Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora
Depoimento de Marco Aurélio Marques
Entrevistado por Antônio Henrique Duarte Lacerda e Jucelio Maria
Juiz de Fora, 22 de julho de 2014
Entrevista 003
Transcrito por: Sabrina Carter
Revisão Final: Ramsés Albertoni (17/09/2016)
Jucelio: Pois bem, agradecido pela sua presença, gostaríamos que você nos dissesse seu nome, o local onde que você nasceu, a sua idade, a cidade, a sua profissão?
Marco Aurélio: Meu nome é Marco Aurélio Marques, eu nasci em Campo Grande, hoje Mato Grosso do Sul, naquela época era Mato Grosso. Eu sou economista, mas atualmente estou aposentado.
Jucelio: Está com 58 anos?
Marco Aurélio: 58 anos!
Jucelio: Isso.
Antônio Henrique: Marco Antônio, o que te levou a vir fazer um depoimento na comissão?
Marco Aurélio: Bom, então, historicamente eu tenho que voltar um pouco no tempo para hoje estar com essa motivação. Nós viemos de Campo Grande, Mato Grosso, viemos a família toda, meu pai e minha mãe, somos cinco filhos e mais a minha avó. E meu pai na época era juiz auditor. E ele começou a carreia dele de juiz auditor em Campo Grande, depois ele teve uma nomeação que ele foi para Bagé…
Antônio Henrique: Juiz auditor do quê?
Marco Aurélio: Ele era civil, mas ocupava um posto, uma função dentro da esfera militar. O juiz auditor da esfera militar era um civil. Então, ele iniciou carreira em Campo Grande, como primeira nomeação obrigatória ele foi transferido para Bagé, no Rio Grande do Sul. Ficou três meses, três a quatro meses, aí surgiu uma outra oportunidade e ele voltou para Campo Grande. Quando chegou em final de 66 surgiu uma vaga pra auditoria aqui em Juiz de Fora, na época, não sei, aqui era a Quarta região militar Juiz de Fora, era sede, não sei se mudou hoje em dia.
Jucelio: Até bem pouco tempo era a Quarta sim.
Marco Aurélio: Mas a sede eu acho que não é mais aqui em Juiz de Fora. Mas na época, nós e ele, consequentemente nós, viemos para cá como opção, isso foi no final de 66 e ele assumiu logo a auditoria no início de 67; e trabalhou durante 67 e 68 e no começo de 69, mais exatamente em fevereiro de 69 veio, através do AI-5 veio a notícia da cassação da função. Foi destituído como todo mundo sabe, é uma destituição, é um ato sumário, sem aviso prévio sem indenização e sem nem nada. Então ficou uma situação muito difícil porque nós estávamos recém-chegados e, quisesse ou não, naquela época era um estigma a pessoa ser ou estar ligado a alguém que fosse cassado, então automaticamente o indivíduo era cassado e todas aqueles com quem ele convivia, opcional ou obrigatoriamente, com certeza eram pessoas que tinham ou recebiam um tratamento diferenciado.
Jucelio: E esse diferenciado era o quê?
Marco Aurélio: Era é evitado. Era evitado porque, acima de tudo, quem anda com suspeito seria um suspeito também né…
Jucelio: Entendi.
Marco Aurélio: Então seria tipo uma contaminação social, contaminação ideológica qualquer coisa assim.
Jucelio: Então, vamos voltar um pouco. Você fala de 67, 68, então vamos voltar um pouco pra 64.
Marco Aurélio: Tá.
Jucelio: Em 64 vocês viviam onde ainda?
Marco Aurélio: Campo Grande!
Jucelio: Em Campo Grande! E como que era a família, a família era uma família que se envolvia com política?
Marco Aurélio: Não, não!
Jucelio: Discutia-se política em casa?
Marco Aurélio: Não!
Jucelio: Tinha um posicionamento ou direcionamento ideológico? Como é que era?
Marco Aurélio: O direcionamento ideológico do meu pai era com a lei, era com a justiça. A lei, uma vez que existindo lei ela deveria ser cumprida, independentemente de quem tivesse uma vontade, é contrária ou alheia à lei. Inclusive isso que foi o grande motivador de ele acabar sendo cassado, porque com certeza as decisões legais que ele tomava não coincidiam com o interesse ou intenção do governo militar daquela época. Inclusive eu trouxe até para ilustrar é uma decisão judicial, na época 19 pessoas de Lavras, isso aí saiu até no jornal de Lavras, 19 pessoas de Lavras, inclusive o Rubem Alves, que está nessa relação, que estavam na condição de preso político, e por Lavras pertencer à Quarta região todo o julgamento era aqui. E nessa decisão judicial dele ele absolveu todos esses 19.
