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Paulo Bittar

Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora

Depoimento de Paulo Bittar

Entrevistado por Comitê pela Memória, Verdade e Justiça Juiz de Fora

Transcrito por: Caroline Ferreira

Revisão Final: Ramsés Albertoni (26/03/2017)

 

Paulo: Eu sou Paulo Wanderlei Tavares Bittar, fui presidente da ATRAM (Associação dos Trabalhadores Municipais de Juiz de Fora) e tomei posse, a primeira vez, no dia 15 de janeiro de 1978, e a segunda no dia 15 d janeiro de 1980. Eu fui… realizei o primeiro congresso dos servidores públicos do Brasil do dia 18 a 20 de dezembro de 1980. Esse congresso foi feito para mostrar as dificuldades dos funcionários públicos em relação a todos os trabalhadores comuns. Nós tínhamos aumento só anual, e não tínhamos direito ao 13º salário. Então, esse congresso foi um grito de liberdade que, nessa época, encontramos para os servidores públicos de todo o país. Com a realização desse congresso, houve vários problemas, vários tropeços para a realização, até chegar aonde nós conseguimos chegar, no dia 18 a 20 de dezembro de 1980. Daí começou uma perseguição à minha pessoa, eu tive vários problemas no período, antes do congresso e após o congresso. Pessoas induzindo os funcionários públicos a uma greve geral. A greve geral em 1980, ela foi manipulada para atrapalhar todo o trabalho realizado pela ATRAM. Então, foi a greve dos garis, e logo em seguida das professoras, da secretaria da educação, isso virou um tumulto. Mostrando uma força, acharam que eu estava sendo comandado por um grupo de pessoas subversivas. No dia 10 de janeiro de 1980 houve uma reunião no DCE, com todos os garis, aonde que eu tirei eles de lá para decidir com o prefeito e começamos uma negociata. Com essa negociata, observei que a minha vida estava virando um verdadeiro tumulto, telefonemas anônimos, cartas anônimas, ameaças, e outras coisas mais. Dizendo que lugar de vermelho, lugar de pessoas estranhas ao governo era em outros lugares. Eu passei até a ter medo da minha vida, eu estava correndo risco de vida. Aí, observando a todas as possibilidades, com a realização do congresso… Eu tomei posse no dia 15, novamente no dia 15 de janeiro, começamos uma luta mostrando o verdadeiro elo entre o funcionário público e a administração. Mas isso, as pessoas que estavam dentro da administração não queriam enxergar e, sim, tumultuar. Com a realização do congresso, eu… Pusemos a par da situação do funcionário público, foi um basta. Tanto que um companheiro que eu não lembro o nome, de Londrina… no seu discurso no término do congresso ele gritava “Basta! Basta! Basta!”. Nós já estávamos cansados de ser tão humilhados dentro de uma administração. Quero deixar bem claro que não era só a administração municipal, era a estadual, municipal e federal. Eu mostrava, naquela época, em todos os meus pronunciamentos, que o funcionário público era a verdadeira máquina de uma administração e tinha que ter respeito. O que não houve. A partir daí, a minha vida tornou-se um verdadeiro inferno. Sem ter políticos para me atrapalhar minha vida, ou atrapalhar a vida dos funcionários que eu nunca quis envolver, para deixar o negócio correr a limpo, e sabendo que eu estava sendo vigiado, 24 horas, aí começaram as ameaças. Ameaças de família, rapto de um filho, tinha recém-nascido. No final de janeiro, princípio de fevereiro de 1981, eu fui a Manaus para participar de um encontro dos líderes do Brasil inteiro, dos servidores públicos, de todas as confederações. E mostrei a carta de Juiz de Fora que foi feita por todos, para levar ao conhecimento do poder público do Senado e da Câmara. Qual a nossa ideia e qual o nosso objetivo? Ao chegar de retorno ao Rio de Janeiro, eu fui detido, levado para um… Até então, para mim era o DOPS, depois eu fui encaminhado para dentro de uma… do exército, que eu sabia que era o exército, que eu fui vendado o meu translado todinho dentro do Rio de Janeiro, fui vendado, eu não sabia onde que eu estava, e fizeram uma tortura de 15 dias em cima da minha pessoa. Querendo saber quem estava por trás de mim, quem estava me comandando, quem estava me bancando, e eu negando que eu não sabia de nada. Na realidade sabia, mas eu não podia dedar por que eu não sou pessoa que eu poderia entregar alguém, não é da minha índole. Sofri danos, agulha enferrujada debaixo da unha dos pés, pregador de papel de ferro no escroto, até que eu fui retirado do Rio de Janeiro e trazido para Juiz de Fora, e duas pessoas influenciadas no meio político que sabiam de todo o meu andar durante o congresso, “Qual a minha preocupação, o que que eu pensava, qual era o nosso ideal”. Nosso ideal era lutar para o interesse, que era o aumento semestral, e 13º salário igual ao trabalhador comum. Fiquei detido quatro meses dentro da minha casa, sem direito a chegar nem o nariz na janela. A permissão de entrar dentro da minha casa era só da minha família e da família da minha ex-mulher, se médico eu precisasse para o meu filho tinha que ir na minha casa. Ela também estava com medo de sair e pegar alguma coisa e levar. Isso tudo foi e a família sendo ameaçada, aí, como eles não conseguiram de um lado, passaram a ameaçar a minha família, meus pais, meus irmãos… Meus cunhados, sogro, sogra… Todos sofreram danos… Perseguições… Querendo que eu falasse alguma coisa, mas eu não… Não conseguia. Todo trabalho… Aí, no dia 20 de agosto de 1981 eu fui posto na rua sem direito a nada pela administração municipal, houve um tumulto, houve um escândalo, baixaram todos os presidentes de confederações aqui em Juiz de Fora, tentaram negociar com o Mello Reis, conforme documentos em anexo… o meu retorno. Houve uma mobilização entre deputados e senadores que eu também tenho aqui guardado com telegramas e relações dos deputados que fizeram manifestações contrárias sobre a minha saída. Eu sei que são documentos de mais de 20 anos, estão aqui e não consegui mais trabalho. Todos os trabalhos que eu arrumava, dias depois estava sendo posto na rua falando que eu era subversivo. Eu passei a ser corretor de imóveis por que eu era dono do meu nariz, para tentar sobreviver, por alguma coisa na família. Sobrevivência da família. Fui fazer faculdade de direito, e lá eu encontrei um juiz que foi meu professor no 1º, no 3º e no 5º ano de direito de família, que olhava na minha cara e me chamava de subversivo e lugar de subversivo não era em uma sala de aula, ainda mais fazendo direito. Até hoje ainda estou devendo essa matéria.

