas vezes a justiça militar absolvia, porque era tão gritante a situação, que eles tinham que absolver.

Cristina Guerra: Mas aí, quem absolvia era o doutor Antônio.

Winston Paiva: Não, é o seguinte. É feito por um colegiado, são quatro militares e o juiz-auditor. Mas, o problema é o seguinte, quem instrui, quem orienta, é o juiz-auditor, e ele vota primeiro, depois vota hierarquicamente, primeiro os menos graduados até os mais graduados, para exatamente não haver nenhuma pressão do coronel mandar no tenente, o capitão no tenente e vice-versa. Então, era feita a votação dessa forma. E, muitas vezes, na maioria das vezes, nós tivemos bons juízes-auditores aqui, Mauro Seixas Telles, o próprio doutor Antônio Marques e o doutor Alcir. São juízes bons, então, eles induziam muitas vezes a uma solução melhor, mais benéfica para os réus. Eu defendi um caso aqui, muito interessante. Eu costumo dizer que, na justiça, a presença do réu é muito importante, porque o juiz é um ser humano como outro qualquer, tirando a “juizite”, ele é um ser humano como outro qualquer. E nesse julgamento do Tarso Genro, que eu fui advogado dele, ele foi preso lá em Ibiúna, junto com mais dois réus do Rio Grande do Sul, e eles iam ser julgados aqui em Juiz de Fora. Então, aconteceu o seguinte, o Paulo, que é um deles, se chamava Paulo, ele era o cabeça do grupo, porque ele era o presidente do DCE lá de Rio Grande do Sul. O Tarso e o outro eram de menor importância. No dia do julgamento o Paulo compareceu, o Tarso Genro não veio porque fez uma operação de coluna e não pode vir, e o outro não veio porque não tinha dinheiro. Qual foi o resultado? O Paulo foi absolvido por cinco a zero, o Tarso Genro por quatro a um e o outro por três a dois, quase foi condenado, pelo simples motivo de não estar presente ao julgamento, entendeu? Então, eu acho que, aqui em Juiz de Fora, nós tivemos alguns advogados que atuaram aqui, né? Muitos ligados à própria… mas atuaram, né?

Cristina Guerra: Mas você pode citar alguns nomes para a gente?

Winston Paiva: O Dalton Villela Eiras, o doutor Antônio Teixeira…

Cristina Guerra: Já morreram?

Winston Paiva: Todos já morreram.

Helena Salles: Daniel Ribeiro do Valle.

Winston Paiva: Daniel… atuou uma vez só. Ele não era criminalista, né? Ele era civilista.

Cristina Guerra: E ele tá em uma foto, inclusive, do julgamento da Dilma…

Winston Paiva: É, impressionante isso. Quer dizer, ele foi no julgamento em que ele não… É que ele não mexia com área criminal, entendeu? A área criminal é meio complicada, né? A gente tem de se dedicar porque ela é feita de pequenos detalhes, esses detalhes, por exemplo, de coincidências nos depoimentos, tudo tinha que ser chamado a atenção, porque muitas vezes a pessoa que não tem experiência não chama, entendeu?

Cristina Guerra: Junto com o doutor Antônio de Arruda Marques, um escrivão também foi exonerado. O senhor lembra o nome dele?

Winston Paiva: Foi… Eu não me lembro o nome dele. Humberto. Acho que é Humberto. Foi. E eu não sei porquê. Porque o escrivão, coitado, o escrivão… não tem autonomia. Ele é um diretor de uma secretaria, e faz o que o juiz determina. Então, ele foi no vácuo, né?

Cristina Guerra: E o que o senhor acha que esse juiz incomodou tanto, assim?

Winston Paiva: Eu acho o seguinte, foi mais por problema de momento. O ladrão tem medo do que pode acontecer e nós temos medo do ladrão, deu pra entender? Então, quando um ladrão entra na sua casa, ele está morrendo de medo, ele não sabe o que vai encontrar lá, ele pode encontrar alguém com mais poder de fogo do que ele e matá-lo, ele não sabe o que pode acontecer. O que aconteceu com o Antônio de Arruda Marques é que ele tava no início do movimento, eles ainda não tinham as rédeas das coisas, então passava exemplar, né? É cassar um, cassar outro, cassar outro, depois para de cassar todo mundo, porque não precisava cassar mais, eles já estavam com as rédeas do governo na mão, entendeu?

Cristina Guerra: E todo mundo tava com medo.

Winston Paiva: É, o medo passou do nosso lado, né? No início eles não sabiam o que podia acontecer no movimento, porque o movimento foi totalmente improvisado. Ninguém sabia o que podia acontecer, conforme o presidente que estivesse lá, talvez a coisa seria outra. É porque o Jango é uma pessoa muito pacífica, muito tranquila. Porque se fosse um outro… o Brizola, por exemplo, podia dar problema. Ele ia reagir, ele não ia entregar a coisa assim de mão beijada, ou suicidar como fez o Getúlio Vargas, né? Então, isso tudo foi momento, eles não sabiam o que podia acontecer. Até eles tomarem as rédeas, eles acharam que deviam cassar esse, porque podiam prejudicar o andamento da justiça militar aqui em Juiz de Fora.