Jucelio: O seu pai?
Marco Aurélio: É!
Jucelio: Uma questão, em 1964 quantos anos você tinha?
Marco Aurélio: Eu nasci em 55 para 64, nove anos!
Jucelio: Nove anos. Você é o mais velho dos irmãos?
Marco Aurélio: Não! Eu sou o terceiro, o meu irmão mais velho, Antônio José, ele nasceu em 53; o outro meu irmão Luís Guilherme, nasceu em 54; eu nasci em 55; teve minha irmã Maria Helena, 56, e uma outra irmã mais nova, Maria Célia, nasceu em 60.
Jucelio: Entendi. Nove de idade, como é a sua memória para este tempo, para esta época? Você tem alguma memória disso?
Marco Aurélio: Não, não. A minha memória mais viva, mais acesa, é realmente essa época que a gente chegou aqui em juiz de Fora, aí eu já estava com onze anos a gente já tinha uma consciência maior uma, uma noção melhor…
Jucelio: E qual que era a justificativa para ter perdido o cargo, para ter que mudar de cidade pra ser…?
Marco Aurélio: Pra cá ele veio como opção.
Jucelio: Não, não, sim! Mas como é, quando, como que é que ocorre, qual que é o sentimento disso de… qual que é a explicação? Perdi o cargo, estou alijado da sociedade porque estou sendo…
Antônio Henrique: Porque ele retornou agora onde você parou.
Marco Aurélio: Isso.
Jucelio: É isso!
Marco Aurélio: Então, o que aconteceu é o seguinte: é dois anos, nós passamos praticamente dois anos, aqui em Juiz de Fora, em atividade; dois anos; dois anos e um mês; dois anos. Então, nós ainda, o convívio com a cidade ainda era uma coisa, tudo muito novo; tudo era muito diferente e os referenciais que nós tínhamos de amizade ainda eram muito pequenos. E que foram prejudicados ou foram piorados em função dessa cassação política, dessa cassação. Então, basicamente o nosso círculo de relacionamentos, o círculo de amizade, ele ficou muito, muito restrito. Contamos, sem dúvida nenhuma, com apoios generosos de pouquíssimos amigos e que continuaram dando a assistência que a gente precisava; dando a orientação; dando todo o suporte. Porque a cassação, ela envolvia realmente uma intenção de tirar de todas as condições do indivíduo viver, não tinha direito a indenização, não tinha direito a aviso prévio, não tinha direito a nada de pensão. Para vocês terem ideia, meu pai foi cassado em 69 e minha mãe só veio a receber a primeira pensão em 1984. E mesmo assim, foi uma pensão que ele recebia pelo Ministério do…
Antônio Henrique: Exército!
Marco Aurélio: Do exército. A minha mãe só veio a receber pelo Ministério da Fazenda em 84 um salário que não condizia em nada, nada com o salário dele. E a reparação mesmo, ela só veio em 93, 92 para 93. Aí sim que ela passou a receber pelo STM, e receber um valor condizente com o salário de um juiz. Então, de 69 a 84 nada, e a situação emocional psicológica dele ficou tão abalada que, foi em outubro de 70, outubro de 70, ele faleceu.
Jucelio: E como é que foi o seu convívio, sua vida com esse período aí?
Marco Aurélio: É aí em 70, aí nós ficamos aqui em Juiz de Fora, a minha mãe, a minha avó e nós cinco. Aí sim que a gente passou a depender, que minha avó era aposentada, recebia uma pensão de um salário, o irmão dela, que morava em Cuiabá, mandava uma pequena ajuda, porque ele recebia pouco, e o resto a gente dependia dos outros. Então, nós ficamos de 70 até 84 nessa situação de dependência! Desde aluguel, desde aluguel, não tinha pra onde voltar, não tinha como voltar e nem fazer o quê. Então a solução foi a gente se reunir, se unir e vencer.
Antônio Henrique: E além do estigma.
Marco Aurélio: Também, também!
