Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora
Entrevista de Antônio Geraldo Carvalho (Toninho Carvalho)
Entrevistado por Fernanda Nalon Sanglard e Antônio Henrique Duarte Lacerda
Juiz de Fora, 20 de janeiro de 2015
Entrevista 008
Transcrito por: Luanda Mendes Garcia
Revisão Final: Ramsés Albertoni (14/01/2017)
Fernanda: Toninho, bom dia! Em nome da Comissão, eu queria agradecer você ter aceitado de pronto, né, o nosso convite. Queria começar pedindo pra que você se apresentasse, dissesse onde você nasceu, a sua data de nascimento, e apresentasse um pouquinho sobre o início, né, da sua profissão de fotojornalista que você desenvolve já há tantos anos.
Toninho: Eu sou Toninho Carvalho e nasci em 1940, dia 12 de novembro, em Juiz de Fora. Comecei a trabalhar em 1955, com 14 anos, e fui aprender fotografia. Me tornei fotógrafo em 1959, fui pro Rio de Janeiro. Teve uma transferência da capital, do Rio pra Brasília. Fotografei carnavais no Rio de Janeiro, na Avenida Rio Branco, na Presidente Vargas. Mas eu era fotógrafo de… uma palavra mais chula, seria picareta, né? O fotógrafo que entra em bares fotografando pessoas, casais. Então, fazia isso em Copacabana, Ipanema, frequentava esses barzinhos todos, né. E no Carnaval também fazia fotos de… escola de samba e tudo. Voltei pra Juiz de Fora em 1962, batendo foto, continuei a fotografar. Em 1964 eu fui trabalhar como revisor na Gazeta Comercial, e aconteceu um fato engraçado que foi logo após a revolução, o… Augusto era articulista da Gazeta Comercial e ele fez um comentário que um ano após a revolução, Juiz de Fora estava cheio de faixas, né, “Viva a Revolução!”, “Salve a Revolução!”, “Viva 31 de março!”, né. E revolução já dizia o que que acontece, o próprio português, né. A revolução puxava um gancho, revolução, né, “Salve a Revolução!”, “Viva a Revolução!”. No dia seguinte a matéria saiu sem sentido… fazendo uma gozação com as faixas todas erradas, português todo incorreto que tava em Juiz de Fora. Que ainda o povo acreditava em revolução naquela época, né, 1965. Esse é um fato engraçado porque eu já era fotógrafo, mas não fotografei as faixas. Mas, no Mercantil, deve ter essas fotos arquivadas, na prefeitura, agora, no Arquivo Municipal. Que o Jorge Couri, na época, e o Roberto Dornellas devem ter fotografado essas faixas, né, escrito errado. E eu fazendo a revisão, fui, consertei todo o português, porque a matéria saiu toda sem sentido… falando mal de mim, pô, metendo o pau em mim que era revisor.
Fernanda: Que época que… essas faixas?
Toninho: Isso foi dia 31 de março de 1965. Um ano após.
Fernanda: Comemorando um ano depois?
Toninho: Comemorando um ano da revolução, “Viva a Revolução!”, “Salve a Revolução!”. Um ano de revolução. As faixas tavam… Aí, em 1967, eu continuei fotografando. Mesmo como revisor, eu revisava de madrugada, de dia eu fotografava. E, continuando, em 1967 eu fui pro Mercantil, era fotógrafo do jornal.
Fernanda: Então, até 1967 você tava no Diário…
Toninho: Na Gazeta Comercial.
Fernanda: Na Gazeta Comercial. E em 1967 você vai pro Diário Mercantil.
Toninho: Mas só que como revisor, depois como fotógrafo no Diário Mercantil. E dessa época em diante eu fiquei até 1970… 1971. Aí fui pra São Paulo, fui pro ABC Paulista, trabalhar no Diário da Rede ABC. Aí peguei todo aquele período todo do Lula lá, das greves de 1971, 1972… Santo André, São Bernardo, São Caetano. Voltei pra Juiz de Fora em 1978, Mercantil de novo. Fiquei até o jornal fechar, 1983 né, novembro. Aí, 1984 eu fui pra Tribuna, fiquei até 1993… fiquei desempregado, fui demitido. Primeira demissão da minha vida, nunca tinha sido demitido. Fui demitido, fiquei 1984, 1985, fui pro Diário Regional, não, no caso foi Tribuna de Minas, Tribuna de Minas… como é que foi o negócio? Pera aí… Fui pra Tribuna em 1984… 1985? Fiquei até 1993 na Tribuna, aí fui demitido. Aí fiquei 1984… 1994 fui pro Diário Regional. Diário Regional eu fui pra… Saí em 1997, aposentei. Aí fui trabalhar na sucursal do Jornal do Esporte aqui em Juiz de Fora, em 2000. Aí fiquei um ano só e parei. Mas o Cesar Romero, eu sempre estive envolvido com a coluna social. César Romero até os dias de hoje, né, mesmo aposentado. Hoje eu sou fotógrafo só de coluna social. No dia-a-dia…
Fernanda: Hoje é só coisa boa!
Toninho: É, festa!
Fernanda: Toninho, só pra esse período que você esteve, especialmente, já como fotógrafo do Diário Mercantil, né, aí nos anos 1960, fim dos anos 1960, como que era o dia-a-dia, com quem que o senhor trabalhava na redação, e como que era essa rotina de trabalhar num período de ditadura?
Toninho: Engraçado, é o seguinte, porque nós, como fotógrafos, a gente é mais uma… quase que uma máquina, né. Nós fazemos hoje a foto de hoje, a notícia de amanhã, né, que será história. No futuro vai ser história, né. Então, quantas entrevistas foram feitas comigo lá, eu fui fazer com o repórter lá na Penitenciária de Linhares, quantos julgamentos já fui ali na Praça Antônio Carlos pra fazer, fotografar o julgamento de algum preso político, né. E na Penitenciária de Linhares praticamente metade era preso político, né. Então, assim, tem vários momentos em que eu tive lá na Auditoria de Guerra… da Justiça Militar, e fui impedido de fotografar. Então, fui impedido de fotografar, voltava. Acabava que se eu invadisse lá e fosse fotografar, seria preso também. Mas teve fatos que, às vezes, eu com… objetivo, né, menos potente como hoje é, né. Fotograva assim mesmo, escondido, sem flash, né? Mas naquele tempo era filme, só via depois… que você ia ver o que… Então, foram muitos julgamentos que eu fiz, muitas entrevistas que foram feitas lá em Linhares. Eu lembro quando teve aquele sequestro do embaixador americano que foi pedido 40 presos políticos, né. E tinham oito que eram de Juiz de Fora, parece.
