Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora
Depoimento de Wilson Cid
Entrevistado por Gabriella Weiss
Juiz de Fora, 8 de dezembro de 2014
Entrevista 004
Transcrito por: Gabriella Weiss
Revisão Final: Ramsés Albertoni (24/12/2016)
Gabriella: Wilson, eu vou pedir que o senhor se apresente, por favor. Diga seu nome, ocupação e o local e data de nascimento.
Wilson: Meu nome é Wilson Cid, sou jornalista profissional. Comecei a trabalhar na área de comunicação em fevereiro de 1957, no rádio. Depois trabalhei no Diário Mercantil até o jornal cessar as atividades em 1983. Tive atividades em todas as sucursais… sucursais em Juiz de Fora. Na época da ditadura, durante 17 anos, eu trabalhei no Globo, então, tinha uma cobertura muito intensa na auditoria militar, no julgamento, e é isso, basicamente isso. Você quer saber, eu nasci em Três Rios, em agosto de 1940.
Gabriella: Está ótimo. Eu vou pedir, por favor, que o senhor me diga onde o senhor trabalhava no momento do golpe e como foi a repercussão naquele momento, logo antes e assim que o golpe se sucedeu.
Wilson: No momento do golpe eu estava com as minhas atividades divididas entre a Rádio Sociedade, onde eu era redator e locutor em um dos jornais, e o Diário Mercantil, na editoria política, e foi exatamente aí que coincidiu a chegada do golpe. Com um detalhe interessante, porque a gente percebia um clima de alguma coisa de estranho. A gente não podia dizer tacitamente que se tratava de um golpe de Estado, mas com o clima de que alguma coisa efervescente estava acontecendo e que ia acontecer. Uma semana antes, por exemplo, a movimentação no aeroporto da Serrinha com Magalhães Pinto parando ali avião, o governador do estado, Monteiro de Castro, secretário de segurança pública, com reunião com o general Guedes, de Belo Horizonte, e o general Olímpio Mourão Filho, aqui de Juiz de Fora. Aquela movimentação muito grande do aeroporto de vários dias. Um desses dias, inclusive, fomos com a câmera da rádio para tentar entrevistar o Magalhães, ele com a sua “tem nada o que falar agora, sai fora” e tal. E, na antevéspera, um outro indício que, digamos, muito sintomático é de que começou exatamente dentro do que se considerava uma das peças mais importantes da estratégia golpista, é tomar exatamente os postos de abastecimento de combustível. E, antevéspera de 31 de março, a polícia já havia estabelecido um controle sobre os postos de gasolina em Juiz de Fora, onde naquele dia de 31 de março havia uma disponibilidade de 850mil litros. Esse trabalho de monitoramento dos postos de gasolina, quer dizer, não vender para particular e modificar aquela reserva na eventualidade das necessidades da tropa, esse trabalho foi liderado pelo então capitão da polícia militar aqui, Edmar Moreira, que depois tornou-se deputado federal. Esse era o movimento. E a gente sentia também porque, no Diários Associados, nós tínhamos o noticiário nacional fornecidos pela ANDA (Agência Nacional de Diários Associados), e a gente tinha também um perfil do clima, aquela confusão no Rio de Janeiro, a assembleia dos marinheiros, aquela coisa toda, e greve em cima de greve. A gente estava no clima da coisa, de que alguma coisa ia acontecer. Quando chegou no dia 31 mesmo, a gente soube da primeira prisão em Juiz de Fora que foi do diretor regional dos Correios daqui. Aí a gente soube então que estava em curso efetivamente um golpe de Estado.
Gabriella: E como foi esse início logo após o Golpe, quais foram as primeiras mudanças sentidas dentro de uma redação?
Wilson: Pois bem, no dia 31 a coisa foi relativamente normal até as 17 horas, porque havia a convocação para o rádio transmitir e os jornalistas assistirem à leitura de um manifesto do general Mourão Filho, lá no comando da 4ª Região Militar. Até àquela hora as coisas foram razoavelmente controladas na redação, mas logo depois disso, já às 19 horas, havia uma censura sobre as emissoras de rádio daqui para não poderem transmitir A Voz do Brasil. E aí já vinha discurso do João Goulart, do Abelardo Jurema e ato do governo demitindo, destituindo o general comandante, então, as rádios daqui já foram o primeiro instrumento de censura, e já não puderam transmitir A Voz do Brasil. O segundo momento foi no dia seguinte, com um jornal que tinha na Rádio Sociedade, chamado o Diário dos Fatos, em que, às 9 horas, nós já estávamos com o programa todo censurado. Esse programa nós guardamos, taí no futuro Museu do Rádio, com censura… os censores não deixaram mais sair.
Gabriella: E o veículo em que o senhor trabalhava, tinha uma posição editorial, e como essa foi passada depois do momento do golpe? Foi uma coisa mais explícita ou uma coisa que foi passada sutilmente neste momento da ditadura?
