Depoimento de Moisés Alex Alves
Entrevistado por Christina Musse e Roberto Cupolillo (Betão)
Juiz de Fora, 12 de dezembro de 2014
Entrevista 025
Transcrição: Bernardo dos Santos Abad
Revisão: Fernanda Gutierrez
Revisão Final: Ramsés Albertoni (08/11/2016)
Christina: Moisés, por favor, a gente gostaria que você começasse dizendo seu nome completo, a sua idade, a sua profissão, onde você nasceu e o ano também.
Moisés: Meu nome é Moisés Alex Alves, né, nascido em 3 do… 55, né, 3 de março do 55, né.
Christina: Sua profissão?
Moisés: Servidor público municipal por mandato, né, servidor, né, isto?
Christina: E você nasceu em Juiz de Fora?
Moisés: Não, nasci no Rio de Janeiro, 14, até falei errado aí, mas é 14 de março.
Christina: Bom, o que te motivou a procurar a Comissão da Verdade?
Moisés: É a preocupação da gente de ver é… Muito anúncio e muita coisa na televisão falando a respeito do que aconteceu… Então, eu como tinha vivido e visto meu pai passar por esse ato, né, triste, aí o que aconteceu, aí foi aonde eu estou resolvendo a… lembrar e também mostrar o que aconteceu com ele, né. Porque nós sofremos muito, eu, por exemplo, eu sofri muito com isso. Eu ficava na Via Dutra assim, oh, naquela, Rio – São Paulo, ali, esperando, eu e a minha irmã mais… uma das minhas irmãs, esperando passar o carro de compras para a gente pegar e alimentar assim em casa, por que ele tava preso, tinham prendido ele… Pela rua lá a gente não sabia nem… nem pra onde levavam ele. E aí a gente ficava em casa desesperado, ficava um dia, dois dias, três dias, quatro dias, ficava bastante tempo e ele sumido.
Betão: O seu pai, qual que era a profissão dele?
Moisés: Ele era do cais do porto, né…
Betão: Cais do porto?
Moisés: Ele trabalhava como portuário, né, antiga, é até Companhia Doca, antigamente que falava, né, companhia de transportes, aquele armazém que tem lá no portuário lá.
Moisés: No Rio de Janeiro.
Betão: Ele era do sindicato dos portuários?
Moisés: Ele só podia ser do sindicato, por que ele era um dos líderes. Então, ele ajudava muito os colegas dele, ia lá em casa lá reunir com ele, ele convidava os colegas. Então, ele era um líder assim… Que a gente sabia que ele era líder porque ele era muito organizado, ele era uma pessoa super organizada. Difícil eu conhecer pessoas igual a ele que eram tão organizada. Até pra gente alimentar, todo mês tinha reunião lá em casa da gente, os filhos dele lá iam fazer reunião com a gente, então, ele era uma pessoa super organizada. Por ele ser muito organizado, é onde a gente achava que ele era um líder, né, porque só podia ser um líder, pessoa tão organizada assim, né… E quando começou a ocorrer com ele de ele sumir, assim que nós fomos ver que ele tinha muita responsabilidade.
Christina: O nome do seu pai completo?
Moisés: Geraldo Evaristo Alves.
Christina: E ele nasceu no Rio de Janeiro?
Moisés: Não, ele nasceu aqui, em Juiz de Fora.
Christina: E ele nasceu quando, você recorda?
Moisés: Aqui, em 22, né, no ano 22.
Christina: Ah, 1922. Quer dizer, ele se casou, e sua mãe, qual era o nome?
Moisés: Maria Rosa Alves. Casou aqui em Juiz de Fora também, aqui em Minas Gerais.
Christina: E aí eles foram para o Rio de Janeiro?
Moisés: Foram para o Rio de Janeiro, né. Ele foi… Primeiro ele foi na guerra lá, e tal, na segunda guerra que teve, né.
Christina: Ele foi pracinha, ele foi pra Itália?