Fernanda: Oito que estavam aqui em Linhares?
Toninho: Aqui em Juiz de Fora, presos, na época, eu não me lembro quais eram. E o Jorge Couri me colocou de plantão, que os jornais a gente trabalhava até 6 horas da tarde e… plantão era em casa. Ele falou “Ah, teve um acidente”, então cobria.
Fernanda: Jorge Couri era o chefe da fotografia?
Toninho: Era o chefe da fotografia. E o Jorge Couri me deixou de plantão, porque ele sabia que horas que o exército ia levar esses presos pro Rio de Janeiro pra se juntar aos outros que iam pra Argélia, né. Eu fiquei de plantão a noite inteira, no dia seguinte eles saíram em comboio… de avião, que o avião só saía 5h30 da tarde, era o último avião que saía daqui, e depois de 5h30, 5h35, não saía mais nenhum não. Só de manhã, não tinha aparelhagem ainda. Então, eu fiquei de plantão esperando o exército comunicar que horas que iam ser levados. Mas só que comunicaram o Jorge Couri primeiro e o Jorge acompanhou o comboio, mas deixou um bilhete pra mim, mandou um recado pra mim, que eu fosse cobrir um acidente que teve ali naquela curva da Rua São Mateus, né, ali, que sai do Teixeiras? Teve um acidente feio com um rapaz que era filho de um milionário de Juiz de Fora… bateu com o carro, abraçou com um fusquinha e abraçou com o poste. Morreu os dois, ele e o colega dele. Um acidente feio pra caramba. E eu acabei não cobrindo esse transporte de preso político pro Rio.
Fernanda: Mas alguém foi?
Toninho: O Jorge Couri.
Antônio: Então, aquelas fotos que foi tirada no QG…
Toninho: É do Jorge Couri.
Fernanda: Isso foi que ano?
Toninho: 1969, me parece. E é engraçado que as minhas lembranças de arquivo, eu mexo muito com arquivo, eu adoro mexer em arquivo de jornal. Tanto que eu vi agora, há pouco tempo, apareceu uma foto da Dilma Rousseff, né, com o Pimentel sendo julgados em Juiz de Fora, aquela foto foi tirada pelo Toninho Maria. Só que acontece que eles colocam assim “autor desconhecido”. Não, aquela é foto do Toninho Maria. Que eu já estava… quem cobria mais lá, como é que chama? Julgamentos, era eu. Depois fui pra São Paulo e aí, o que acontece? Só ficou o Toninho e o Jorge. O Jorge não saía pra cobrir essas coisas, julgamento. Quem ia era o Toninho Maria. Então, essa foto foi o Toninho Maria que fez, morreu agora em setembro, né.
Antônio: Isso é ótimo porque ela tá no arquivo histórico, o negativo tá lá.
Toninho: Então, qualquer dia eu vou falar com o Bruno, “Oh Bruno, deixa eu trabalhar lá um ano pra mim identificar aquelas fotos, porque eu sei todas as fotos”.
Fernanda: Tem que pedir pra esse rapaz aqui!
Antônio: Eu tô… elas todas.
Toninho: Ah é? Eu preciso ir lá, eu vou falar com o Bruno uma hora, eu quero mexer naquilo lá, eu vou identificar todas as fotos.
Antônio: Pode ir lá que nós estamos à disposição.
Toninho: Inclusive, na época que o Jorge Couri aposentou eu que ajudei a procurar fotos. Que naquela época o INSS aceitava fotos como prova de… E teve um acidente lá na Rua da Volta da Miséria, na Curva da Miséria, na Bernardino, que foi na minha casa, né. E os anos passaram… O Jorge tava começando. 1948, eu era menino, tinha sete, oito anos, e o Jorge Couri achou essa foto no arquivo, achei essa foto no arquivo, que ajudou a aposentadoria do Jorge, pra poder… minha foto tava lá assinada por Jorge Couri, né, que saiu no Mercantil. Então, eu quero mexer nesse arquivo lá que… Nossa Senhora, tem muita coisa ali que é minha e tem muita coisa que são de outros fotógrafos, de Jaime Santos, Toninho Maria, Amado…
Antônio: Ótimo!
Fernanda: Oh Toninho, e essas… na Auditoria, julgamentos, esse tipo de atividade, que o senhor disse que cobria, como que funcionava o trabalho jornalístico seu como fotógrafo e do repórter que ia junto? Havia uma abertura pra que vocês entrassem ou nem sempre era possível entrar?
Toninho: Não, não… quando chegava no fórum eu ia no oficial de justiça pedir autorização. O oficial de justiça era o juiz e ele que autorizava ou não a entrada do fotógrafo pra poder fotografar. Aqui no fórum também. Hoje tá mais fácil, claro que você lá do fundo você fotografa… e a tela objetiva. Naquela época nós usávamos uma lente comum, né, de 50mm, no máximo 100mm. Então, você tinha que chegar quase que pertinho do cara. Fotografar um julgamento, o réu ou o próprio juiz na mesa. Então, você tinha que pedir pra subir lá no palco, né, que antigamente tinha um palco. Então, você tinha que pedir autorização. Teve uma vez que eu lembro que o Geraldo fez o pedido, né.
Fernanda: Geraldo o quê?
Toninho: … que o filho dele era delegado e ele era jornalista do Diário Mercantil, mandou um bilhetinho pro juiz pedindo autorização e, lá do fundo, eu percebi que o juiz escreveu, virou o… ao contrário, e escreveu “Não!”. Não com um quadrado em volta, né. E ele fez “Oh, não deixou não, pô!”. Eu virei as costas e fui embora, porque o que eu ia fazer? Não tinha como eu fotografar, o juiz já tinha mandado um bilhete, “Não!”. Não deixou eu fotografar e eu não lembro quem era o julgado… o jurado… o réu.
Fernanda: E o senhor lembra quem era o juiz?
Toninho: O juiz era o… O promotor eu lembro que era o… como é que chama?
Fernanda: Simeão Faria.
Toninho: Simeão de Faria. Ele era mau pra caramba, brabo pra burro, entendeu. Simeão de Faria eu lembro, que eu fiz muitos julgamentos que ele era o promotor, né, mas…
Fernanda: Tinha um juiz que chamava “Jacaré Engomado”?
Toninho: Não, Jacaré Engomado ele era professor. Eu lembro que ele foi meu professor inclusive, de português, pô, que era o Waldemar Lucas de Carvalho.
Fernanda: E ele era juiz?
Toninho: Eu não sei se ele era juiz, ele foi meu professor de ginásio, pô. Andava todo engomadinho, como é que é, abotoadura, não sei o quê. Chamava de Engomado ele ficava “p” da vida. Mas ele parece que pertencia realmente, eu não me lembro disso não.