Antônio Henrique: Também dificultava bastante, você via obstáculo e…
Marco Aurélio: Tudo, tudo. As próprias pessoas evitavam, isso aí só veio a desaparecer com o tempo, só com o tempo mesmo. Mas a lição positiva de tudo isso é que a gente fez da dificuldade uma alavanca, uma alavanca para melhor, aí nós conseguimos todos nós, todos os cinco conseguimos estudar, formar, cada um tem sua profissão, cada um teve sua vida e seguimos em frente.
Jucelio: E essa lembrança desse tempo, do que foi, o que provocou na sua vida? Mesmo tendo conseguido dar essa volta por cima?
Marco Aurélio: Olha, ela não deixa de ter uma carga assim emocional pesada, mas ao mesmo tempo a gente não se prende a isso. Não se pode querer que a gente tenha a memória anulada, apagada, deletada, que não é assim que funciona. O que se faz, o que se sente, o que se vivencia não se esquece. O efeito disso na vida da gente é que tem que ser transformado. O impacto é que tem que vir sendo trabalhado, para ele ser diminuído e amenizado. Aí sim, a gente consegue transformar aquilo que foi ruim numa alavanca e pode partir para melhor.
Antônio Henrique: Agora, o seu pai… o motivo dele ter sido…
Marco Aurélio: Cassado?
Antônio Henrique: Cassado!
Marco Aurélio: Desagradar. O motivo foi esse. Porque tudo que caia na Justiça Militar, tudo que passava na Justiça Militar caia na mão dele. E, logicamente, dentro do ideal dele, do ideal dele dentro da retidão de pensamento, dentro do ideal dele, ele tinha como objetivo promover a lei, aplicar a lei. Se houvesse culpa, aplica-se a lei, condena-se; aplica-se a lei. Se não houvesse culpa dentro da legislação, dentro daquilo que a legislação prevê, absolve-se. E não era a intenção do governo militar naquela época, por interesses ou por questão de divergência ideológica, divergências de interesses. Os militares queriam não a aplicação da lei, mas que fosse feita a vontade deles, com ou sem justificativa. É aí, então, que começou o choque de interesses, começou o atrito entre ele, como juiz, e o…
Antônio Henrique: Os outros auditores?
Marco Aurélio: Não! Nem os outros auditores, porque era um auditor só.
Antônio Henrique: Os outros membros do júri?
Marco Aurélio: Do júri não. Ou do próprio militar, do próprio general. Vou colocar o general aqui como o próprio representante de todo o exército e de toda a Quarta Região. Então, é através desse choque de interesse, ou dessa, entre aspas, desobediência, que para ele não era desobediência, pra ele era cumprimento da lei, é que houve o motivo da cassação. Porque ele passou a ser uma figura indesejada ou uma figura indisciplinada dentro daquilo que os militares queriam. Então começou a desagradar, desagradar e chegou uma hora que a voz do general, que tinha peso, tinha peso no governo central, então veio de lá a decisão da cassação. Foi inquestionável, sem aviso prévio, nem nada. Simplesmente foi comunicado. Nós ficamos sabendo através da televisão. Nós estávamos, tem uma vizinha nossa que morava no apartamento em baixo, nós estávamos em casa…
Jucelio: Vocês moravam onde?
Marco Aurélio: Na rua São Sebastião. Ali, entre a Santo Antônio e a Rio Branco.
Jucelio: Santo Antônio e Rio Branco?
Marco Aurélio: É!
Antônio Henrique: E ele foi processado? Teve um IPM, alguma coisa?
Marco Aurélio: Não, não. É uma cassação…
Antônio Henrique: Não, só exoneração mesmo…?
Marco Aurélio: É o que eu estou falando, é rito sumário, rito sumário! Decretou-se ali, lançou no Diário Oficial. Inclusive, deixei a cópia também, porque naquela época o ponto era feito manual, que inclusive consta no livro de ponto que tal data e tal, em função de ser lançada no Diário Oficial do dia tal, e eles transcrevem tudinho, o teor ou parte do trecho do Diário oficial e pronto. A partir daí, do dia seguinte, já está completamente desligado.
Antônio Henrique: Você tem mais alguma, algo a dizer que…
Marco Aurélio: Não, eu conversei com a doutora Christina, numa vez anterior, eu estava sugerindo, não sei se funciona ou se vai em frente ou não. A questão até de se estudar nos processos que estão arquivados na auditoria, qual foi a linha de conduta. Aí, em dois anos, não são tantos processos, não sei se são tantos processos assim, mas o período é relativamente curto né…
Antônio Henrique: É um período intenso.