Moisés: É, ele foi pra guerra, quando ele chegou na guerra, certamente… Assim a família conta, né, contava, quando ele chegou lá a guerra acabou, aí eles voltaram, foi aonde ele casou e foi para o Rio de Janeiro, morar lá no Rio de Janeiro e trabalhar lá. Inclusive, na minha rua lá, o nome da rua chama-se avenida Ex-combatente, lá só tem mesmo colega dele lá que nasceu naquela rua, aonde eles colocaram o nome de Ex-combatente. E ao mesmo tempo, os colegas dele todos trabalhavam no cais do porto, nesse mesmo lugar que ele. Ele tinha padrinho lá, quando era pequenininho, que foi preso junto com ele, que morava perto da minha casa lá, quer dizer, que foi na guerra com ele, que vivia com ele, então, eles eram tudo… Era uma rua praticamente só de conhecido, tudo portuário.
Christina: No caso, seu pai, quando ele volta da guerra, ele aí começa a trabalhar no cais do porto no Rio de Janeiro.
Moisés: No cais do porto, é.
Christina: Se casa e teve quantos filhos?
Moisés: Oito filhos.
Christina: Você…
Moisés: Naquela época, eu mais sete irmãs.
Christina: Você é o mais velho?
Moisés: Não, não, sou o do meio, assim, né, sou o do meio.
Christina: Nessa época, então, ele logo começou a trabalhar no cais do porto?
Moisés: Nessa época ele trabalhou, saiu daqui, foi… Depois da guerra foi trabalhar no porto.
Christina: Você nasceu no Rio, como você já contou. Essa lembrança que você tem do seu pai, das reuniões, você tinha que idade?
Moisés: Ah, eu tinha mais ou menos de nove anos pra cima, né, foi em 1964… Mas o que afligiu mais a gente foi em 1966, foi a hora que começou mesmo a coisa quente mesmo.
Christina: Quer dizer, enquanto aconteceu o golpe militar o seu pai, inicialmente, em 1964, 1965…
Moisés: Ele já tava naquele meio lá com os colegas lá, mas até ali não… Era só mesmo só o movimento deles, eles que faziam, né, não sei como, mas faziam e reuniam e depois que foi aumentando, aí começou os “homem” a apertar, né, aí foi aonde deu mesmo a revolução, né, lá no Rio de Janeiro, e acho que começou até por aqui, eles falam que começou por aqui por Minas, né.
Betão: Então, você tem a impressão de que ele era um líder, uma liderança sindical, pelo fato da organização dele… Você se lembra de alguma filiação partidária? Ele era filiado a algum partido?
Moisés: Ele era filiado praticamente junto com o Brizola, aqueles homens todos, né, aquele Negrão de Lima, naquela época, né, eu lembro muito bem, né, que tinha o Lacerda, tinha aquele outro, o Castelo Branco, mas esses era tudo o contrário né…
Betão: Eles eram a oposição. Então, ele era mais próximo do Brizola.
Moisés: Eu até tô entendendo sobre isso agora, mediante a posição, oposição, mas do jeito que era, quer dizer, o Lacerda, o Castelo Branco, era tudo contrário, né, que era o lado do outro governo, né.
Christina: Quer dizer, seu pai, possivelmente, ele tinha alguma ligação com o PTB, né, o Getúlio, depois o Brizola, e não com o Partido Comunista, como foi o caso de outros militantes.
Moisés: Que eu me lembro são eles fugir todos, fugiam uns para um lado, outros para o outro, o Brizola saiu até com a roupa vestido de mulher, que eles falam aí e tal, que a minha mãe contava, aí foi aonde naquela época que eles prenderam o meu pai, os colegas dele, isso foi em 1966, parece, que aconteceu mesmo esse ato.
Christina: Como é que foi a prisão do seu pai, você consegue se lembrar, onde ele foi preso?