Fernanda: Não lembra dele? E o Marco Aurélio Marques, o senhor lembra? Um juiz, um juiz que foi caçado, que foi aposentado?
Toninho: Eu me lembro que foi uma época tão…
Fernanda: Marco Aurélio é o filho dele, né. Antônio Marques…
Toninho: Não…
Fernanda: Antônio de Arruda Marques.
Toninho: Não lembro não.
Antônio: Antônio de Arruda Marques.
Toninho: Se eu ver… eu lembro de um oficial de justiça que até hoje eu encontro com ele na rua, eu lembro do Simeão de Faria…
Fernanda: Você lembra o nome desse oficial de justiça?
Toninho: Agora eu não lembro não, mas eu encontro sempre com ele na rua. E até hoje ele até me cumprimenta. Ele, às vezes, fazia, como que era? O transportador de pedido da… Naquela época era assim, a gente fotografava… tinha aquele negócio da… Tradição, Família e Propriedade.
Antônio: TFP?
Toninho: TFP. Eles iam fazendo alvoroço, cheio de bandeiras na Rua Halfeld ali, o Jorge Couri sempre ia lá, 5h, 6h, que era o horário de jornal mais pesado, né, tava fechando o jornal. E eu ia fotografar, quando voltava já tinha dois soldados lá esperando revelar o filme, pra gravar o filme, voltava oito horas da noite, voltava com duas chapinhas, dois negativos só, que o filme tinha ficado lá. Então, eu fazia às vezes 30 fotos, 20 fotos, quando voltava tava com dois negativos só… tinham dois policiais, dois soldados do exército.
Fernanda: E os soldados, eles só ficavam na porta ou eles entravam dentro da redação?
Toninho: Eles entravam dentro da redação. O Jorge Couri revelava e entregava na mão dele o filme revelado.
Fernanda: Aí eles iam pro quartel…
Toninho: Iam pro quartel, quando voltavam vinham com dois negativos ou três…
Fernanda: Que era o que podia publicar.
Toninho: Às vezes tinham fotos lindas, fotos que eu tinha feito, mas, no fundo…
Fernanda: E que tipo de fotografias, normalmente, eles levavam todas ou tinha algum tipo de cobertura que era mais…
Toninho: Eles censuravam tudo, né. Na época censurava música, censurava fotografia, censurava tudo. E a gente não podia fazer nada, era um “pau mandado”. No caso, o fotógrafo, principalmente, era um “pau mandado”, porque você chegava com um filme, aquilo que você fez não era publicado, não adianta. Igual você fazer uma matéria comercial, você faz uma… o cara gostou, o dono lá da loja vai escolher a pior foto, mas ele gostou, né. Então, não é um jornalismo que a gente gosta de fazer, que você quer criar também, né. Criar, não é inventar, mas pegar um ângulo diferente, né.
Fernanda: E acontecia desses negativos não voltarem a tempo da edição fechar?
Toninho: Não, voltava a tempo. Sempre voltava. Mas os outros ficaram por lá, nunca mais vi.
Fernanda: Apreendia mesmo o material…
Toninho: Destruíam, né?
Antônio: Mas eles eram regulados, né?
Toninho: Eram regulados…
Antônio: No jornal… o jornal mandava aqueles pequenos… aquelas revelações pequenas?
Fernanda: Mandava o negativo, revelava o filme.
Toninho: Não, o filme tem 36 fotos, né. Então, revelava o filme, mandava o filme inteiro.
Fernanda: Não revelava a foto, mandava o filme, né?
Toninho: Revelava, mandava o filme, eles escolhiam o negativo que podia publicar, cortava. E mandava só os negativos publicados.
Antônio: O senhor estava aqui no dia 31?
Toninho: De 1964? Tava. Mas fotógrafo, não era de jornal ainda. E eu vi toda aquela guarda, a tropa indo pro Rio de Janeiro, o povo à volta, a cidade aplaudindo… a Rio Branco ali, a tropa passando, 5h, 6h da tarde.
Fernanda: As mulheres, dizem que as mulheres jogavam flores…
Toninho: Jogavam, ah, tava… Tanto é que eu falei, um ano depois o povo ainda acreditava que a revolução era… Juiz de Fora tava cheio de faixas, né, “Salve a Revolução!”, “Viva a Revolução!”, 31 de março, né, 1965, um ano depois ainda havia crédito. Depois acho que os militares gostaram do poder…
Antônio: O senhor fez fotos nesse dia?
Toninho: Dos desfiles não. Porque eu era fotógrafo…
Fernanda: Da saída das tropas.
Toninho: Não, porque eu não trabalhava em jornal. Eu era aquele fotógrafo que fotografava pra ganhar dinheiro. Não era fotógrafo de jornal. E o senhor Jorge Couri, na época, era o fotógrafo do jornal, era o Jorge Couri, Roberto Dornellas que ainda tava no jornal, Roberto Dornellas… já morreu… já foi pra prefeitura, e já morreu. Eram os três fotógrafos que tinham em Juiz de Fora que faziam foto de jornal, era… da Gazeta, e o Roberto Dornellas e o Jorge Couri eram do Mercantil.
Fernanda: E o Diário da Tarde e o Diário Mercantil funcionavam com os mesmos fotógrafos?
Toninho: Eram os mesmos fotógrafos, tanto é que nós, fotógrafos do jornal, nós ganhávamos um pouco mais que o repórter, porque tinha repórter do Mercantil e tinha repórter do Diário da Tarde. Nós fazíamos fotos pros dois jornais. Tanto que tínhamos que guardar segredo, às vezes eu ia na polícia, fotografava um vagabundo lá, um assassino, um fato qualquer, e eu não podia falar. Se o repórter do Diário da Tarde não descobrisse… Mas sempre fazia mais, que aí, se descobrisse, então, saía nos dois jornais, porque um não copiava o outro não, passavam vergonha não. Mercantil era o Mercantil, Diário da Tarde era o Diário da Tarde. Mesma empresa, mas…
Fernanda: E como é que era o comportamento das empresas jornalísticas, dos donos desses jornais, dos editores, dos chefes em relação aos militares, em relação a essa ação do golpe? Era de apoio, era de medo…
Toninho: Obediência.
Fernanda: De obediência?
Toninho: É, de obediência.
Fernanda: Mas por que dependia financeiramente de recursos, era medo que o jornal fechasse…
Toninho: Medo do jornal fechar, porque era… pra caramba, né?
