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Obregon Gonçalves

Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora

Depoimento de Obregon Gonçalves

Entrevistado por Cristina Guerra e Helena da Motta Salles

Juiz de Fora, 16 de janeiro de 2015

Entrevista 026

Transcrito por: Fernanda Gutierrez

Revisão Final: Ramsés Albertoni (17/11/2016)

 

Obregon: Meu nome é Obregon Gonçalves, sou advogado, bacharel da turma de 1960. Sempre militei no campo da área do direito criminal e… Nos idos de 1960, nos idos de 1964 fui empurrado, vamos assim dizer, né, para um dos momentos que o país atravessava, que era um tipo de revolução. Inicialmente, ajudando alguns companheiros que precisavam de socorro, então, eu passei a servir de ponte para que alguns se escondessem, se refugiassem. A minha futura sogra, depois foi minha sogra, era mãe da minha noiva, era uma mulher de princípios religiosos muito fortes, e eu conversei com ela que eu precisava esconder umas pessoas e que a casa dela poderia servir desse esconderijo, que era um esconderijo provisório, porque ninguém haveria de suspeitar, porque ela não tinha atividade política, não estava ligada a ninguém. E, assim, eu conduzi algumas pessoas para a casa dela. Como ela era muito ligada à igreja católica do bairro, no caso os frades, os frades franciscanos, com quem também eu convivia bem, resolvi pedir a ela se ela podia conversar com o frei Edealberto Pon (?), que era o vigário, para ver se a gente podia esconder alguém lá, no convento. Ela foi, conversou, ele me chamou lá e falou “Não, pode trazer, traz aqui que nós vamos transformá-los em frater”. Frater é irmão, né, quer dizer, se não são ordenados, são irmãos. A gente bota um hábito neles aí e tá tudo certo. E assim eu consegui levar algumas pessoas, que eram esconderijos transitórios, uma semana, duas semanas, quinze dias, às vezes um mês, até que a gente pudesse, pudesse acalmar aquela turbulência da noite de 31 para 1º e esse povo depois ou… ou arranjava outro esconderijo. Porque o que que aconteceu em Belo Horizonte no início, na hora em que estourou a revolução? O pessoal da UDN, a juventude da UDN, que era de direita, eles criaram um grupo paramilitar e este grupo paramilitar, chamados os faixas-amarelas, passaram uma faixa amarela no ombro e saíram pela rua prendendo, matando, denunciando, ene pessoas, pessoas que nem eram comunistas, mas que, às vezes, tinham uma desavença com outro, uma raiva, ia lá, prendia. Então, estas pessoas precisavam de sair de circulação até que a coisa acalmasse. Quando acalmou, vários deles vieram depois… inclusive eu, naquela época, teriam até… depois é que eu fui saber, eu e o meu colega de escritório, que era o Segismundo Gontijo, porque eu, nós tínhamos sido, Segismundo tinha sido presidente do centro acadêmico e eu tinha sido o tesoureiro do centro acadêmico e, na faculdade, eu pertencia a uma facção, que chamava UDU, União Universitária, Democrática Universitária, que era um pessoal de esquerda, tinha participado de greves, de… de… um monte de atividades, luta contra os americanos… aquelas coisas todas. Então, eles foram lá e nos entregaram. Nós não fomos presos porque o delegado do DOPS que estava… que era o Davi Assan (?), tinha sido meu colega num curso, porque eu tinha feito um curso de fisiologia (?) na academia de polícia, tinha estudado com ele, ele me conhecia e sabia que eu não era aquilo… então, eles não cumpriram os mandados de prisão, quando passaram por nós falaram “Olha, aquilo que chegou de vocês, já rasguei”. Pronto, acabou. E aí, esses outros todos, estas pessoas todas foram salvas por isso também, muitos deles. Bom, instaurado o processo revolucionário, a minha sogra tinha um sobrinho, que era o Sinval Bambirra, ele tinha sido preso, era deputado estadual, foi preso, cassado, juntamente com o… o Riani, que era deputado também, e o… e o… Dazinho, e precisavam de assistência profissional. Então, eu vim aqui, então, onde que podia ir, Juiz de Fora, na auditoria militar. Cheguei aqui, a revolução foi no dia 31 de março, eu e Jair Leonardo, viemos pra cá, Jair veio também comigo para advogar… nós chegamos aqui no dia 4 ou 5 de abril, o clima era horroroso.

Cristina: O senhor tinha quantos anos, doutor?