Wilson: Não, não houve sutileza nenhuma, não. Porque, em rigor, o Diários Associados, dos quais pertenciam tanto o Mercantil como a nossa Rádio Sociedade, o Associados já tinha uma posição muito clara a favor do golpe. Liderados pela… os Associados se colocaram muito a favor da destituição do presidente da república. Então, nós tivemos dois tipos de censura, uma militar, do golpe, e outra da própria empresa que tinha interesse em cima de bem situar com os dirigentes da ordem.
Gabriella: E como os seus colegas e o senhor reagiram a essas orientações passadas? Como foram dadas essas orientações e como mudou o seu trabalho dentro da redação?
Wilson: A orientação foi muito clara, porque você vê… a não ser alguns, como o Hipólito Teixeira, o Caron, alguns pouquíssimos, o Oswaldo… alguns pouquíssimos da redação que vinham com experiência do golpe de 1930, e depois da situação com Jânio Quadros em 1961, a não ser esses poucos que tinham experiência, a censura era uma novidade para todos nós. Mas como é que ela foi dada? Até uma hora que vocês tiverem disponibilidade eu posso mostrar a vocês, a Polícia Federal chegava com um telegrama e perguntava “Quem é o editor aí?”, “Sou eu”, “Faz o favor de ler o telegrama”, “Por ordem do Ministério da Justiça fica proibido divulgar qualquer pronunciamento do Arcebispo… da Câmara”, “Leu?”, “Leu”, “Assina aqui atrás”, e levava embora. Mas uma cópia dessas nós retivemos, conseguimos guardar e está até hoje guardada. É um documento importante para provar como era… da censura nessa época. E a gente, apesar das dificuldades colocadas pela própria empresa que não queria “dissabores” com o regime que estava se instituindo, apesar disso, nós ainda conseguíamos, de vez em quando, deixar em claro a área, o trecho censurado, tendo deixado em branco ou colocava lá um, sei lá, uma receita de bacalhau qualquer.
Gabriella: O senhor ou algum de seus colegas tinham alguma militância em grupos de esquerda que tinham alguma expressão em Juiz de Fora?
Wilson: Não, tínhamos lá dois que participavam do… que eram integrantes do Partido Trabalhista Brasileiro. Tínhamos o Ismair Zaghetto, que era da assessoria do então prefeito Itamar Franco, então, não havia assim militância. Eu assisti a algumas reuniões da Ação Nacionalista, que funcionava ali do lado do Cinema Central, mas não há assim grandes vínculos partidários, não tínhamos não.
Gabriella: E nos seus familiares, houve alguma militância, algum vínculo dessa forma?
Wilson: Não, estávamos todos distantes da militância partidária. Meu pai era um ferroviário, trabalhador braçal, tinha sim sua simpatia pessoal pelo Getúlio Vargas, né, por causa da legislação trabalhista criada da qual ele era beneficiário, né. Mas militância direta nem ele nem eu. Aliás, eu, uma breve exceção, quando o Roberto Medeiros, o José de Castro Ferreira tinham grande dificuldade em montar aqui o MDB, que antecedeu o PMDB, me convidaram e, então, eu entrei. Fiquei alguns meses, talvez pouco mais de um ano no MDB. Mas é porque ninguém queria entrar com medo da ditadura, aquela coisa, mas logo depois eu saí. Porque eu não tinha interesse em militância partidária.
Gabriella: E houve algum dos seus colegas que foi preso? Como se deu esse episódio?
Wilson: Nós sabíamos de pessoas que estavam sendo presas, mas jornalistas não. Houve assim caso de constrangimento pessoal, por exemplo, o Pedro Paulo Taude, era correspondente do Jornal do Brasil, e foi chamado para depor na 4ª Região. Ele se apresentou e rasgaram a carteira de jornalista dele naquele momento. Constrangimento! A mim e ao Cláudio Temponi, que tínhamos esse programa do qual te falei, na Rádio Sociedade, chamado Diário dos Fatos, houve três convocações para ir lá prestar informações, mas sem violência física. E, quando veio aqui, ainda em 1964, Castello Branco, me negaram a credencial para fazer a cobertura do presidente, por razões que até hoje eu não conheço, a não ser a antipatia pelo regime que estava se impondo. Mas caso assim de constrangimento, mas não de violência física. Não tivemos casos não, embora soubéssemos que aqui havia casos de pessoas que estavam sendo submetidas a maus-tratos. A gente sabia, mas jornalistas não.
Gabriella: E como era a cobertura desses relatos, porque com a censura vocês não podiam falar claramente dessas pessoas que desapareciam, que eram presas, como acontecia a cobertura de acontecimentos desse tipo?