Fernanda: Mas apoiaram o golpe, mesmo…
Toninho: Apoiaram como o povo apoiou, né. Na época apoiou, o jornal na época acreditava, né. Depois é que a coisa degringolou, pô, virou uma baderna depois, mandava e desmandava. Foi de 1966, 1967 pra frente é que a coisa piorou. Quando Castelo Branco tava no poder, ele morreu em 1967, né. Foi acidente de avião… que aquilo foi também armado, né. Que o Castelo Branco parece que, o que eu sei, queria entregar o poder aos civis, no entanto, arranjaram com aquilo, aí entrou Costa e Silva, né, linha dura pra caramba. Depois entrou… Médici, então, pior ainda. Aí, a coisa foi ficando cada vez pior, né.
Fernanda: E as suas lembranças de 1964, Toninho, desses dias imediatamente antes, imediatamente depois, essas notícias, como que o senhor via, apesar de não tá ali dentro da imprensa, como que as pessoas tinham acesso às informações? Como que o senhor ficou sabendo que, de fato, as tropas estavam saindo de Juiz de Fora, que iam tomar o poder, que o João Goulart tinha sido deposto…
Toninho: Através de rádio, jornal, a gente lia sobre isso, não só ouvindo rádio de Juiz de Fora, mas rádios de fora também. Foi transmitido até pela televisão, muita coisa teve transmissão da televisão. E, na época, se acreditava, no início se acreditou, depois é que o negócio piorou, começou a haver prisão de repórteres, começou a haver morte. O… quando morreu, eu tava em São Paulo, eu trabalhava em São Paulo, 1973 me parece, né? Ele morreu em 1974… Aquela época foi uma época, as piores que teve. A revolução foi a partir de 1970, aliás, em 1968, a partir do AI-5, em dezembro de 1968. Eu lembro que eu fiz inauguração de uma praça ali na rua… no Bom Pastor, tinha um ponto de táxi, ali tinha uma pracinha, não existia igual hoje aquela entrada ali, não tinha aquele trevo no Bom Pastor não. Passava direto na… o bonde, tinha bonde e tudo. Aí, o que acontecia? Aconteceu… Eu… praça Assis Chateaubriand, onde tem um ponto de táxi ali no Bom Pastor. Era um trevozinho pequenininho, e tinha um busto, a… que foi inaugurar, que o senhor Renato tava fora de Juiz de Fora, que era o diretor do jornal, e isso eu comentei que… nós estávamos no gabinete dele, sobre 1968, que tem uma foto do César Romero, essa foto que eu fiz saiu dois dias depois, que sempre que batia uma foto 8h da noite, você revelava no dia seguinte, pra sair no outro dia, né. Hoje você bate 8h, 10h da noite, sai no dia seguinte. E tem um moleque na foto, o moleque tá fazendo assim. Moleque de uns 14, 13 anos, era o César Romero. Eu comentei isso com o Itamar, o Itamar falou assim “Ah, aquela praça que eu inaugurei as 8h da noite e que, de manhã, amanheceu dia 31 de março, era de madrugada, eles foram lá, tirou o busto, jogou no jardim do Mercantil”.
Fernanda: Era o busto de quem?
Toninho: De Assis Chateaubriand, que era o presidente dos Diários Associados. Arrancou o busto dele, jogou no jardim do Diário Mercantil, e pôs uma placa lá “31 de março” (risos). Praça 31 de Março. Itamar lembrou disso, foi dezembro de 1968.
Fernanda: O Itamar era prefeito?
Toninho: Era prefeito de Juiz de Fora. E, então, o César Romero era um moleque, não era nem jornalista, fazendo toda… Eu falo assim, que toda foto que você faz, de um acidente, de um comício, tem um cachorro vira-lata e tem uma criança querendo sair na foto. De costas pra onde tá o acidente, mas querendo fazer o V da vitória, em toda foto tem um, percebe. Tem fotógrafo que até foge de criança, acidente de dia, comício, cachorro vira-lata e criança. E o César Romero era uma criança na época, tinha 13, 12 anos, fazendo o V da vitória, a foto de capa… Mercantil, 18 de dezembro de 1968. Que a coisa começou a ficar braba, que foi o AI-5. Negócio começou a pesar, nego sumir, desaparecer.
Fernanda: E o senhor teve colegas aqui de Juiz de Fora, de outros lugares, que chegaram a ser detidos, chegaram a ser presos?
Toninho: Em Juiz de Fora teve casos. O Riani, por exemplo, é meu amigo até hoje, pô. Riani foi um que penou, né. Mas tem um aqui que, inclusive, eu fui muito amigo do pai dele, que ainda é até vivo até hoje, que é o Sansão, Luiz Antônio Sansão. Tanto que ele recebeu acho que uma indenização do governo, na época, o Luiz Antônio Sansão foi preso, torturado… É fotógrafo, tem um estúdio ali, né. Então, o Sansão foi um dos… que eu me lembre, ele, mais quem? Memória também já tá ficando meio falha, né. Vai ficando mais velho e…
Fernanda: E o tratamento dos jornais em relação a essas pessoas era sempre como subversivo, comunista, né, era…
Toninho: Ah, não enaltecia não… O exército era subserviência. Quantas vezes… ia entregar um diplominha qualquer lá, tinha que cobrir. E tinha que chegar antes de… Não era como hoje, chegar atrasado, o fotógrafo, você pede o general ele repete o ato, né. Naquela época não. Me lembro do… 1970? Dezembro de 1970. O Costa e Silva teve aqui pra ir lá entregar uma… um diploma pra formatura de CTU, e ele entregou lá dois ou três diplomas só e saiu, né. Foi sábado, meio-dia, né. Começou 10h da manhã, meio-dia, mais ou menos, ele saiu na porta do Central… E ele casou aqui em Juiz de Fora, na Igreja da Glória.
Antônio: O Castelo Branco?
Fernanda: O Costa e Silva?
Toninho: Não, o Costa e Silva.
Fernanda: Com quem que ele casou?
Toninho: Iolanda Costa e Silva1.
Fernanda: Ela era de Juiz de Fora?
Toninho: Ela morava aqui, devia ser filha de um oficial também do exército, que ela morava na Rua Paula Lima.
Fernanda: Por isso que tem tanto lugar com o nome do Costa e Silva…
Toninho: É, porque… engraçado que eu vi isso na coluna do Arides Braga, que eu tenho muita mania de ler jornal velho, li na coluna do Arides Braga, “Diz que diz se dirá”, porque “se dirá” é Arides de trás pra frente, né… 30 anos. Então, tá lá, “No dia de hoje, casam-se a senhorita Yolanda, com o jovem tenente Artur da Costa e Silva, na Igreja da Glória”, bá-bá-bá, “residente na Rua Paula Lima”…
Fernanda: Isso foi em que ano, esse casamento?
Toninho: Ah, início, mais ou menos, década de 1970… 30 anos, deve ter 1940, né.