Obregon: Em 1964… eu tinha, eu tinha 28 anos. Aí, o clima inseguro, todo mundo tinha medo de tudo, ninguém tinha coragem de nada, ninguém falava nada, você não conseguia uma informação, um clima hostil, até para nós, advogados, né. O auditor era o Waldemar Carvalho, Lucas Rego de Carvalho, o promotor era o Simeão, o escrivão era o Fábio, que também tinha todo… ninguém falava nada, ninguém informava nada. Com muito custo conseguimos, depois de muita conversa, a informação que tinha uma prisão preventiva contra esses… mas nós não conseguimos peças dessas, pra fazer um habeas corpus, nem nada. Posteriormente, voltamos outras vezes, aí a coisa foi melhorando o clima, mas mantinha-se sempre um clima intolerável. Aqui, na auditoria militar, o que se notava é que tinha um cidadão que mandava e que todo mundo tinha medo, era o promotor Simeão de Faria Filho. O Simeão era um cidadão de pouca cultura jurídica, podia ser professor de história e tal, mas não tinha cultura jurídica nenhuma. Então, ele tinha medo da gente, de enfrentar os advogados, e ele, então, se impunha através daquela “tem que prender, tal, tal, fazer, tal, olha lá, você pode ser denunciado, você pode ser…”. Todo mundo, então, vivia sob um clima de insegurança. E mais, o Simeão, e aqui esse é um ponto histórico interessante. A auditoria militar, tanto o Simeão quanto o Waldemar não eram titulares, eles não tinham feito concurso, nem o Waldemar para juiz e nem o Simeão para promotor.

Cristina: O Waldemar é o Jacaré Engomado?

Obregon: Jacaré engomado, o Waldemar tinha esse apelido. Eles não tinham feito concurso, eles não eram titulares, estavam ocupando o cargo ocasionalmente, porque eles eram juízes substitutos, eles eram nomeados pelo comandante da 4ª RM. Então, eles tinham medo… se brigasse com o advogado, se não tratasse o advogado bem, qualquer coisa, podia perder o cargo. E eles sabiam que se eles ficassem no cargo durante 5 anos, eles seriam efetivados. Então, eles lutaram desesperadamente para se manter neste cargo, fazendo horrores, cumprindo tudo o que tinha que cumprir e, às vezes, cumprindo até o que os militares não queriam. Nem o que os militares queriam. Eu vou citar só um caso aqui, eu tinha feito um habeas corpus para 155 estudantes e ganhei o habeas corpus no STJ, no STM. Aí, o Simeão, quando leu a minha petição, fez uma denúncia, dizendo que eu tinha ofendido o “pudoror” da justiça militar, um crime grave, e que eu tinha, inclusive, agredido a honra do juiz e do promotor, dizendo que eles eram analfabetos, porque eu tinha dito que o Conselho de Justiça tinha praticado um erro grosseiro de direito ao receber uma denúncia que era inepta. Então, ele dizia “Se a denúncia é inepta é praticada por quem não sabe das coisas, é ignorante”. Então, ele pedia que se instaurasse um procedimento contra mim, criminal. Aí, eu fui convocado, intimado para comparecer, vim aqui na auditoria militar. E minha mulher ficou com medo, toda preocupada, a imprensa noticiou que eu seria preso, porque fizeram e anunciaram para a imprensa que eu iria ser preso. Aí, eu vim, chamei… o Jair veio até me acompanhando, porque a ordem assim determinou. Quando chegou na auditoria, o major que presidia a sessão deu a ordem ao Simeão, ele ratificou tudo, que eu tinha ofendido, que era crime passível de prisão, tá tá… Me deu a palavra. Eu simplesmente disse: “Oh major, eu estou aqui diante de quatro juízes leigos, os senhores são leigos, o senhor sabe o que que é leigo? É quem não tem a especialidade profissional, os senhores não são formados em direito. Os senhores são militares, são homens de caserna. O doutor promotor ali é formado, o auditor é formado, tem o direito, o dever e a obrigação de saber, de conhecer o procedimento e as leis. Eu estou sendo acusado, o que eu disse, que o Conselho praticou erro grosseiro de direito. O senhor sabe o que quer dizer ‘erro’, em direito? Quando eu digo que alguém praticou um erro eu não estou dizendo que o sujeito errou não, porque quando eu digo que o senhor não tem ‘competência’, eu não estou dizendo que o senhor é ignorante não, eu estou dizendo que o senhor não tem competência legal. Quando eu digo que o Conselho praticou erro grosseiro de direito é porque ele foi levado a uma decisão porque o outro é que foi desonesto com ele, enganou. Os senhores foram enganados. Então, os senhores erraram, porque os senhores não são especialistas, foram levados, porque os senhores não conheciam da lei, e foram enganados por isso. Quando eu digo que a denúncia é inepta, é porque ela não preenche os requisitos da lei. Pela lei, nós temos aqui um instrumento, está aqui o artigo, diz que a denúncia tem que ser revestida de formalidades intrínsecas e extrínsecas. O que que são as extrínsecas? Eu tenho que dizer o nome de quem que é, qual o crime que ele praticou, e intrínseca, eu tenho que escrever qual foi o crime que ele praticou. E isso não existe, e por isso foi que os militares concederam. Pede ao doutor Waldemar aí, que é o presidente, que é o auditor, para mostrar o habeas corpus. Taí o acórdão. Concederam a ordem porque o Conselho praticou erro grosseiro de direito e a denúncia é inepta. Então, quem me disse que os senhores aceitaram sem ser crime foi o tribunal, não fui eu, não. Aí, então, o senhor me dá licença, eu trouxe aqui 3 dicionários de direito, de interpretação jurídica, vou ler”. Li os 3. Quando acabei de ler os 3, os 3 dicionários, o major que presidia a sessão parou, o escrivão era um sargento, chamava Nilson, “Senhor Nilson, põe na ata aí”, aí, o Waldemar virou e falou assim “Mas o senhor não vai colher o voto do Conselho?”, ele falou “Não, eu vou decidir. O senhor pode ficar tranquilo que eu vou decidir. E o que eu vou decidir é o que o Conselho pensa. Se o senhor pensa ao contrário o senhor faz o voto do senhor separado. Nilson, põe na ata aí, o Conselho de Justiça, por unanimidade de seus membros, pede desculpas ao doutor Obregon Gonçalves, porque o Conselho mais uma vez praticou erro grosseiro de justiça. Está encerrada a sessão”.