Moisés: Eu consigo lembrar assim, né, que eles prendiam aí… Lá pra algum lugar lá, e iam lá em casa revistar tudo, porque meu pai tinha os “papel” dele lá, aquele negócio todo, eles achavam, mediante a prisão dele, eles iam achar alguma documentação, alguma coisa contrário, né. Quer dizer, ia lá em casa e revirava tudo lá, mas já tinham prendido ele. Aí prendia, ele sumia pra lá, passava um mês, assim, dois meses, aí aparecia em casa novamente. Todo barbudo, todo abatido e tal. Aí não trabalhava, era aonde a gente passava aquele aperto de fome, sem comer sem nada, porque ele não tinha, né, eles cortaram o emprego dele lá, cortou os dados dele todos, né, o cara do porto cortou, porque não sei o que que estava acontecendo né, aí a gente ficava na estrada assim, não sei se era amigo dele ou se era a própria cooperativa da firma né, que mandava a gente esperar lá na estrada pra poder a gente pegar o mantimento e levar pra casa pra gente comer. Ficava eu e minha irmã na estrada, assim, e passava um carro e dava mantimento pra gente, a gente levava pra casa que eles comiam lá, e eles iam embora pela Via Dutra pra outro lugar. E tinha muitos colegas dele, tinha o Tiãozinho, tinha o Pernambuco, só aqueles “homem” que trabalham lá no porto que eram muito amigos dele, o Morais, até quando falava nesse homem que morreu aí, nesse deputado que morreu aí, pensei até que era o Morais, que ele era um rapaz claro, assim meio barbudo né, eu falei “Puxa, será que é o Morais que ia lá em casa, não?”. Eu falei até pra minhas irmãs um dia lá em casa, né, pensei até que era ele, né. O Morais era uma pessoa bem assim, ativa e tal, então… Ele sofreu muito, mas muito! E com isso fez a gente sofrer e, segundo ele contava… eu não ia não porque eu era pequenininho e não podia entrar, né, mas as minhas irmãs, minha mãe que levava os mantimentos pra ele, tinha que levar os mantimentos pra ele lá ainda!
Christina: Ele ficou preso aonde?
Moisés: Ele ficou preso na Ilha Grande, Ilha das Flores. Lá era um lugar muito separado assim, que não passava, não tinha como escapar, né, entrava ali e não tinha outro refúgio não, era água e mais nada, ele ficava preso lá. Aí, as minhas irmãs, minha mãe, ia lá, ia ver ele lá e contava que ele falava com ela “Levei muito choque”. Botava ele num quartinho muito pequenininho, aí só cabia só uma pessoa e daí ele levava choque, que ele ia até no teto e voltava, que era muita dor que ele sentia, que era muito difícil dele aguentar. Tanto é que no final, em 1970… 1969, aí, eles soltaram ele, não sei, porque acalmou alguma coisa né, em 1970 acalmou. Mas, a gente ia no advogado, a gente tinha advogado, doutor Augusto, que defendia ele. Aí, eu mesmo ia com as minhas irmãs lá, minha mãe mesmo, lá pra ver a causa dele como é que tava isso e aquilo, e é aonde eu fiquei preocupado de querer ver a documentação dele, porque a gente não “pegamos” nada, nada dele, né, nada, nada, nem documentação, nem com esse advogado, né, nem nada. Ele só falou que voltaram ele a trabalhar depois, em 1970, ele voltou a trabalhar… E a minha mãe morreu em 1969, a minha mãe até morreu e nem viu, nem o fato dele ocorrer assim completo, ela nem chegou a ver… Ela até morreu coitada, deu uma doença nela lá coitada, e ela acabou falecendo.
Christina: Ele ficou preso várias vezes?
Moisés: Várias vezes que ele ia preso.
Christina: Porque essa primeira vez foi em 1966 e ele foi solto depois.
Moisés: Depois era solto. Aí iam lá depois, eles prendiam ele novamente, soltavam ele, deixavam um tempo lá, de repente prendiam ele até em outro lugar, e com isso eles iam lá em casa novamente revistar tudo, e era só gente “fortão” mesmo, gente de… aqueles “negão” da DOPS mesmo… Era… chamava até DOPS.
Christina: Mas eles eram do… eles iam com o uniforme da polícia do exército? À paisana?