Fernanda: 1950, 1940…
Toninho: É, por aí, 1950, 19402… Se procurar nos arquivos tem, Mercantil tem todos lá, deve achar esse fato. Que a gente brinca porque o único presidente brasileiro que casou em Juiz de Fora foi o Costa e Silva, porque o Itamar Franco casou lá no Rio, né… era de Juiz de Fora e ele também, mas casou lá no Rio, lá… Mas o Costa e Silva saiu na porta do Central e disse “Deixem que eu quero lembrar dos meus tempos de tenente”. Eu lembro que eu tava perto, assim, uns cinco metros, “Deixe que eu quero lembrar dos meus tempos de tenente”. Meio-dia e meia, na Rua Halfeld, você imagina, se hoje que é cheio você imagina há 30, 40 anos atrás? Isso foi em 1970. A Rua Halfeld ficou pavorosa, os seguranças dele, mas ficaram igual doido. “Eu quero tomar um café na Casa do Café, Café Santa Helena”. E subiu a pé a Rua Halfeld, os seguranças ficaram doidos, só faltavam dar soco nos caras pra deixar o presidente passar.
Fernanda: E o senhor cobriu?
Toninho: Eu cobri esse dia, tem foto. Mas depois teve o almoço aqui em Juiz de Fora, eu fui expulso. Eu subi no elevador, quando cheguei lá em cima, alguém me pegou aqui por trás pela calça, eu desci no ar pelo elevador (risos).
Fernanda: Um militar?
Toninho: Um militar, era militar porque eu vi na cara dele. Do jeito que ele me pegou, me pegou assim, pôs o elevador pra descer e chegou lá embaixo ele falou “Fotógrafo não entra, pô”.
Fernanda: Ou seja, tudo o que eles queriam tinha que cobrir…
Toninho: É…
Fernanda: E mesmo sendo evento militar, se eles não quisessem não podia entrar?
Toninho: Não podia entrar, não deixava mesmo. Tinha credencial e tudo, antes era mandado, qualquer evento, inaugurar estrada, inaugurar uma qualquer coisa, credencial tinha que ser pedida.
Fernanda: E todos eram aceitos, ou tinham credencial…
Toninho: O Wilson Cid era um que sempre voltava sem a credencial. O jornal mandava, quem vai cobrir, “O repórter tal”. O Wilson Cid sempre voltava, a dele não. E eles não explicavam o porquê também não. Era não e acabou. Aquela era uma época de… uma época que o… foi morto, né. Aliás, suicidaram ele (risos). Eu fui no quartel pra fotografar, pô. Me deixaram entrar? Me deixaram entrar de jeito nenhum, fiquei lá fora. Fotografia era uma multidão, aquela confusão de repórter querendo entrar. Então, tudo era credencial com antecedência, quatro, cinco dias de antecedência. Quando veio 1976, quando inaugurou a… O Geisel veio em Juiz de Fora com o Figueiredo, já era candidato a presidente, né. E eu trabalhava em São Paulo, o Jorge Couri…
Fernanda: Inaugurar a pedra fundamental da Mendes Júnior.
Toninho: Da Mendes Júnior, isso mesmo. E aí eu peguei, o Jorge Couri me ligou dia 20 de outubro, e eu vim. O Geisel teve aqui dia 23, eu fotografei toda a solenidade, tinha a credencial já, já tinha pedido pra mim… na prefeitura, na Rua Halfeld, na Rio Branco. Tem uma foto minha, bonita, ele em frente à prefeitura antiga, uma foto pro Mercantil, primeira página. Aí, inaugurou o Ministério do Trabalho, ali na Santo Antônio, Arnaldo Pietro que era o Ministro do Trabalho. Aí, eu voltei pra São Paulo, o Jorge falou assim “Vai lá, pede demissão e volta. O seu lugar tá aqui”… não tô a fim de São Paulo mais não. Troquei, vamos supor, eu ganhava 10 mil reais lá, vim ganhar 2 mil aqui. Uma suposição, ganhava cinco vezes menos, mas aqui você tem mais vida. Eu larguei tudo, eu já tinha dois filhos, então, eu vim embora pra cá, em 1977 eu vim embora. E assumi o Mercantil de novo, né. Mas o evento era 23 de outubro, voltei dia 26, pedi demissão, novembro eu já tava de volta. Tava de volta e assumi o Mercantil, em janeiro de 1977.
Fernanda: E por quanto tempo, Toninho, o senhor lembra que durou essa censura prévia às fotos, às fotografias do jornal?
Toninho: Quase todo o período da revolução, todo o período da revolução. Tinha aquele negócio de fotografar, jornal tinha que obedecer o exército… Eu fui pra Santo André, não era tão forte, tão braba a coisa lá, porque lá era Tiro de Guerra, né. Então, não era São Paulo, capital. Mas tinha, era uma situação assim meio constrangedora que a gente… Eu lembro de um fato que aconteceu, eu tava cobrindo um 7 de setembro, em São Paulo, e aí, de repente, chegou dois soldados perto de mim, um monte de fotógrafo, mais de 30 fotógrafos cobrindo a parada de 7 de setembro, chegou dois caras perto de mim, “O senhor tá sendo convocado ao palanque”, né. Aí, todo mundo, os fotógrafos todos assustados, eu falei “Daqui a pouco eu vou lá”, “Não, agora!”, enfiei no meio dos dois e fui embora pro palanque. Cheguei no palanque, a escadinha lá, eles pararam na porta e eu subi. Cheguei lá, na época o governador lá era o Sodré, Abreu Sodré, um baixinho. E o general era o Ariel Pacca da Fonseca, comandante do 2º Exército. Quando eu subi ele falou “O senhor não é daqui não, né?”, eu falei “Não senhor!”. Eu olhei pra cara dele, pensei logo, né, porque ele serviu aqui em Juiz de Fora, foi comandante aqui. Aí eu falei “Não senhor, eu sou de Juiz de Fora. Eu sou de Minas, sou de Juiz de Fora”, “O Diário da Tarde? Como é que vai o Ismair Zaghetto?”. Ele lembrou do Ismair Zaghetto (risos). Aí me cumprimentou, não sei o quê, bá-bá-bá, e me deu carona. Um dia que o Dom Roriz chegou aqui em Juiz de Fora, ele foi fazer uma visita ao quartel, e o general… porque toda autoridade que chega numa cidade, seja… militar, qualquer visita já constituída, né. E o bispo chegou, foi visitar o general, visitou o prefeito, visitou polícia lá, o comandante da polícia, e visitou também o general. E eu tava cobrindo um evento ali na Igreja da Glória, isso 1969 por aí, o general é daqui. Eu pedi carona ao general, porque o jornal não tinha carro, senão eu ia ter que descer a pé e eu ia chegar atrasado lá, né. Aí, eu falei com o coronel Félix, o coronel ficou com medo de falar com o general, peguei e falei “Oh general, por favor, podia me dar uma carona que eu vou cobrir o mesmo evento que o senhor vai receber o arcebispo”, “Então, entra aqui”. Aí eu entrei no carro do lado dele (risos), do lado dele, no… de trás. O coronel foi… sentou no banco da frente, né. O maioral senta atrás, né. E eu sentei do lado dele, no banco de trás, ele me deu carona, eu entrei no quartel. E ele lembrou disso, magrelo, né. As pessoas magras marcam mais que o cara normal, né. Ele lembrou disso quando me viu cobrindo. Mas, aqui, a revolução foi uma época muito pesada, não se publicava tudo. Eu lembro do Estadão, publicado na primeira página do jornal tinha receita de pastel, receita de empadinha, bolo… Era matéria que foi censurada e o jornal não tinha outra não, fazia ostensivamente, foi um jornal que encarou a revolução e punha mesmo, receita de bolo…
Fernanda: E os outros jornais aqui em Juiz de Fora passaram a seguir também isso, de publicar letra de música, receita de bolo?