Cristina: Então, esse juiz era um juiz…

Obregon: Capacho. Ele não podia nem ter levado aquela coisa…

Cristina: A julgamento.

Obregon: E ele entendeu que não podia, porque quando a pessoa… Ah, não, e eu disse mais ainda… não… eu esqueci de um detalhe que foi importante. Quando eu estava lá eu falei “Oh senhor major, eu não sei o que eu estou fazendo aqui”, “Ah, o senhor está aqui, chamado para explicar o que tá aí, essa acusação…”. Bom, bom, vamos chegar lá. “Eu primeiro dou satisfação dos meus atos à minha consciência. Segundo, eu devo satisfação dos meus atos ao meu cliente. Terceiro, eu devo também satisfação dos atos que eu pratico no exercício da profissão ao Conselho de Ética da Ordem. Eu não tenho que dar satisfação aos senhores não, do que eu pratico não. Os senhores podem julgar o que eu requeiro, porque eu não requeiro no meu nome. O senhor sabia disso senhor major? O senhor olha o que tem aqui, pê, pê, por procuração. O senhor tem que processar, então, são os réus. Não sou eu não…”. E essa é a verdade, né, você é advogada… (risos) E ele foi entendendo. Quando acabou a sessão, depois disso, ele virou, acabou a sessão ele virou, eu fui saindo, acabou aquele negócio, o Waldemar em cima, ele falou assim “Eu quero conversar com o senhor”, “Comigo?”, “Na minha sala”. Fui na sala dele e ele falou “O que que está acontecendo aqui?”, eu disse “Isso que o senhor viu, isso aqui é um festival de besteira”, ele falou assim “Mas acabou hoje”.

Helena: Ele viu…

Obregon: “A partir de hoje isso não vai acontecer mais”.