Moisés: Não, eles iam à paisana, aqueles homens iam tudo à paisana, eles chegavam lá mesmo à paisana mesmo, revistando tudo… Quiseram nem saber quem tava lá. Falavam só que eram da DOPS, isso eles falavam “Nós somos da DOPS, da polícia do exército”.
Christina: E o seu pai, esse sofrimento que ele passou, quer dizer, ele foi torturado, como foi a imagem do seu pai antes dele sofrer prisões e torturas, e depois? Ele conseguiu voltar a ter uma vida normal?
Moisés: Não, ele conseguiu, ele, só… Só a boca dele só aqui assim que entortou muito sabe, ele falava e a gente via que a boca dele… Porque ele levava choque mesmo na língua mesmo, pra falar coisa que nem tinha feito, que ele nem sabia o que que era, né. Mas eles torturavam muito, e muito mesmo. Tanto é que ele… Ele pediu a Deus, pela última vez dele, ele entregou na Igreja Evangélica, lá atrás de casa, ele foi lá e pediu a Deus, ele falou que pediu a Deus dentro da cabine, ele pediu a Deus pela última vez pra dar uma oportunidade a ele, de ele ver a família pela última vez, mas pediu a Deus pela última vez pra poder ver a gente. Aí, foi aonde soltaram ele, e ele ajoelhou embaixo de um pé de jaqueira que tem lá no Rio de Janeiro, na minha casa lá nos fundos, ajoelhou, pediu a Deus, tanto medo que ele tinha de morrer. Porque eu creio que muitos colegas dele tinha morrido nessa época, né. E ele ficou com tanto medo, que ele entregou a Deus a vida dele todinha pra nunca mais ele voltar naquilo, ele ficou com tanto medo que ele ficou.
Christina: Agora, ele chegou… por exemplo, quando vocês… Ele faleceu quando seu pai?
Moisés: Foi por agora, tem uns quatorze anos que ele faleceu.
Christina: Mas assim, foi em que ano?
Moisés: 77.
Christina: 1977?
Moisés: Não, morreu em 1997, com setenta e sete anos de idade.
Christina: Ah, com setenta e sete anos. E ele morreu. Ele ficou doente? Foi alguma coisa…
Moisés: Ele ficou doente, deu câncer nele… Parece… Eu nem sei qual foi a doença que deu nele, não, porque ninguém fala, né. Ele não falou pra gente assim, não, né, porque… Ele casou novamente e não falava com a gente, ele não falava não, não sei porque, nem qual a doença que foi que ele morreu, não. Mas ele morreu doente, sofreu muito, a gente levava ele, eu mesmo levava ele no Monte Sinai ali, ele tava com muita dor mesmo.
Christina: Agora, no caso, vocês tentaram chegar a investigar né, você, as suas irmãs, o quê que motivou tantas prisões. Vocês encontraram a documentação?
Moisés: Não, não, não. Não encontramos nada, inclusive, a minha irmã, as minhas irmãs, que eu tive contato com elas uns anos aí, falaram até que o SBT mesmo procurou elas pra poder depor sobre o caso, mas elas não quis nem depor. Elas não quiseram depor, não sei por que, né. Elas falaram comigo que eles procuraram os vizinhos lá, os colegas dele, mandou até elas depor, mas elas não quis, elas resolveram. Porque a metade tá aqui, a metade tá no Rio agora, né…
Christina: E ele recebeu algum tipo de indenização? Ele conseguiu se aposentar?
Moisés: Bom, a indenização, ele falou pra mim que tinha um bom dinheiro pra ele receber. Ele até falou pra mim mesmo, falou com a gente que tinha um bom dinheiro, que ele ia receber. Eles ofereceram e ele achou até pouco. Ele até falava “Meu filho, é muito pouco esse dinheiro que eles querem me dar, eu não vou pegar esse dinheiro não, porque eu já consultei e é muito pouco dinheiro”. Agora, não sei se essa outra mulher que ele casou, se ela, agora, né, dispôs do dinheiro, porque era a única que podia meter a mão, pegar o dinheiro, era ela, né. Não sei o que que aconteceu.