Cristina Guerra: E você foi professor durante muitos anos, também. E o reflexo disso nas faculdades? Porque seu pai era professor.

Winston Paiva: É o seguinte, o reflexo não foi só na faculdade, né? Na universidade como um todo, eles interferiram nas próprias associações dos estudantes, caçando pessoas, expulsando alunos, fizeram muita coisa. Então, isso trouxe uma consequência grave para a universidade, né? Porque muitas pessoas pararam seus cursos pela metade, né? Posso dar um exemplo de um colega meu que foi o Nery Mendonça. O Nery Mendonça foi expulso da faculdade. Ele era sindicalista, vereador. Se não me engano já era vereador na época.

Helena Salles: Foi cassado, né?

Winston Paiva: É, e foi expulso. Tanto que ele foi meu colega de turma e foi meu aluno. Porque depois formou no Vianna. E eu fui professor dele (risos). Ele foi meu colega de turma e foi meu aluno. Então, muita gente teve a vida completamente destruída. Não estou dizendo que tem pessoas que não se locupletaram de coisas pequenas, por exemplo, eu acho a indenização do Carlos Heitor Cony, eu acho um absurdo, porque ele não teve prejuízo nenhum, ele é um cara que sempre progrediu na vida, que prejuízo que ele teve? Pra receber mais de um milhão de reais de indenização. Eu acho que muitos se utilizaram dessa situação para poder se locupletar com dinheiro. Eu nunca… Agora, você imagina se eu vou pedir alguma coisa porque fiquei preso três horas, não é? Prejuízo, evidentemente que a gente tem. É lógico que fui perseguido muitas vezes, as coisas às vezes ficavam… eu ficava muito preocupado, porque… sabendo que está sendo acompanhado o tempo todo, não sabendo onde é que isso vai parar. E cassa um, cassa outro… né? Podia ter acontecido comigo também, da mesma forma. Mas eu consegui… porque o grande problema do advogado, o advogado não pode ser sócio do cliente, entendeu? Não interessa minha ideologia, qual é minha posição ideológica, não interessa. Ali eu sou um advogado, um técnico, estou discutindo direito. Então, se você não é sócio do seu cliente, não tem perigo nenhum. Agora, se vira sócio do cliente, aí você vai preso. Ele está preso, você vai junto com ele. Entendeu como que é? Então, é uma vida igual corda bamba. Uma situação muito complicada, muito complicada.

Helena Salles: Agora a pouco você tava falando sobre a figura do Simeão de Faria. Você tava dizendo que ele era uma pessoa complicada e ia dar um exemplo e acabou não falando.

Winston Paiva: Exatamente, porque no julgamento da Corrente… exatamente, me perdi. No julgamento da Corrente, ele tinha mania de ler frases, interrogatórios, depoimentos de testemunhas então… dois escreventes estavam sentados, assim, e olharam ele lendo. Ele não estava lendo, ele estava inventando, como se estivesse lendo. Você vê a capacidade do cidadão. Eles estavam olhando assim, eu falei “Ué, que que vocês estão assustados, olhando?” “Não, ele não está lendo, ele está inventando”.

Helena Salles: Como se fossem as palavras de algum dos réus do processo…

Winston Paiva: Muitas vezes o advogado não acompanha, não vê, não faz a coisa… porque, infelizmente, não é todo advogado que se dedica com coração mesmo. Vê, lê dez, vinte vezes o processo, sempre acha alguma coisa diferente, entendeu? Então, a pessoa não lê, ele tá fazendo, falando lá, ele não tá nem sabendo que ele tá inventando. E ele fez isso. Ele fazia isso.

Cristina Guerra: É, porque são muito extensos, né?