Helena: Ele viu…

Obregon: Ele viu o que estava acontecendo. Bom, então, essa era a auditoria. Havia muita fofoca, todo mundo com medo, e todo mundo tinha medo do comando do exército. Até que vai acontecer aqui um fato interessante. O Waldemar ficou lá tantos anos, acabou se aposentando na função e veio para cá o Antônio Arruda, pra ser juiz. E o Arruda era um homem íntegro que chegou aqui e não acatava o comando do Simeão. E vai acontecer o primeiro incidente entre o Arruda e o comando da região militar. O Conselho de Justiça é composto de 4 militares e 1 civil, e esses militares são sorteados de 3 em 3 meses dentre os oficiais que integram a região militar. Então, o Arruda mandou um ofício ao comandante da 4ª Região Militar pedindo que ele mandasse a relação dos oficiais que deveriam, naquele exercício, participar do Conselho, e me parece que o comandante da RM mandou só o nome de 40 ou 50 militares só, oficiais. Aí ele falou assim “Não, eu quero de todos”, ele falou “Todos, são esses que estão aí”, “Não, eu quero de todos”, “Mas são esses…”, “Eu quero de todos”. Aí começa a primeira briga com o Arruda, do Arruda com o comando. E isso foi criando um clima ruim e não se sorteou, para o próximo triênio, os oficiais. Eu e o Jair Leonardo participávamos de um processo em que estavam envolvidos vários jornalistas, advogados, pessoas de Belo Horizonte, de Uberlândia, e de outras cidades, que integravam o famoso Grupo dos 11. Eram acusados disso, de integrar o grupo. Entre eles, acho que posso falar, tinha o Antônio Romanelli, tinha o Guido (?) de Almeida, que era um famoso jornalista, o Rúbio Marconari (?) que era um dentista de Uberlândia. Esses 3 processos, me parece que eram 15 réus. E tinham sido esses 15 réus todos denunciados, não, tiveram a prisão preventiva decretada e estavam presos. Quando terminou o inquérito, que o inquérito foi remetido para a justiça militar, o Simeão, que era o promotor, não… deixou de denunciar 5 e pediu o arquivamento em relação a 3. Então, dos 15, ele tirou 8 e pediu que prorrogasse a prisão preventiva dos 5 que ele não tinha denunciado. Nós estávamos lá, presentes, o Arruda presidia a sessão, aí deu a palavra para o Simeão, ele disse “Então, eu ratifico a prisão, prisão preventiva de todos, inclusive os que não haviam sido denunciados”. Na hora em que ele deu a palavra para mim e pro Jair nós explicamos ao Conselho que era impossível decretar a prisão preventiva daqueles 5 porque eles não mais faziam parte do processo. E por que eles não faziam? Porque eles não foram denunciados. E eles não foram denunciados por quê? Porque naquele inquérito não se encontrou nenhuma prova que pudesse justificar a acusação contra eles a ser invocada. Aí, o Simeão volta “Não, mas eles terão que ser presos porque eu vou mandar instaurar outro inquérito contra eles”, “Se vai se instaurar, que se instaure primeiro para depois mandar decretar a prisão preventiva”. E aquilo ficou um debate danado até que o Waldemar, o Waldemar não, o Arruda, antevendo o que iria acontecer, falou assim “Oh major, então está resolvida a questão, então vamos decidir”. Eu… e antes dele mandar ouvir… (pausa) o Conselho, ele falou assim “Eu estou mandando expedir um alvará de soltura em favor dos 5 que não foram denunciados e mais dos 3 que o Simeão disse que não praticaram crime nenhum. Todos os 8”, aí o major falou “Ah, mas o senhor não decide”, “Mas eu, essa questão é minha, essa questão é do juiz monocrático e não do Conselho que é um colegiado, eu já decidi isso nos autos, está decidido aí. Então, eu não vou por isso para votação”, ele falou “Não, mas eu vou por”. Com isso, todos nós vimos que o que iria acontecer? Ele iria ouvir os 4 militares, ia mandar dar continuidade à prisão. Nesse instante, o Waldemar falou assim “Então, se o senhor vai fazer como o senhor quer, dá licença que eu estou me retirando”. Levanta-se e vai para o gabinete dele. E a lei, o código de processo penal militar, não permite que o Conselho decida sem a presença do auditor, vale dizer, então, não podia decidir sobre a prisão dos 5, tinha que mandar soltar. E aquilo criou um clima insustentável, ficou aquilo, vai major, vai lá, mandou o Simeão ir lá buscar o cara, mandou recado, mandou o oficial de justiça, e o Arruda “Não vou”. Eu fui lá, conversei, ele falou assim “Não, doutores, os senhores não têm nada… Eu quero que o major saiba que eu só vou voltar se essa matéria não for objeto de votação. Porque ela está fora de discussão. Porque se for eles vão mandar prender os seus clientes. E eu não vou concordar com isso, porque eu já decidi”. E aquilo gastou umas 2 ou 3 horas, aquilo um clima ruim, nisso, alguém avisou à imprensa local, os jornalistas surgiram lá querendo saber o que estava acontecendo e aquele blá, blá, blá, aquele negócio todo. Depois de muito custo, nós resolvemos, até fui eu, eu e o Jair, nós fomos conversar com o major, fomos lá, falamos “Oh major, deixa eu explicar para o senhor, para o senhor entender o que que é. O juiz não tá favorecendo ninguém, não, o juiz não tem competência, a matéria já está decidida. Por que que está decidida? Porque esta decisão é dele, juiz monocrático. Como eles não foram denunciados, ele mandou expedir o alvará de soltura. Tem que se cumprir. Agora, eles poderão ser presos, podem, se tiver outro processo, outro fato, outra denúncia, outra coisa, prender num outro… nesse processo eles não podem ser mais presos”. Aí, eu acho que nesse momento ele entendeu, aí também resolve, aí voltou para a sala de sessão, e assim se resolveu, não se decretou. Mas aí foi o pingo d’água, já… já tinha um outro fato lá levado a esse problema lá com o general lá, dizendo que ele queria mandar soltar os criminosos, os bandidos, aquela coisa toda que a gente conhece, e daí a uma semana sai o ato de cassação dele.

Helena: Quer dizer, foi a gota d’água mesmo.

Obregon: Foi a gota d’água, isso aí foi o que acabou de entornar o caldo, já vinha um clima desfavorável contra ele, porque ele não concordava, ele não aceitava. Ele passou, e essa é a verdade, ele passou a gerir e a administrar a auditoria que, enquanto o Waldemar estava, quem mandava era o Simeão. Era quem decidia quem ia ser julgado, como é que ia ser julgado, quem ia ser preso, quem não ia ser preso…

Cristina: Doutor, o senhor disse que chamaram… a imprensa apareceu. Como é que era, a imprensa podia participar do…

Obregon: Entrar na sala de au… subir lá em cima podia porque era público.