Marco Aurélio: Mas é um período intenso. Quem sabe em função dessa busca, desses processos aqui na Auditoria, se tenha melhor, tenha melhor; teria mais relatos ou teria mais características, evidências de sentenças; como é que era…
Antônio Henrique: As sentenças nós temos aqui, agora, os processos não. Os processos estão em Brasília…
Marco Aurélio: Mas é a sentença da auditoria ou da polícia política?
Antônio Henrique: Da auditoria!
Marco Aurélio: Da auditoria…
Antônio Henrique: Da auditoria, aí tem aqui a sentença, os processos propriamente ditos, aí estão em Brasília.
Marco Aurélio: Porque pelo perfil dele, vou repetir mais uma vez, pelo perfil dele, o que se interessava é a aplicação da lei. Com certeza, aqueles que, mesmo por motivo qualquer, tenham lançado mão de atitude ou de atividade que contrariasse a lei. Isso aí, com certeza, ele não ia absolver. Pelo que eu entendo, pelo o que eu conheço, pelo o que a gente sabe dele, o ideal dele era a aplicação da lei. Os motivos podem ser os mais justificáveis, mas se você lançar mão de algo ilegal também, um erro não vai justificar o outro e, com certeza, a absolvição fica difícil. Mas pra aqueles indiciamentos em que era claro, era patente e visível a questão da divergência ideológica ou política, esse aí com certeza era a absolvição. Então eu não vejo assim, como alguém que todo mundo, todos os processos que chegasse lá era uma absolvição indiscriminada, mesmo porque, com certeza, têm processos que algumas pessoas foram condenadas, mas com razões justificáveis e com razões legais. Então, é a minha intenção de vir à comissão é exatamente isso, não pra protestar, não é pra contestar, não é para reabrir. É simplesmente para fazer um registro histórico de uma pessoa que passou aqui pela cidade e que veio para cá de forma opcional, trazendo toda uma ideologia, toda, assim, um ideal. Uma ideologia não, um ideal e logicamente ele sabe o risco que ele estava correndo. Mas de qualquer forma ele se empenhou e veio praticamente parar no coração da revolução. E ele tinha noção que quando viria, vinha né, pro coração da revolução, com certeza ele ia sofrer esse tipo de pressão.
Jucelio: Mas ele tinha essa consciência?
Marco Aurélio: Acho que tinha.
Jucelio: Você tem algum fato que clareie isso?
Marco Aurélio: Não!
Antônio Henrique: A sua mãe…?
Marco Aurélio: Não. A minha mãe faleceu ano passado. Então, mais assim em termo de idealismo. Por que ele é uma pessoa que nasceu, a trajetória de vida dele foi de muita luta, perseverança. Ele nasceu numa cidade lá no interior do Mato Grosso que chama Cáceres, é, acho que quase ninguém conhece. Aí foi para Campo Grande, aí foi pro Rio de Janeiro pra estudar, estudou; formou no Rio; voltou para Campo Grande e lá fez o concurso e passou para auditor. Então, a pessoa naquela época, mil novecentos e quarenta e poucos, sair de Mato Grosso, que praticamente era um local que ninguém conhecia, que se tinha notícia praticamente era só de índio e onça (riso); sair pro Rio de Janeiro se formar em Direito; voltar para Campo Grande; e, no Rio, ele teve que trabalhar e estudar. Então trabalhou, estudou, se formou, correu atrás do ideal; voltou em Campo Grande fez o concurso pra juiz e passou. E logicamente ele tem toda uma trajetória dentro da área da educação, dentro da área da justiça, dentro da área da comunicação. Eu deixei o currículo dele ali também pra ver as múltiplas áreas que ele atuava. Então, por todo esse idealismo dele, eu tenho certeza que quando ele veio para cá, porque em 64 ele já era juiz mesmo lá em Campo Grande-Mato Grosso, se eu não me engano era a Décima região, então, o que acontecia aqui refletia lá. Então, com certeza de lá, ele sabia o que estava acontecendo aqui e sabia que aqui era o coração do movimento. Então, pra ele vir pra cá e saber enfrentar que aqui com certeza a pressão seria maior, com certeza o trabalho aqui seria maior, então por questão de idealismo, por questão de alguém que sempre foi preocupado em promover, promover o cidadão, a justiça, a sociedade. Com certeza, ele sabendo que vindo pra cá tanto ele ia enfrentar a pressão maior, quanto ele teria condição de fazer um trabalho maior também. Então ele veio, enfrentou e…
Jucelio: E diante desse posicionamento que você está dizendo dele, isso reflete de alguma forma na sua vida? Você participou ou participa de alguma agremiação de algum movimento político ou social?