Winston Paiva: Todo mundo, né? Aquela confusão. Foi tribunal do júri, muita gente, e ele lendo dessa forma, lendo não, inventando. Simplesmente inventando. Ele era difícil. Uma pessoa muito… rancorosa. Nunca vi, porque o promotor tem de ser promotor de justiça. Eu não aguento ver representante do Ministério Público, procurador, promotor público. Eu gosto de promotor de justiça. Se é pra pedir absolvição, você tem de pedir absolvição. Você não tem de acusar sempre. E ele era assim, né? Acusava sempre. Com direito, sem direito, ele não tava nem aí. Ele passava por cima de tudo. Ele era uma pessoa muito difícil, entendeu? E muitas vezes, na maioria das vezes, era derrotado, porque… Eu tive duas condenações. Eu não vou dizer que, se, por exemplo, o Ângelo Pezzuti, que eu era advogado dele, do caso da Colina, e do Murilo, que eu era advogado dele, e do Maurício, que eu era advogado dele. Eu não tenho certeza de que eles seriam condenados, né? Mas eu não tive além deles, que foram trocados pelo embaixador, então a absolvição foi diferente, porque foram trocados. Mas nos outros casos, mais de cem pessoas, tive duas condenações. Entendeu como que é? Então, o ambiente na justiça militar era diferente do ambiente dos quartéis. Completamente diferente. A coisa vinha mastigada de lá, mas muitas vezes a gente conseguia contornar aqui, embora os militares constantemente modificavam a lei. Porque eles faziam a lei, faziam uma norma, o advogado achava uma brecha… tanto que, em um ano só, nós tivemos duas leis, dois decretos, 314 e 510, um complementando o outro em 1967.

Helena Salles: É o casuísmo, né?

Winston Paiva: Exatamente. Vai ampliando, vai ampliando, vai ampliando… Eles iam tampando os buracos, quer dizer, era uma legislação feita para complementar.

Helena Salles: E tanto no seu caso, que defendeu muitos presos políticos, como no caso de outros advogados também, que defenderam presos políticos, vocês sentiam algum tipo de pressão por esse fato? Por estarem defendendo os presos políticos, ou não? Pressão dos militares.

Winston Paiva: Por exemplo, o caso tanto do Dalton como do Antônio Teixeira, eles eram advogados dativo, advogado dativo. Então, era uma situação diferente do advogado particular. O enfoque é outro, entendeu como que é? Ele tá defendendo ali por uma obrigação, porque ele é advogado dativo, ele é advogado… é o assistente, né? Assistência judiciária. Era outra coisa.

Helena Salles: É como o defensor público?

Winston Paiva: É um defensor público. Eles eram defensores públicos. Então, é uma situação diferente da minha situação, por exemplo. Eu era contratado para fazer a defesa, é diferente, completamente diferente.

Helena Salles: E no seu caso, você sentiu alguma vez algum tipo de pressão, de perseguição por esse fato?

Winston Paiva: Não tive perseguição, que eu tenha notado. Mas eu tive vigilância constante. Eu era vigiado constantemente, entendeu? Até o momento em que essa situação foi superada, porque você vai atuando, eu cheguei a ser convidado para ser juiz-auditor, pelo doutor Mauro Seixas Telles, eu não aceitei. Primeiro, porque eu não me julgo capaz de julgar ninguém, não tenho essa capacidade. Eu quero ser defensor, não acusador, e muito menos julgador. Então, por isso que não aceitei, não é por nada, não… eu poderia ser juiz, eu não fui porque eu não quis. Promotor, não fui porque não quis. Porque eu sou advogado, entendeu? Agora, então, até esse momento, a situação era muito complicada, entendeu? Para você ter uma ideia, eu acabei ganhando uma comenda da justiça militar. Eu, na mesma época que o Márcio… Como chama aquele que fez o discurso… Márcio Moreira Alves. Então, nós recebemos juntos, no mesmo dia. Engraçado, duas pessoas que eram mal vistas, né? (risos). A vida dá muitas voltas, né? Mas não estou justificando nada, só estou dizendo o seguinte, naquela época, quem pensava não tinha vez. Essa que é a verdade. Quem tinha algum pensamento que não fosse de acordo com eles, era muito complicado. Você perdia seu emprego, perdia sua faculdade, perdia sua liberdade, perdia a vida. Então, era uma situação muito complexa, entendeu?

Helena Salles: Você quer falar mais alguma coisa? Se lembra de mais algum relato de algum dos presos, assim… de pressão para confessar…

Winston Paiva: Eu só acho, assim… Não, isso aí é evidente que sempre aconteceu, né? Não é em termos de pressão física, pressão psicológica, né? Você vê, vai ser montado seu depoimento, isso só pode ser feito através de uma pressão psicológica muito grande. Acusar pessoas, ameaçar de choque elétrico, isso, aquilo. Tudo bem, mas o que quero dizer ao final é o seguinte, que eu acho importantíssimo esse trabalho da Comissão, porque nós não podemos repetir isso jamais, então, nós temos que mostrar que nós estamos vivos e que não aceitamos aquela situação que aconteceu naquela época e não admitimos que isso aconteça novamente, então, eu acho que essa atividade de vocês é muito importante. É uma pena que a maioria das pessoas já não estejam aqui, de uma forma ou de outra já faleceram, para dar esse depoimento para vocês, né? Mas então, todo tempo é tempo, então eu quero dar meus parabéns a vocês, porque eu acho muito importante essa dedicação de vocês, isso é muito importante para o Brasil.

Helena Salles: Nós te agradecemos também pela sua contribuição vindo aqui. Apesar do pouco tempo. Obrigada.