Toninho: Não, não tinha peito pra isso não.
Fernanda: E o que que faziam com esses espaços?
Toninho: Colocavam outras matérias, inventavam uma materinha qualquer lá, uma entrevistinha com alguém por telefone, e pronto. Mas não publicava… O Estadão sim, o Estadão era a própria potência, né. O Diários Associados já tavam em decadência já, o Associados no Brasil já tavam em decadência naquela época. O Chateaubriand já tinha morrido, o… tava quase morrendo, então, não tinha mais aquela potência que foi o Associados na época, no início da década de 1950, 1940. Agora, o Estadão sempre foi forte, né, encarava. O Jornal do Brasil também era outro, né, que também… a revolução com um…
Fernanda: E os jornais e os fotógrafos podiam ir cobrir as manifestações sindicais, os movimentos estudantis?
Toninho: Ah, cobria, cobria.
Fernanda: E isso saía ou cobria e não publicava?
Toninho: Cobria, a gente fazia o seguinte… na época eu até peguei um vício, de cobrir movimentos de greve, eu fotografava, geralmente, pra mostrar a quantidade, eu mostrava a plateia de fundo, a plateia de costas pra mim, pra não identificar.
Fernanda: Isso era uma coisa sua ou era uma orientação do jornal?
Toninho: Não, era uma preocupação minha mesmo. Preocupação pra não identificar porque eles ficavam olhando.
Fernanda: Pras pessoas não serem presas?
Toninho: Isso. Mas a mesa eu tinha que fotografar, não tinha como eu fugir e fotografar de costa a mesa. Quem dirigia tinha que assumir aquilo que tava… Agora, os participantes não. Então, eu peguei esse vício de fotografar de costas, tanto que eu fui chamado a atenção no jornal já, recentemente, já bem mais tarde, que eu fotografava um evento assim que ia falar sobre frio, eu fotografava de costas, e falava sobre verão, a pessoa de costas, “Pô, você só fotografa de costas!”. Hoje em dia é até normal, né, porque, autorização, você não pode usar a imagem das pessoas, né, mesmo na rua, né. Mas eu tirava de costas porque eu queria proteger quem tava participando de uma manifestação de greve, uma organização de greve, pra salário maior. E tem um… aqui em Juiz de Fora que eu fiquei sabendo depois que eu aposentei, é o Valério, conhece o Valério? É da PF. O Valério um dia… que ele parece muito comigo, meu cabelo hoje tá branco mas sempre foi preto e enrolado, né, e usava barba, era barbudo. Sempre fui barbudo, e o Valério deixou crescer a barba, cabelo dele crespo também, magro como eu, um pouco mais forte, ele… Eu não uso máquina como os fotógrafos usam, os fotógrafos usam máquina pendurada no pescoço ou no ombro, né, eu uso máquina no colo, a máquina é uma criança pra mim, que ninguém põe a mão, nem criança, nem Deus, nem ninguém. “Deixa eu dar uma olhada”, na minha máquina ninguém põe a mão. Então, eu… ele percebeu isso que eu sou um fotógrafo diferente, não uso a máquina no pescoço, nem no ombro, é no colo. E ele me via sair de uma solenidade, de uma manifestação de greve num salão, na AABB, ali no Banco do Brasil… Banco do Brasil não, Bancários… Ele ficava do lado de fora, como ele me via sempre no jornal, você não pode ficar parado assistindo todo uma… você fotografa e vai embora porque você tem outras pautas pra cobrir. Ele ficava olhando e quando eu saía ele ia no meu lugar, ficava encostado na parede com a máquina no colo, e ficava só pescando, mas fazia foto também, né. Pra entregar os caras.
Antônio: X9?
Toninho: Ele era da Polícia Federal, aposentou na Polícia Federal. Você vê, em tempo de eu apanhar na rua, por causa dele, porque se passava por mim (risos). Isso agora já no final, na década de 1970, por aí. Pelo fato de eu carregar no colo… pra baixo. Então, ficava encostado vendo, pessoa nem desconfiava que o fotógrafo tava até com outra roupa, pela cara, e a máquina é mais importante que a roupa. Então, foi sempre brabo, o jornal obedecia, fazia o que o exército mandava.
Fernanda: E tinha outras orientações, Toninho? Coisas que os próprios jornalistas percebiam que não deveriam fazer, no sentido de autocensura ou recomendações dos editores, do chefe de fotografia pra não fazer determinado tipo de foto?
Toninho: Não, não, nunca tive essa orientação do que não fazer, e eu fazia. Tanto é que chegavam, voltavam… Então, eu ia fazer uma entrevista com um preso político… lá no Linhares, era autorizado, entendeu? E, numa entrevista, não tem como você mostrar mais que a entrevista em si, né. Eu fotografava o cara que deu a entrevista e bá-bá-bá. Agora, o texto é que o cara ficava preocupado porque o repórter pode escrever aquilo que ele… Se eu faço uma foto aqui sua, se fosse dentro do presídio, era outra coisa, né, porque, geralmente, era uma sala, reservava uma sala pra dar entrevista. A sala era isso aqui, uma mesa, né, uma parede e mais nada. Só tinha como fotografar o cara, sentado numa mesa, o fotógrafo do outro lado, não tem nada que…
Fernanda: Nunca tinha acesso à cela?
Toninho: Às celas não, nunca tive acesso a cela nenhuma.
Fernanda: E o senhor lembra do caso do Milton? Quando, em 1967, o Milton vem a morrer… Milton Soares de Castro vem a morrer na Penitenciária de Linhares?