Cristina: Sim.

Obregon: Chegava lá, na porta, ficava lá, ficava bisbilhotando, ficava vendo o que estava acontecendo, chamava a gente num canto e falava “O que que é?”. Aí a gente falava.

Cristina: Mas eles noticiavam?

Obregon: Noticiavam, o julgamento, o que que acontecia era noticiado.

Helena: Doutor Obregon, o senhor tá contando aí como é que foi o seu contato com Juiz de Fora… Eu queria que o senhor falasse um pouco sobre… Porque o nosso tema na Comissão é violação aos direitos humanos, né, situações dos seus clientes assim… que eles relataram… de maus tratos, tortura, espancamento…

Obregon: O padre Lage, por exemplo, queixava muito, ele nunca me disse que foi espancado…

Helena: Ele foi seu cliente…

Obregon: Foi cliente, eu o defendi, ele foi julgado… ele… ele… o padre Lage foi condenado a 28 anos de prisão, artigo 2º da lei 1.802 (?)… e aliás, até no dia em que ele foi julgado, um negócio, quando acabou o julgamento, ele tinha um irmão, eu não sei se morreu, que chamava Renault, era um ser que saltava, falava alto demais, e na hora que acabou o julgamento o Renault falou assim “Não é possível!”, aí o pessoal “Não, calma, calma, calma…” Aí o *** chamou, doutor Obregon, vem cá que eu preciso falar em particular com o senhor na minha sala. Eu disse “O que que foi?”, “Pois é doutor, o irmão dele tá nervoso, eu até gosto muito do irmão dele, mas o senhor transmita para a família que eu sou católico apostólico romano, um homem de comunhão diária, e eu não votei… eles queriam dar 30 anos… foi uma luta para conseguir esses 28…”, eu falei “28, 30, 40, 50, é a mesma coisa, ele já tá na França, doutor, ninguém põe a mão nele, não…” (risos). Ele foi julgado… porque eu consegui o habeas corpus, ele foi solto no mesmo dia que me deu o habeas corpus, que eu cumpri o habeas corpus, eu botei ele no carro e o despejei na embaixada do México. De lá ele foi embora, acabou… (risos).

Helena: Se livrou…

Obregon: Se livrou. Sabia que não ia acontecer nada, todo mundo sabia. Porque ele era um dos que estavam no Index. Porque o que acontecia na auditoria, quando a gente vinha para o julgamento, já sabia o que ia acontecer. Porque antes já tava tudo ajeitado… Porque o sujeito não tinha como condenar, não tinha crime, não tinha praticado nada. Mas aplicava pena, penas altas, graves, né… Igual aplicaram no padre, 28 anos.. Mas o padre sempre queixava que eles jogavam na cela dele água no chão.

Helena: Aqui em Juiz de Fora?

Obregon: É, no 4º RECMEC. E que com isso ele não podia deitar, não podia dormir… aquilo era uma forma de tortura.

Helena: A cela sempre molhada.

Obregon: É, sempre molhada.

Helena: É 4º RECMEC?

Obregon: 4º RECMEC.

Helena: É 4º…

Obregon: Região… 4º Regimento de Cavalaria… Mecanizada, que chama.

Helena: Mecanizada, tá.

Obregon: Era, ficava ali na beirada da linha, lá em cima. Até não sei se existe… ah, hoje não existe mais não, porque parece que isso foi transferido pra… pra… Sete Lagoas. Esse 4º RECMEC hoje, essa unidade, está funcionando em Sete Lagoas, porque lá em Sete Lagoas hoje fabrica aqueles tanques, aqueles negócios, né…

Cristina: Doutor, tinha defensor público atuando na auditoria?

Obregon: Tinha, tinha.

Cristina: O senhor se lembra de algum?

Obregon: Lembro, aliás, acho que… depoimento de um cidadão que merece todas as nossas honrarias, que merece todo o nosso respeito, que era um homem corajoso, destemido, que nunca se intimidou com ninguém e que sempre teve a coragem de assumir a tribuna, falar o que pensava e o que sentia, às vezes até agressivamente, que era o famoso Teixeirinha. Que eu acho que a OAB nunca prestou, para esse cidadão, uma homenagem. E ele é digno de todas as honrarias, de todo… Ele tinha um respeito nosso, de todos os advogados que aqui militavam. Porque, às vezes, a gente ia, virava e falava “Oh Teixeirinha…”. Ele era um sujeito muito tranquilo, falava assim “Oh, fica calmo, deixa comigo, isso aí, pode deixar que eu não tenho medo desse povo aí, eu jogo isso aí”. E jogava, e metia o cacete. Ele falava o que pensava, o que sentia… E ele nunca se intimidou.

Cristina: Doutor, tem também… o doutor Modesto falou sobre “decretos secretos”. O senhor defendeu alguém com essa acusação?