Comitê: O nome dele?

Paulo: Flávio Douvísio, hoje falecido.

Comitê: Como ele se chamava?

Paulo Bittar: Flávio Douvísio, juiz da 1ª Vara de Família. Existe o processo contra isso tudo, no Ministério da Educação, que eles não me deram soluções até hoje. Eu fui sacaneado de tudo quanto é jeito, fiz três vezes essa mesma matéria em sequência, três anos direto e ele me dava pau, e falava que eu não ia passar com ele, só depois que ele morresse, que lugar de subversivo era no mato, eu fui muito humilhado e chacoalhado (choro). Do que eu passei… Você me desculpa cara.

Comitê: Fica à vontade Paulo.

Paulo: Sofri calado, cara, você não sabe como que eu sofri, cara, sofro até hoje. Você me desculpa, tá… Aí eu já deveria ter acontecido há muitos anos, por que pelo menos, nós que passamos por isso… Eu vi companheiros, onde que eu estava detido sofrendo coisas piores que eu. Eles não podiam fazer nada comigo por que eles não tinham nada como provar, eles estavam querendo que eu falasse alguma coisa para ter uma justificativa por que eu estava ali, eu acho que isso a gente deveria apurar com os mínimos detalhes e reaver aquilo que nós perdemos. Eu perdi vida, perdi casamento, meu pai… Minha mãe teve uma doença de pânico devido ao problema, tanta ameaça… Minha mãe, batiam o telefone ou campainha minha mãe corria para enfiar debaixo de cama, foi uma luta, ela veio a falecer há oitos anos e meio, com essa mesma doença. O meu pai foi humilhado, meu pai era juiz de paz, ele foi… tiraram ele do poder. A pessoa que mais me entregava, que me dedurava, que é o Zé Eri, ele hoje já falecido, ele falava coisas absurdas de mim, do que na realidade eu não fazia, era um líder querendo o bem-estar do funcionário, não um líder querendo política melhor, querendo uma política social, honesta e séria. Então, isso veio trazer muito transtorno. Meu pai teve um problema de depressão após tirarem ele como juiz de paz, que era a vida dele, ele teve problema cardíaco sério e conforme pode ver e verificar que nós temos uma luta, contra essa saída do meu pai até hoje na justiça, porque puseram ele na rua falando que ele não tinha mais idade, com 72 anos, mas, na realidade, a idade era cargo de confiança do governo. Ele foi nomeado pelo Nilton Cardoso, e cargo de confiança não tem idade. Puseram ele na rua por causa de deduragem. Foi o próprio Zé Eri também, o Zé Eri foi uma pessoa que foi um cravo, um calo, um espinho na minha família, não só da minha família, de várias pessoas aqui. Então, eu era amigo, sou amigo, você pode reparar que dentro desses recortes de jornais fui o único presidente de associação ou sindicato, que foi recebido pelo Figueiredo… Com todos os problemas que eu tive após, eu fui recebido. Eu tenho cartas do vice-presidente da República que era o Aureliano Chaves, me dando todo apoio ao meu trabalho em relação ao aumento semestral e ao 13º salário, não era motivo de fazer o que fizeram comigo. Nesse contexto todo, eu tenho uma opinião formada isso de muitos anos, desde que aconteceu a abertura oficial de tudo o que aconteceu no país de 1964 para cá. Eu sou a favor, se for o caso de eu lutar, de ir para a rua para pedir para abrir todos os arquivos existentes nesse país sobre a ditadura, eu gostaria que abrisse para a gente apurar e ver os verdadeiros problemas que houveram. Tivemos amigos, tivemos colegas, tivemos conhecidos que foram injustiçados, como eu fui, que tinham nada a ver com o negócio. Eu acho que está na hora de nós vermos o verdadeiro problema que houve de 1964 para cá.