Toninho: Não, não lembro não, porque foram tantas coisas que aconteceram naquela época, eu não me lembro. Sinceramente não me lembro.
Fernanda: Era um que a Daniela Arbex depois descobriu a cova dele no cemitério aqui de Juiz de Fora. Você não lembra desse tipo de cobertura?
Toninho: Não, não lembro não.
Fernanda: Essas informações de torturas, de violações, isso chegava pra imprensa ou isso era escondido, abafado pelo exército?
Toninho: Era abafado, tanto é que o Wilson Cid, por exemplo, era o repórter mais rebelde que tinha na época, o Wilson Cid era um repórter que o… Cavalieri, ele dizia que tinha medo do Wilson Cid, porque ele era meio treteiro em termos de… político tinha medo, tem medo do Wilson até hoje, né. Cavalieri ficava apavorado quanto tinha que entrar de férias e o Wilson assumia o lugar dele. Ia ter processo em cima do jornal, sempre tinha processo em cima do jornal… que o Wilson cobria. As credenciais pro Wilson a maioria eram negadas pra cobertura no quartel. Que o Wilson Cid ele era brabo, pô, caneta brava, pô.
Antônio: Então, murmúrios sobre tortura, sobre mortes, em quartel…
Toninho: Nada. Não que a gente fosse… mas não sabia nada, nada.
Fernanda: E outros casos como, por exemplo, do Troiano, de juiz-foranos que estavam ou na Guerrilha do Araguaia, ou no Caparaó, que era o caso do Milton, do Gabriel Sales Pimenta, que foi advogado, que foi morto lá na… Esses casos chegavam, isso era noticiado de alguma forma, você lembra?
Toninho: Não. Quando o Pimenta morreu eu lembro que foi noticiado sim. Quando o Pimenta morreu eu lembro da morte do Pimenta sim.
Fernanda: Lá no Pará, né.
Toninho: A situação já tava bem mais amena, até. Tava bem mais suave naquela época, porque não tava tão bravo quanto foi na época do… Período muito bravo mesmo foi da década de 1970 pra baixo, de 1978 até mais ou menos 1979. Depois entrou o Figueiredo, tinha a língua solta danada, ele falava que gostava de cheiro de cavalo, que gostava de cheiro de cavalo mais do que do homem, né. Mas era mais… Menos bravo do que foi o Geisel, o Costa e Silva e o Médici. O Médici então, Nossa Senhora, aquilo era…
Fernanda: O Cleber Troiano você lembra, Toninho?
Toninho: Não.
Fernanda: De quando o Cleber Troiano morreu?
Toninho: Não, não tava aqui em Juiz de Fora esse período não.
Fernanda: O Brizola foi julgado aqui também…
Toninho: Mas esse julgamento eu não me lembro não. Não fui eu que cobriu não.
Fernanda: E o Paulo Ribeiro Bastos, que era o filho de um general aqui de Juiz de Fora, sumiu numa manifestação, ele era do MR-8 no Rio e ele era filho de um general? Tinha parente na cidade, era daqui de Juiz de Fora.
Toninho: Hoje as coisas tão mais fáceis em termos de… Era pouco fotógrafo que tinha jornal. Mercantil, por exemplo, teve uma época que teve eu, Jorge Couri e o Jaime, só. Era tanta pauta, o Jorge Couri ficava mais na redação, já era mais velho, queria ficar mais na coordenação. E nós na rua o tempo todo sem quase ter tempo pra pensar. Eu não lia jornal, quase não tinha tempo pra ler jornal. Era o tempo todo, tinha que trabalhar. Hoje é cinco horas, jornalista é cinco horas, a gente trabalhava era oito horas direto, pô. A gente ficava cansado, era rua o tempo todo. Aquela época a gente andava até de ônibus, não tinha carro, o jornal não tinha carro, a gente saía de ônibus. Tanto é que já aconteceu fato comigo que eu fico lembrando de coisa que aconteceu comigo que hoje a gente ri. Fui cobrir a inauguração de um presídio lá… do posto policial lá no Ipiranga e pra voltar de carona eu voltei no camburão da polícia. Que o jornal não tinha carro, tinha que voltar de ônibus ou de bonde, o bonde acabou, aí você tinha que voltar de ônibus. Então, sempre era uma pauta em cima da outra. Pedi carona pro general (risos), quando é que aconteceria isso nos tempos atuais, você pegar carona com o general? Pra cobrir um evento que ia ser dentro do quartel… ter um carro seu. Eu acho que é humilhante pra fotógrafo ficar pedindo carona pra poder cobrir uma matéria. Naquela época você pedia, pô. Pedia ao general, pedia à polícia. Já desci de ambulância, de bairro, já desci de ambulância. Teve um dia, quando inaugurou o posto policial do Ipiranga, eu pedi carona pra polícia. Ele falou “Só se for no camburão”, eu falei “Não, não tem problema, eu quero chegar lá embaixo”. Eu desci de camburão… parou na Rua Halfeld, naquela época ainda não era Calçadão. Eu desci, ele parou em frente ali o Central, eu era conhecido… cheio de rapaziada tudo na porta da Americanas, ele abre a porta e diz “E olha, se fizer de novo vai voltar!”. “Uma carona”, “Que carona eu vi que o cara falou ‘vai ficar!’”. Como que vai explicar “Voltei de carona”?, dentro do camburão. Você fazia isso, você trabalhava demais, você não tinha tempo de ler jornal. Hoje, eu leio três jornais por dia, eu leio O Tempo, a Tribuna e O Globo. Todo dia, antes de sair pra rua, eu leio três jornais, além de ver o jornal da tv. Eu saio pra rua, saio informado, porque quem sai desinformado é um babaca, um bobo. Não sabe nem discutir um assunto com ele mesmo. Naquela época eu não tinha tempo nem pra ler jornal, muito mal, às vezes, ver a foto que eu fiz, se saiu boa, se saiu ruim. Não tinha quase tempo. E era jovem também, mais pensando em mulher e namorada do que… Mas não lembro de certas coisas, eu lembro… mas de pessoas. Esse… teve um cara que viu, o cara da Manchete… e foi aproveitado pra também fazer a entrevista com ele. Não lembro quem foi o repórter que foi comigo, era o repórter da Manchete, o fotógrafo, e eu, fotógrafo do Mercantil, fomos fazer uma entrevista. Eu não me lembro de quem era o cara, era um cara importante porque ele foi umas duas páginas na Manchete, na época, era um cara importante. Ficamos umas duas horas de entrevista com ele…
Fernanda: Era preso político ou era militar?