Christina: Você não sabe, por exemplo, se ele… você não sabe se ele recebeu indenização, mas você sabe se ele conseguiu se aposentar por tempo de serviço?
Moisés: Não, aposentou, aposentar ele aposentou, em 1971 ele aposentou. Que eles voltaram ele a trabalhar, que parou um bocado, voltaram ele a trabalhar, que ele tinha advogado, né, que defendia ele nesta causa, né, aí voltaram ele a trabalhar de novo, foi aonde ele voltou a trabalhar, passou uns dois, três meses, aí aposentaram ele.
Christina: Esse advogado dele, qual é o nome?
Moisés: Doutor Augusto, lá do Rio de Janeiro.
Christina: É Augusto… você sabe o sobrenome?
Moisés: Augusto… O sobrenome dele eu não sei. Deve ter falecido já, no tempo ele já era bem de idade já, quando vendeu lá, né.
Christina: E vocês nunca chegaram a procurar o doutor Augusto, assim, para…
Moisés: Não. Pelo menos eu nunca cheguei, porque eu vim pra cá pra Juiz de Fora. As minhas irmã ficou no Rio, a mais velha faleceu, quer dizer, a gente não chegamos assim, a ter contato não. E ele também se interessou assim, né… A família, um pra lá, outro pra cá, é muito dificil né.
Christina: No sindicato, também, vocês nunca tiveram curiosidade de procurar?
Moisés: Não.
Christina: No sindicado dos trabalhadores, dos portuários…
Moisés: Não, não, só que tinha um deles lá, sabe, eu tentei até entrar em contato antes de vir aqui, com ele, mas não tive assim, coisa com eles não. Que eu tenho um cunhado meu, que foi criado com a gente lá em casa, inclusive meu pai não queria que ele casasse com a minha irmã, não, que ele foi filho dele de criação. Então, ele cresceu, cresceu e na reunião ele falava “Não, o Raul não dou meu voto quando ele casar com a minha filha. Eu não quero, não”. Porque ele foi criado com a gente, né, mas ele casou com ela assim mesmo. E esse cunhado, que é genro dele, ele arrumava serviço pra ele no cais do porto e era muito chegado com ele, são sócios, e ele foi lá… Mas eu não sei, minhas irmã nunca contou nada, assim, sobre a procura dele, não contou, não. Ele recebia, vinha de Brasília, o salário dele vem de Brasília, vinha de Brasília a procuração dele, não vem do cais do porto, não, vinha de Brasília mesmo.
Betão: Então, só pra entender, de 1963 até 1969, ‘971, ele foi preso várias vezes?
Moisés: Várias vezes, até 1970, né, mais ou menos.
Betão: Até 1970. Depois de um tempo soltavam, prendiam de novo?
Moisés: Ia lá, ia e voltava, ia e voltava, aquela confusão.
Betão: Mandado para a Ilha Grande?
Moisés: É, Ilha Grande, Ilha das Flores. E sumiam com ele pra lá, até num cantão aí eles sumiam.
Betão: E a família sem saber exatamente o que tava acontecendo. Essa situação toda afetou muito a família de vocês? Desestruturou a família?
Moisés: Afetou bastante, desestruturou tudo, porque a gente passamos necessidade mesmo, mas passava mesmo, tô falando, a gente ia… E revistavam lá em casa tudo, revirava tudo mesmo, chegavam em casa revirando tudo, né. Então acabava mesmo com a família, mesmo. Nós sofremos bastante com isso, sofremos mesmo. Inclusive, a minha mãe deve ter até morrido até por causa disso também, que ela sofreu tanto, eu ia com ela lá em Deodoro, né, lá em Deodoro é Vila Militar, né, em Deodoro, né, a Vila Militar de Deodoro, então o que que acontecia, eu era pequenininho, ela me levava lá pra Vila Militar, lá, agora eu não sei o que ela ia fazer lá, porque eu era pequeno e não tô lembrado disso, porque eu não podia entrar, que lá era área militar né, e minha mãe levava a gente lá, bastante lá.
Christina: Deixa eu ver, você, por exemplo, nessa convivência com seu pai, quer dizer, todas as vezes que ele voltou, ele falava dessa questão, né, de ser torturado?