Marco Aurélio: Olha, político partidário não. Por questões pessoais, de tudo, e questão de movimento político partidário não, mas o que é política social, o que é política de atendimento público preocupado com o bem-estar de todos, aí eu sempre estou envolvido. E, na época, nós viemos estudar aqui na universidade, eu estudei na universidade aqui, eu entrei na universidade aqui em 74. Só teve uma irmã que não formou, nós quatro irmãos, eu mais três irmãos formamos aqui na universidade. Numa época, em 74 ainda tinha muito resquício ainda, tinha muito resquício. Então naquela época a gente ainda vivenciou, quase já pro final desse regime de exceção. Então a gente teve, sofreu esse impacto, mas a gente veio sabendo superar…
Jucelio: E lidar com isso. Você sente que o Estado lhe deve alguma coisa? Deve alguma coisa a sua família?
Marco Aurélio: Não. Porque eu estava ouvindo aquele senhor professor falar antes, nós entramos realmente com processo na Comissão de Anistia, obtive a resposta, já foi julgado, obtivemos a resposta e o ressarcimento financeiro. Esse aí, já está sendo feito desde 92, 93, o ressarcimento financeiro. Mas aquilo que a gente foi buscar também junto à Comissão de Anistia, que é o reconhecimento. Isso aí já tem ata, já é coisa julgada e decidida. Então, já foi considerada um reconhecimento em função desse ato de arbitrariedade. Então, até isso aí não existe nenhuma cobrança, nenhum pedido para o Estado qualquer que seja. Simplesmente a memória, né! E deixar registrado…
Antônio Henrique: É, que não é simples né.
Marco Aurélio: É, é…
Antônio Henrique: A essência…
Marco Aurélio: Mas a gente nunca sabe. A gente nunca pode dizer que um caminho foi melhor ou pior se a gente não vivenciou o outro. É o que eu digo, que nós passamos esse período de muita dificuldade, mas eu não sei se também a gente tivesse outras facilidades os caminhos não seriam outros. Então a gente aprende muito por essa lição, por este ponto de vista. Que às vezes nem sempre tudo aquilo que é tão fácil, é aquilo que nos concede o melhor resultado.
Antônio Henrique: Então, o que a história não cabe o “se”.
Marco Aurélio. O que a história não cabe o “se”. Mas então é isso, que a gente veio trazer exatamente esta busca pela lembrança do nome; pela lembrança não só dele, de todas as pessoas que passaram e vivenciaram esse tempo. Eu acho que isso aí tem que ficar registrado, isso aí tem que ficar anotado. De forma que sempre que as pessoas pensarem qualquer regime ou qualquer situação semelhante ou que guarde qualquer semelhança, sempre reflita um pouco antes de escolher o que vai pedir.
Antônio Henrique: Está certo. Está ótimo. Acho que está dado o recado, está avisado.
Marco Aurélio: Eu conversei com meus irmãos, conversei com os outros meus irmãos…
Jucelio: É até interessante isso. Antes de você até falar o que você conversou com seus irmãos. Os seus irmãos têm esse mesmo entendimento? Têm essa mesma… não sei se essa é a palavra adequada, essa mesma resignação que você tem?
Marco Aurélio: Têm, têm, têm…! Eu conversei com eles, conversei com todos eles, e só que questão de horário, acabou que não deu pra eles virem. Só tem uma irmã que mora fora, mora em Piracicaba, mas os outros quatro moram aqui em Juiz de Fora. Mas, infelizmente, por questão de horário e tudo, não deu para eles virem; não, mais a ideia é essa mesmo. Tanto é que todo mundo seguiu em frente, acabou se formando, hoje atua dentro de sua área profissional. E ninguém ficou com esse ressentimento. É o que eu estou falando, não é fácil, não desejo pra ninguém, mas também não pode condenar ou lamentar tudo o que aconteceu. Porque a gente não sabe por outro lado como seria ou como cada um seria se não houvesse essas dificuldades que às vezes até impulsiona a gente.
Antônio Henrique: É, mas, o regime de exceção…?