Toninho: Era preso político. Autorizaram ele, puseram ele numa sala lá, não lembro quem era o cara.
Fernanda: E o senhor poderia destacar assim, pra gente, alguns eventos emblemáticos, tirando essas ações do exército, né, essas ações militares, que tinha essa obrigação ali de cobrir, que outros eventos emblemáticos, por exemplo, o senhor pode destacar nesse período de cobertura da ditadura, que tenha acontecido em Juiz de Fora.
Toninho: Ah, as manifestações que tinham… várias vezes que tinham… vinham pela Rua Halfeld.
Antônio: Era TFP, Tradição, Família e Propriedade.
Fernanda: Mas que era a Marcha com Deus pela Liberdade.
Toninho: Era a mesma, as bandeiras não sei o que, e eu lembro sim da…
Antônio: Cobertura sempre da TFP?
Toninho: Sempre fazia, o Mercantil naquela época sempre tinha uma foto desse evento.
Antônio: Mas isso é pauta mandada ou isso é pauta opcional do jornal?
Toninho: Não, cobria, igualzinho aconteceu um acidente, o pessoal tá na Rua Halfeld fazendo manifestação, “Vai lá Toninho”, então, a gente ia. Lembro do… uma manifestação no RU, ali na…
Fernanda: Que os estudantes tomaram a cozinha do RU…
Toninho: Tomaram a cozinha do RU. Eu lembro que eu fui fotografar, eu subi num prédio pra fotografar porque a polícia tava tomando filme, tomando máquina, quebrando máquina de fotógrafo. Eu lembro que eu subi num prédio pra fazer fotos, eu lembre desse…
Fernanda: Isso foi nessa mesma manifestação?
Toninho: É, nessa mesma manifestação. Cachorro mordendo perna de repórter…
Fernanda: Eles tavam tomando as câmeras?
Toninho: Tomando câmera, arrancando filme…
Fernanda: E esse já era um período de abertura, né.
Toninho: Já, quase na abertura.
Antônio: Isso foi em 1982.
Toninho: Já tava quase, pô.
Antônio: Eu tava no quartel…
Toninho: É, foi brabo, cachorro mordendo. Eu lembro daquele filho do Nicolau que ele pegou… (pausa) a polícia chegou… pôs pra dentro da fábrica, em frente à Reitoria, antiga Reitoria, né. Colocou pra dentro da fábrica e a polícia queria entrar, ele pegou e ficou na porta “Não, na minha fábrica não! Polícia aqui dentro da fábrica não entra não!”. Aí, pô, tiveram que pegar quatro soldados de cada lado pra ver se segurava o cara, como é que ele chama? Tem o William que é o que morreu lá em Nova York… João… João… arrastou uns quatro soldados agarrados no braço dele… Ele tinha colocado uns três ou quatro estudantes pra dentro da fábrica lá. Mas eu lembro que foi brabo pra caramba, nego arrancando filme. Eu subi até um prédio lá, pedi uma dona e fiquei lá na varanda dela. Na casa não vai entrar. E demorou a acabar aquele negócio, aquela confusão pra polícia sair, levar o filme do jornal e sair a foto.
Fernanda: E nessa época ainda tinha censura dentro do jornal ou não?
Toninho: Tinha, censura mais branda, mas tinha censura.
Antônio: Na década de 1980, 1984, 1985…
Toninho: Eu acho que menos, porque o Mercantil acabou em 1983.
Antônio: Lá na Reitoria e tal, aí chamou a polícia. Depois nós fomos procurar as fotos no jornal pra ver se teve agressão, não achou foto alguma!
Toninho: No Mercantil deve ter, porque eu lembro que o Mercantil acabou em 1983, dia 30 de novembro de 1983, o Mercantil acabou. E eu lembro que eu cobri isso pro Mercantil, não foi pro Tribuna, foi pro Mercantil.
Antônio: Nós procuramos as fotos depois, não achamos. Porque teve agressão e não encontramos.
Toninho: … pegaram as fotos.
Fernanda: Esse final, Toninho, então, da ditadura, o fim já dos anos 1970, e o início dos anos 1980 até a campanha pelas diretas e tudo, a eleição do Tancredo, como que foi a cobertura, o seu trabalho? Aí já era a sua passagem, os últimos anos do Diário Mercantil, a ida pro Tribuna…
Toninho: Eu me lembro das Diretas Já em 1984, né…
Fernanda: Isso, começa em 1983 a campanha, a votação foi em 1984.
Toninho: Eu comecei em 1983… não dava quase nada, eram 300 mil pessoas só, 100 mil pessoas. Agosto começou a dar matéria com mais, com um milhão, a partir de um milhão não tinha jeito. Aí, de acordo com o governo que ia, né. Então, aí começou a aparecer um milhão, dois milhões de pessoas nas ruas, aí a Globo começou a cobrir. Mas eu lembro que cobria muita manifestação aqui em Juiz de Fora, Diretas Já, bá-bá-bá. Isso em 1983, já em 1983. Depois, em 1984, eu tava na Tribuna, cobri também, 1985 vem a eleição do Tancredo, né. Já tava praticamente consumado o boato, né. Mas brabo mesmo foi 1981, 1982, o negócio tava feio, a época do…
Fernanda: Colega de trabalho o senhor nunca teve preso? Jornalista ou fotógrafo, editor…
Toninho: Não, não, mas que levou borrachada levou, eu mesmo levei, em São Paulo eu levei. Mas isso na época do Lula, né. Greve do Lula, lá, a polícia metia o cacete. Eu lembro de uma greve que teve dos jornalistas, uma greve lá em São Paulo… 1978. Jornalista levou borrachada pra caramba, que a polícia aproveitou e descontou a raiva que tem de jornalista, aproveitou e meteu o cacete mesmo. O cara ia parar no hospital de tanto que apanhava. Eu levei umas quatro cacetadas nas costas, pô. Aquele porretão que eles têm na mão. Aquilo era uma dor danada, tossia, o cara parecia que tava tuberculoso. Mas o final já tava mais tranquilo. Mas o cara aqui em Juiz de Fora, o jornalista mais questionado mesmo, que eu acho, foi o Wilson Cid, porque o Wilson era… além de ele ter um microfone na mão, tinha a… jovem ainda, né. O Wilson Cid tem a minha idade, na época ele era jovem, pô. Imagina em 1983, ele tava com 40 anos, jovem. Tá com 74 agora, 75 já tá…
Fernanda: Tá ótimo… Toninho, a gente queria agradecer, eu acho que o seu depoimento foi muito rico, muito obrigada por ter aceitado o nosso convite, tá. Eu acho que contribuiu muito pra gente recontar.
Notas
1 Iolanda Gibson Barbosa da Costa e Silva
2 1926.