Moisés: De tortura… falava, falava…
Christina: E ele voltava abatido?
Moisés: Voltava, barbudo, abatido, sem comer, sem nada, muito abatido mesmo que ele ficava. E ele era um homem forte, muito inteligente, ele era, ele era líder mesmo, que ele fazia reunião com a gente lá, e ele liderava mesmo, liderava tanto lá na comunidade lá do bairro, como no serviço dele.
Christina: Você morava em que bairro no Rio?
Moisés: Lá no Coelho da Rocha, em São João de Meriti, ali na avenida Ex-combatente, ali, perto da Via Dutra, na estrada Rio-São Paulo, eu morava ali. Meu irmão mora lá até hoje, tem irmã minha que mora lá até hoje, lá. Então, o que acontece é, muitos colegas, testemunha, lá, tem muita testemunha mesmo. Tem testemunha, tem um primo que ia daqui, lá, que via o que a gente passava, ele mesmo ficava até apavorado, chegava lá, de repente, os homem reviravam tudo, cama, jogava tudo fora. Revirava mesmo, jogava tudo lá pra fora, e não queriam nem saber.
Christina: Eles não chegaram, assim, a fazer nenhuma violência à sua mãe, ou ameaça?
Moisés: Não, eu não lembro porque eu era pequeno e também não podia, também, porque eu era de menor, né, então, eu por exemplo, eu não tô lembrado assim, coisas não, mas que sofrer, sofria, só essa minha irmã mais velha que morreu que podia contar, né, porque ela, geralmente ela que ficou como procuradora dele, né, ela faleceu, né, mas ela ficou com um problema, morreu. Ela que ficou sendo a procuradora dele.
Christina: Agora, você gostaria de ver esclarecida essa história que envolveu seu pai e que afetou tanto a tua infância, né.
Moisés: É, e aí, pelo que a gente tá vendo, né, a gente… Eu mesmo pra poder ter uma história, né, já que ele, que ele não era uma pessoa qualquer, ele era uma pessoa super inteligente, ele liderava mesmo aí, Juiz de Fora aqui inteiro, todo mundo conheceu ele aqui na cidade. Esse político aqui, que quase todos o conheceram.
Christina: Ele veio morar aqui depois de que época?
Moisés: É, depois de 1970 que ele veio pra cá, né, em 1971, quer dizer, ele acabou lá, foi absolvido, foi aonde minha mãe morreu em 1969. Ele casou novamente e veio morar aqui. E deixou até a gente lá, maiorzinho, mas os pequenos ele trouxe, mas eu, assim, ele já me deixou lá, eu e as minhas irmãs, ele deixou a gente lá.
Christina: Aí vocês foram criados por um parente?
Moisés: Não, não, a gente começamos a viver nós, lá, ele ia lá visitar a gente, ver como tava, ele ia lá só pra isso, né, só pra organizar a família mesmo e ficava aqui. Eu que trabalhava lá e vinha pra cá, até casar e ficar aqui.
Christina: Ele trabalhava com o quê, o seu pai, depois que ele saiu definitivamente do Rio?
Moisés: Não, não, ele não trabalhou mais, aí ele foi aposentado, né, e ficou esperando, pra ver se indenizava ele, absolvição dele, aí não trabalhou mais, né, assim, coisa, não. Ajudava muitas pessoas, né, trabalhando assim, ajudando as pessoas, mas trabalhar mesmo assim, coisa, ele não trabalhava não.
Christina: Ele aqui morou aonde, você sabe? O bairro onde ele morou aqui em Juiz de Fora?
Moisés: Aqui? Aqui foi no Ipiranga ali que ele morou.
Christina: E ele teve uma liderança no bairro aqui?