Obregon: Não, decreto secreto, não.

Cristina: O senhor tinha conhecimento disso?

Obregon: Conhecia, todo mundo conhecia isso. Todo mundo conhece essa história. Eu conheci outra história. 90% dos inquéritos eram fundados, fundamentados, em relatórios secretos, né, tava aquilo ali “relatórios secretos”. E esses relatórios secretos eram subscritos pelo agente PM 42, pelo agente S 2-47. Não tinha nome. E na maioria desses, desses coisas, eram às vezes falsos. Vou só relatar um episódio aqui. Eu defendi os médicos, o processo dos médicos. Era um processo de… também do Grupo dos 11. Estava o Sérgio de Castro, que foi prefeito de Belo Horizonte, tava o… o… os irmãos… é… pior que eu tenho o nome deles aqui… que foram depois secretários…

Cristina: O Jorge Nahas…

Obregon: Não, o Jorge Nahas, não. Esse era… eram… como é que ele chama… esqueci. Eram dois irmãos que eram médicos e que eram… depois um deles foi até secretário de saúde, do… do Sérgio de Castro. Tinha um médico de… de… lá de Belo Horizonte que era médico lá no Barreiro, tinha um advogado de Curitiba. Era um grupo de 11. E a prova que eles tinham nesse processo eram 2 relatórios que narravam que esse pessoal estava se reunindo costumeiramente, ou cotidianamente, na Rua Curitiba, 8. E que eles ficavam lá durante horas, naquela reunião, não sei o quê. Que ali era uma célula comunista e tal, pá, pá, pá… No dia do julgamento, aí, aí o que que eu fiz, eu fiz a prova, que na Rua Curitiba, a Rua Curitiba em Belo Horizonte, 8, era o…, era a zona boêmia braba, e que ali era um “rendez-vous” total de marinheiro. Como é que eu fiz essa prova? Eu fui lá dentro na polícia e consegui vários boletins de ocorrência da polícia que teve ação policial lá, ia lá, prendia, tinha as brigas, né, “Curitiba 8”, “‘rendez-vous’ de marinheiro”, tal, aquela coisa toda. Aí, juntei esse troço no processo. E arrolei testemunha. No dia do julgamento eu cheguei e falei “Esse relatório não vale coisa nenhuma. Como é que o sujeito vai fazer uma reunião de partido comunista lá na zona boêmia? No meio daquela putaria toda?”. Me desculpe a palavra, mas era isso, desse jeito. Os milicos ficaram me olhando assim, assustados, eles não conheciam Belo Horizonte… “Como é que com aquela porcariada toda, traficante, gigolô entrando e saindo do ‘rendezous’, os caras lá reunidos, tratando de revolução lá… Que isso, gente, isso é molecagem!”. Foram todos absolvidos (risos).

Helena: O Grupo dos 11, que eles eram acusados, eram aqueles grupos, os grupos do Brizola?

Obregon: Brizola, Grupo dos 11 era um grupo, era uma célula, né, comunista, né. O Brizola desenvolveu um negócio que chamava Grupo dos 11. Seriam células, seriam comunistas, de atividades comunistas ou revolucionárias, etc.

Cristina: Doutor, eu sei que o senhor dirigiu a Caixa de Assistência, em 1971, eu acho, né, 1972…

Obregon: É, eu fui até 1985, até 1980, é… até muitos anos, é.

Cristina: Então, nesse período, como é que seria a atuação da OAB em relação à ditadura… a essa repressão toda?

Obregon: Dura, a Ordem enfrentava.

Cristina: Pois é, a Ordem sofreu, a nossa Ordem de Minas sofreu algum atentado?

Obregon: Sofreu, sofreu, uai, eu sofri.

Cristina: Então o senhor poderia relatar pra gente?

Obregon: Eu era presidente da Caixa de Assistência e a Caixa tinha um carro, carro esse que servia à diretoria da Caixa. E um belo dia, era um Fiat, um belo dia chego na Ordem, ali na rua dos Guajajaras, 2h, 2 e meia, 2 e pouca, desci, parou o carro, o motorista parou, o motorista me pegava no fórum e me levava pra Caixa, pra trabalhar, eu ia todo dia, chegava lá 2 e meia, 3 horas pra trabalhar. Aí, cheguei lá, parei o carro, desci e fui pra Caixa. Quando eu estou lá na Caixa, esse motorista tinha o apelido de Fumaça, era um pretinho. Aí, quando eu tô lá na Caixa, na Caixa, ele entra esbaforido “Doutor, doutor, doutor!”, “O que que foi Fumaça?”, “Estouraram o carro lá fora!”, falei “O quê? Quem?”, “Corre lá!”. E eu saio pra fora, quando eu chego lá fora o carro tá pegando fogo. O guarda… tinha um guarda de segurança lá, eu perguntei o que que foi, ele falou assim “Eu não vi, doutor, eu só vi a hora que passou um táxi e daí a pouco o carro ‘bluf’!” Jogaram uma bomba molotov debaixo do carro.