Wilson: Olha, a gente praticamente não teve esse tipo de cobertura porque a censura era muito intensa, sobretudo em relação a isso. Por exemplo, na prisão do Clodesmith Riani, que era presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria, nós tivemos a comunicação da prisão do Riani, da apresentação dele aqui no comando regional, do deslocamento dele para a cela, tudo isso, mas nós não podemos chegar para conversar com ele, a não ser depois do julgamento. Aí, tivemos uma cobertura completa. Mas era muito limitada a cobertura, porque não era de interesse deles que fizesse isso. Na verdade, eles só tiveram, em 1964, um momento de interesse na comunicação, que foi o primeiro dia do golpe, nós tivemos liberdade total do comando. Por quê? Porque o comando tinha interesse na divulgação, mas depois que acabou esse interesse nós ficamos inteiramente afastados da liberdade de comunicação. Nesse primeiro dia, nós pudemos… as ligações do comando com o general Kruel, as brigas telefônicas com Magalhães, com o general Kruel, aquela dificuldade em relação à posição do general Ladário, aquelas coisas todas nós pudemos cobrir, mas porque naquelas primeiras 24 horas isso era do interesse deles. Mas a gente sabia, por exemplo, que houve caso de simulação de fuzilamento de madrugada para os presos, lá na cela, ficarem temerosos, mas a dificuldade de cobertura disso era muito grande porque a gente dependia do preso, mas não podíamos estar lá, dependia do relato de familiares que tinham acesso aos presos, mas chegava aqui fora eles não podiam dizer nada porque comprometia o que tava lá dentro. A dificuldade foi muito grande em relação a isso.
Gabriella: E como que ficava o clima dentro da redação com a censura que atrapalhava o exercício da profissão e limitava esse exercício?
Wilson: Por exemplo, você começava a fechar o jornal, como você sabe o jornal é fechado por página, né? Lá pelas 3 horas você fechava a parte de cultura, aí depois vinha policial, a cidade, economia, essa coisa, a capa e tudo. Então, já era da cultura para o caderno fechar já fica a censura ali, e lia as matérias para saber se não tinha algum recado sutil, alguma coisa assim. Mas aqui, em relação à cultura, nunca teve maiores dificuldades, não. Eles tinham um policiamento muito rigoroso aqui em relação a uma figura chamada José Paulo Netto, era um… da faculdade de serviço social, escritor, crítico literário muito firme, muito rigoroso, intelectual do primeiro nível. E como ele escrevia e era colaborador do caderno do Diário Mercantil, caderno de cultura, eles ficavam muito interessados em saber o que o jornal ia publicar no dia seguinte. Agora, depois é o seguinte, fechava política às 19 horas, tava lá o censor, aí lia aquelas matérias e ia embora. Até isso foi esvaziando aos poucos até acabar definitivamente.
Gabriella: O veículo pode cobrir os movimentos grevistas ou isso foi totalmente censurado e não havia como cobrir como esses maus-tratos e prisões?
Wilson: As prisões a gente sabia que havia as prisões, sobretudo quando começaram os julgamentos na Auditoria da 4ª Circunscrição Militar, porque entrava o promotor denunciando e entrava o advogado fazendo a defesa, e a gente ali, então, ficava sabendo. E nessa época… era correspondente do Globo e teve coisa muito interessante desse período… muito interessante. Mas assim, saber diretamente do preso, fulano está apanhando, fulano foi ser indiciado, na época era complicado. A gente não tinha acesso a esse tipo de informação. Por exemplo, um dia que, uma das três vezes que eu fui convidado para ir lá prestar informações… (corta gravação, faltam trechos).
Gabriella: E como eram feitas as coberturas desses julgamentos, qual era a diferença?
Wilson: A dificuldade maior que a gente tinha eram os julgamentos muito extensos, então, avançava do horário de fechamento do jornal. Terminava 2 horas da manhã e não dava mais tempo. Então, sempre ficava pra edição seguinte. Essa foi uma dificuldade. Raramente um julgamento terminava em tempo suficiente para você dar cobertura. A não ser quando eram julgamentos não-políticos. Por exemplo, assalto a banco era questão de segurança. Aqui julgou-se muitas vezes o caso do Dino Valesi, foi o maior assaltante de banco daquela época. Mas tinha pouco a ver com o golpe militar. Esses julgamentos, geralmente, eram mais rápidos, então, a gente conseguia fazer a cobertura adequada. Mas lidar com a censura, isso é muito chato, deixa uma marca que você não quer nem saber. A marca mais grave disso tudo é a que criamos uma geração de jornalistas preocupados… na escrita, “segundo disse, fulano de tal declarou”, o jornalista às vezes tem medo de assumir a informação. Ele atribui ao outro…
Gabriella: Qual foi o momento de maior tensão nessas coberturas? Qual foi a cobertura que gerou maior tensão?
Wilson: O momento de maior tensão foi quando um avião da FAB sobrevoou a cidade jogando aqui folhetos da destituição do comandante da 4ª Região Militar e aquela… a notícia de que, provavelmente, o quartel seria bombardeado. E nós estávamos lá dentro. Mandaram que eu apagasse todas as luzes para não dar um eventual bombardeio a… (corta gravação, faltam trechos).