Marco Aurélio: Não é o que eu estou falando, vale o registro histórico pra qualquer regime de exceção. Regime de exceção, tanto o regime de exceção de direita, quanto de esquerda, acaba caindo nessa situação. Hoje, já que me permite esse gancho, hoje o contexto não cabe mais. Mas naquela época, você sabe, naquela época em função dos blocos entre aspas, capitalistas e socialistas, nós do terceiro mundo ou se alinhava com um ou se alinhava com outro. Se saísse da mão de um, caía da mão do outro, assim que era. Hoje é diferente, mas naquele tempo era desse jeito ou você estava num bloco ou você estava no outro. Não tinha independente pros países; principalmente nós sul-americanos, ou você estava não mão do bloco socialista ou estava na mão do bloco capitalista. Hoje, no meu entendimento, nós caímos no bloco da ditadura de direita, igual aconteceu com a Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Brasil. Todos eles, todos nós caímos nessa ditadura de direita que, com certeza, patrocinada e financiada pelo bloco capitalista dos Estados Unidos, senão nós estaríamos fazendo papel inverso, estaríamos no bloco socialista, União Soviética. Então, o Brasil não tinha muita opção. O Brasil não tinha muita opção, não estou justificando, mas a realidade da época era essa, a realidade da época era essa. Hoje é diferente, hoje quem manda é o bloco do capital, hoje quem manda é o capital e não é mais o capital internacional é o capital multinacional. Inclusive, é um dos motivos pelos quais eu nunca ingressei e não ingresso nas questões político partidárias, porque tem isso hoje, está na mão do poder econômico, hoje está na mão do poder econômico. Ideologia praticamente não existe, hoje dificilmente você pega num partido ou alguém que tenha uma ideologia ou um partido que tenha uma ideologia. Hoje, todos eles falam a mesma coisa, se propõe a fazer a mesma coisa, só com raríssimas exceções, quando chega lá dentro eles dão continuidade aquilo que já era feito antes. É ou não é? E a gente está na mesma até hoje, a gente praticamente fica sem opção. Fala-se renovação, renovação, renovação, mas se vai ver de renovação de cabeças novas, raríssimas exceções; de cabeças novas que acontecem em termos estadual, municipal e federal, praticamente não chega a 15%, 10%. E todo mundo repetindo e fazendo a mesma coisa, mas por quê? Perdeu-se a ideologia. Hoje está todo mundo, está na mão do interesse econômico e como todos os partidos, ou 90% dos partidos, são financiados pelos mesmos, quando os patrocinadores chegam lá, eles querem o retorno. Então não digo não porque eu errei tem as exceções, mas as exceções são as exceções. Mas de modo geral é isso. Qual que é o grande prejuízo hoje? É todo mundo está atrelado a questão econômica e do patrocínio privado nas campanhas que são feitos por grandes conglomerados econômicos, multinacionais (riso).
Jucelio: Ok! Sim? Muito agradecido, então.
Antônio Henrique: Sim! Oh, Marco, muito obrigado!
Jucelio: Pela sua disponibilidade e disposição de estar conversando conosco, muito agradecido.
Antônio Henrique: Vamos vê se a gente consegue dá uma resposta. Não digo em termos de documental, mas que estimule as pessoas a estudarem né, os estudantes a estudarem o seu pai né, sobre os casos que ele trabalhou né…
Marco Aurélio: Até então o acesso à auditoria era uma coisa muito restrita, era a caixa preta, era a caixa preta. Hoje em dia não, hoje em dia não é assim e com certeza tem, se têm esse tipo de acesso. É o que eu estou falando, até pra ilustrar eu trouxe essa matéria desse jornal de Lavras em que mostra, consta lá o nome dele, consta todas as pessoas que foram absolvidas. Inclusive um deles, não me lembro o nome, que depois ele veio a ser ministro do STJ. Então, eu acho que são questões pra ser vistas, estudadas e pra ser acima de tudo, pra ser sempre lembrada. Não assim, no sentido de rancor de revanche, mas pra sempre ser lembrada no sentido da gente ou da sociedade não cair novamente no mesmo tipo de erro. Mesmo porque não é a solução, não é a solução. É o que estava falando, nem o extremismo de direita, nem o extremismo de esquerda porque nenhum dos dois funciona, não funciona e nenhum lugar funciona do mundo…
Jucelio: Não funciona. Isso que é a verdade. Agradecido moço!
Antônio Henrique: Marco, muito obrigado!