Helena: Represália…

Obregon: Depois, jogaram bomba na casa do Raimundo Cândido também, que era presidente nessa época, jogaram bomba na casa do Raimundo Cândido…

Cristina: Presos, vocês foram presos nessa época?

Obregon: Não, ninguém nunca… Ameaças, muitas, né, eu sofri muitas ameaças e quem sofreu mais ameaças foi a minha pobre da minha mulher, que é uma santa, devia estar no céu, né, porque ela sempre recebia, às vezes, 1h da manhã, 2h da manhã, um telefonema “Fala com o doutor aí pra parar, se não parar vai morrer…”. Era o pessoal do DOPS. Até que um dia fizeram uma ameaça mais grave, eu tinha 3 filhos, e os meninos estudavam no colégio Pitágoras da Pampulha. Aí, ligaram para ela, tipo 10 e meia, 10 e pouquinha da manhã, falaram assim “Olha, a senhora não precisa buscar os filhos hoje não porque nós já apanhamos eles lá no colégio hoje”. Ela me liga desesperada, falei “O que que é?”, “Ah, o pessoal do DOPS ligou…”, “Como é que você sabe?”, “Ah, aquela voz…”. Era uma voz cavernosa… (imita a voz). Aí, o que que ela faz… desesperada, né… Nesse tempo eu já… eu tinha conseguido, montado no telefone um gravador, né, aí gravamos aquela conversa, a gente já tinha gravado uma outra conversa anterior de uns 3 ou 4 dias antes. 2h da manhã o telefone bateu, eu atendi o telefone, o sujeito “Oh doutor, tudo bem?”, “Tudo bem”, “Oh doutor, para com isso, doutor, vai embora, esquece, vai cuidar da sua vida, o senhor tem família…”. E tal, blá, blá, blá… Porque eu estava brigando, nessa época, com… tinha… tinha um menino, ele… tá me faltando aqui o nome dele… Fadini?… não… esqueci. Ele, ele tava preso e eles bateram muito nele, espancaram, foi espancado no DOPS, em Belo Horizonte. Ele tava preso num processo de um… que ele teria participado de um assalto à Caixa Econômica e tal. Aí, a família me pediu, eu fui lá no DOPS, consegui, ele tinha sido atendido no pronto-socorro, consegui os laudos que ele tinha, e requeri que fosse apurado o que que é isso. E o DOPS, então, dá uma informação para o juiz auditor, que era o Waldemar, dizendo que não, que ninguém espancou, que ele foi retirado da cela para ser ouvido, então, ele tentou fugir, na fuga, ele saiu do DOPS correndo, foi atropelado pelo ônibus. Por isso que ele tava todo arrebentado e tal. Mas nunca trouxe nesse processo qualquer prova, qualquer coisa. E isso a auditoria nunca tomou providência e eu estava insistindo… brigando, tava brigando com o DOPS. E tinha um outro fato também que eu estava brigando, que era um réu chamado Antônio Holandino de Araújo, ele era um dos diretores do Jornal do Povo, era o jornal do Partido Comunista. E, num dia lá de sol, o Holandino Araújo estava lá no sol, eles tinham colocado os presos, quando mandaram que os presos encostassem na parede, todos, e o Antônio Holandino encostou na parede. Veio um delegado, chamado Tacir Menezes Sia, chega lá e vai no Antônio Holandino, chuta a perna do dele, “Ah, seu vagabundo, tal…”. Aquela coisa, né. E o Holandino… e doutor… aí, leva a mão pra trás pra dar um soco no rosto do Holandino, na hora que ele dá o soco o Holandino tira o rosto, ele dá o soco na parede e quebra a mão. Aí, eles pegaram o Holandino e quebraram, moeram o Holandino no pau. Eu vim com isso também, aqui, pra cá, porque o Holandino não fez nada com ninguém, uai. Ele foi pra ser agredido, só que ele tirou o rosto, o delegado se machucou, foi problema do delegado. E eles naquela briga. Aí, eles começaram a me pressionar. Para, para, senão você vai morrer, tá, tá, tá… Mas aí, nesse dia que deu isso, minha mulher, então, desesperada, pega a gravação, sai lá de casa e corre pra Secretaria de Segurança Pública. Primeiro ela foi lá conferir que os meninos estavam lá, juntou os meninos e trouxe os meninos pra casa, não, botou os meninos no carro e levou os meninos pra Secretaria. Era secretário de segurança na época o coronel Flores. Naquela época, secretário de segurança era só milico, né. E ela chega lá, queria falar com o Flores, eles não queriam deixar… “Não, vou falar, tem que deixar”. E ela tava desesperada, doida, né, invadindo, aí o coronel recebe… “Eu sou esposa do Obregon…”. E eu era vereador, inclusive, na época, aí ele resolve me receber, receber a minha mulher. Aí ela chega “Oh coronel, tá acontecendo isso, isso, eu já não aguento mais, esses homem tá me levando ao desespero, tá ameaçando meu marido, pá, pá, pá…”. E o Zé Rezende era secretário de segurança… né, um homem de bem, era até meu amigo, aí, o Zé fica preocupado com aquilo… “Mas a senhora tá fazendo…”, ela disse “Tá aqui, ouça essas gravações”. Tinha uma gravação de uns 3 dias ou 4 dias antes, que o sujeito ligou lá pra mim e me… com essa mesma conversa “Você vai morrer, tal…”. Aquela coisa. Quando ele tava me ameaçando e eu tentando entender, eu dando corda pra ver se eu podia saber quem que era, quando, de repente, alguém grita, “Lá na Vila Garcia”, ele devia estar no DOPS “Oh Alumínio, vambora pô, tô te esperando lá no carro, você tá atrasando, nós estamos com serviço pra fazer, bora Alumínio”, aí eu falei “Oh Alumínio, é você?”, aí ele desliga o telefone. Aí eu falei assim, a minha mulher falou assim “Então, doutor Zé, quem tava no telefone era o Alumínio”. Esse Alumínio era um preto, monstro, um guarda-roupa. “Ele que tá ameaçando meu marido”. Aí, o Zé Rezende falou assim “A senhora pode ficar tranquila, isso acabou hoje, nunca mais”. E nunca mais mexeram comigo, porque eu já tinha identificado que era eles. E aí eu fiz… dessa gravação eu fiz um documento e desse documento eu comuniquei ao secretário de segurança, pra todo mundo, que eu tinha dado isso pra 11 pessoas. Que se eu morresse era o Alumínio que tinha feito, que eu tinha mandado pra fulano, fulano, pro delegado, tá, tá, tá… Nunca mais mexeram comigo, me deram sossego, graças a Deus. Então, isso tudo… Nós todos passamos por isso, né, e aquelas coisas que eram comuns… Você estava dirigindo à noite sozinho, vinha um carro preto, com os vidros tampados, o carro passa a te acompanhar, encosta em você, aquelas coisas… bobas, que a gente sabia que era intimidação, deixava pra lá. Mas esses fatos são os fatos que aconteceram comigo.

