“Aqui não se fazia Justiça, ratificava-se o interesse da Revolução.” Foi assim que o advogado Obregon Gonçalves definiu a atuação da Auditoria Militar da 4ª Região no período da ditadura militar. E os bastidores da Auditoria foram justamente o foco do depoimento do advogado dado à Comissão Municipal da Verdade (CMV-JF). Mineiro de Belo Horizonte, o jurista veio a Juiz de Fora com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para contar à CMV-JF relatos sobre o período autoritário, quando ele defendeu centenas presos políticos. De acordo com ele, que é ex-vereador da capital mineira e autor de livros, a Auditoria era um lugar temido, já que nem sempre se acreditava que ali se faria justiça.
A relação de Obregon com a Auditoria de Juiz de Fora nos anos de repressão começou logo depois do golpe de 1964, quando ele atuou no processo dos deputados estudais Sinval de Oliveira Bambirra, José Gomes Pimenta (o Dazinho) e Clodesmidt Riani. Obregon era advogado de Sinval. “O clima na cidade era hostil e de insegurança, até mesmo para os advogados.”
“Na Auditoria Militar, havia uma pessoa que mandava, o Simeão de Faria”, destacou Obregon, que fez questão de frisar o caráter impopular do promotor perante os advogados, por conta da rigidez nos processos. “O Simeão era um cidadão de pouca cultura jurídica e tinha medo de enfrentar os advogados. Mas ele mandava.”
Segundo Obregon, o juiz Waldemar Lucas Rego de Carvalho, mais conhecido como “jacaré engomado”, costumava seguir as orientações de Simeão de Faria, o que parou de ocorrer quando Antônio de Arruda Marques assumiu o posto de juiz-auditor. “O Arruda não acatava o Simeão.” E Obregon atribui a isso a cassação e afastamento precoce deste juiz da Auditoria. “Quando vi pela televisão, pensei: mataram o homem.” Arruda não tinha morrido, mas foi afastado e, de alguma forma, Obregon estava certo que o desgosto levaria o juiz Arruda a falecer.
O advogado contou também que chegou a ser intimado e acusado por desacato, por conta de um mal entendido, precisando explicar ao Conselho de Justiça os termos jurídicos que havia utilizado para se livrar do processo. “Havia um juiz civil e três militares, que não entendiam de direito.”
Como defensor de presos políticos, Obregon recebeu muitas ameaças. Entre os casos que recordou estão a ocasião em que, logo após chegar à sede da OAB em Belo Horizonte, foi chamado pelo motorista para avisá-lo que o carro da Caixa de Assistência dos Advogados – na qual era presidente – estava pegando fogo. “Alguém de táxi jogou uma bomba no carro, e não conseguiram identificar quem foi. Mas quem sofreu mais ameaças foi a minha mulher.” Segundo ele, a esposa recebia ligações do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) ameaçando a família. “Queriam me pressionar.”
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