Moisés: Teve a… Liderava, ele chegou até a pastor, a liderar, né, aqui em Juiz de Fora, muitas igrejas aqui, todo mundo conhece, ele era muito conhecido aqui. Muito conhecido. Até hoje o pessoal fala “Não, o seu pai era muito conhecido… Filho do… O Moisés é filho do pastor Evaristo, muito conhecido”. Que ele dava o testemunho dele, né, daquilo que ele sofreu, né, ele mesmo quando relatava lá, ih… Era coisa de chorar, quando ele contava lá, pra gente lá, minhas irmãs, todo mundo abria mesmo a chorar, quando ele começava a falar o que que ele tinha passado. Não tinha esse nem aquele que não chorava, porque ele sofreu muito, né… Era lutador lá, mas… né… (pausa) A gente fica até assim… Agora, as minhas irmãs, ontem, ia até ver o contato delas, pra poder ver se elas tem algum documento, igual a senhora tá falando aí né, alguma coisa, né.
Christina: Não, não preocupa, não. Mas eu acho Moisés que, nesse sentido, que o que vocês gostariam realmente era de um esclarecimento, porque seu pai já faleceu, pelo visto ele deu muitos testemunhos, inclusive na igreja, né, aonde ele se tornou pastor.
Moisés: É, de escutar, de falar o quê que eles passavam, o que eles passaram, né, mediante essa ditadura que houve, né. Porque ele ganhava bem, ele ganhava bem mesmo lá, ele era uma pessoa líder que ganhava bem. Nossa casa lá era uma casa muito boa, sabe, na época era toda de jardim, então ele ganhava bem, mas ele perdeu tudo de repente. Perdeu tudo, ele vinha aqui em Juiz de Fora, ele vinha com terno branquinho, aquelas… Aquelas coisa tudo, ele era organizado mesmo, era um homem super organizado. É difícil as pessoas aqui, ver pessoa que era organizado igual ele, assim. Ele organizava mesmo, todo mês ele fazia a reunião com a família, perto da gente, se te desse uma bala assim, eu tinha que pedir pro meus irmão todos na frente dele, se eu comesse, se eu passasse de oito horas sem tomar café, não tomava mais café, tinha que esperar até meio dia pra poder almoçar. Então, ele era uma pessoa super organizada, pra mim aprender a ler e escrever, não pensa que eu gostei, não, foi ele que me ensinou, em casa, lá, me botava eu num quarto e ficava no outro lá, instruindo a gente lá, até fazer uma pergunta. Com todo o movimento dele, mas quando ele estava em casa, aí botava os filhos. Tenho irmão professor, tenho irmão formado mesmo, aí, tem lá no Rio de Janeiro, que ele era muito instruído, assim, ele era um homem coisa mesmo, organizado. Então, isso, a educação que a gente teve dele, é difícil alguém até ter, né, porque pra sofrer assim igual ele sofreu e educar os filhos igual ele educou, né, é muito difícil, né.
Christina: Bom, você gostaria de falar mais alguma coisa ou não?
Moisés: Ah, não, não, eu só queria ver, é pra ver, principalmente assim, lá no Rio de Janeiro, alguns dados dele lá, né, lá no exército lá, nas coisas lá, porque deve ter alguma documentação, né, que fala a respeito dele. Inclusive, diz que no Correio da Manhã, todo dia quando eu era pequeno eu comprava o Correio da Manhã pra poder ver o que que tava acontecendo, o que saía sobre ele, então, eu comprava muito jornal né, Correio da Manhã, O Dia, eu comprava muito pra poder ver, saber. Mas agora parece que tá, né, voltando o movimento lá de novo, né, aí foi aonde eu procurei vim aqui, realmente, né, saber, né.
Christina: Obrigada pelo seu depoimento.
Moisés: Muito obrigado vocês, tá.
Betão: Eu que agradeço.
Moisés: Agora, se vocês puder fazer alguma coisa melhor, né, pra gente saber, né, passar lá no Rio de Janeiro, lá.
Christina: Tá ótimo, e deixa eu ajudar, você quer ajuda? Obrigada Moisés, foi muito bom, porque, é, assim, é uma maneira de procurar te ajudar… Com licença, deixa eu só te ajudar aqui só um pouquinho, você pode puxar agora pra me ajudar aqui… De alguma maneira, com um nome, tudo, e a gente possivelmente, né…