Cristina: O senhor defendeu algum menor? Porque aqui em Juiz de Fora a gente achou fichas de menores na penitenciária.

Obregon: Não, menor não. Defendi mulheres, defendi… mas menor, não. Defendi militares. Eu fui… um sargento no Rio de Janeiro que eles mataram aqui em Belo Horizonte, lá na delegacia de furtos. Mataram ele, queimando, todo queimado.

Helena: Militar?

Obregon: É, ele era sargento da aeronáutica. Trouxeram ele do Rio pra cá, ele tava envolvido com uns negócios, ele acabou morrendo.

Helena: Eu queria voltar, é pra gente… só… é… a questão dos presos, se o senhor se lembra de fatos, de alguma outra coisa de presos, igual o senhor lembrou do padre Lage, de presos aqui de Juiz de Fora, algum outro fato…

Obregon: Não, não… Os processos aqui tiveram tramitações normais, assim, não… do pessoal… a não ser o Dazinho, coitado, o Dazinho não, o Riani que acabou sendo condenado injustamente, né.

Helena: É, ele sofreu o diabo, né…

Obregon: Não, sofreu… apanharam muito, o Bambirra apanhou muito… Porque, inicialmente, eles ficaram presos no… no… CPOR, em Belo Horizonte, e lá era coman… lá quem fazia o interrogatório era o coronel Cavalieri, que era uma figura estranha. Tão estranha que quando a gente chegava lá para falar com ele, ele punha a gente sentado numa sala, aí ele vinha, que ele era cavalariano, ele, com aquelas botas, e ele usava um chicotinho. Ele vinha batendo o chicotinho na polaina, pow, pow. E ele dizendo que a gente estava fazendo coisa errada… com o advogado “O senhor sabe o que o senhor está fazendo? O senhor está fazendo um desserviço à nação…”. Aí fazia uma pregação… mas, não passava disso. Eu ouvia calado, deixa pra lá, não vou discutir com coisa… Agora, o pessoal queixava muito dele, do cavaleiro que comandava lá, inclusive o Bambirra, o Sinval, ele sofreu aqueles negócios, aquelas coisas que o pessoal chama “telefone”, é dois tapas, tchuf, tchuf. Ficou surdo. Quebrou, apanhou muito na boca, soco, quebrou os dentes, teve fratura no maxilar.

Cristina: Doutor, o senhor se recorda daquele caso dos 9 chineses, 9 chineses que estavam no Rio de Janeiro e que foram presos…

Obregon: Ah, sei, sei…

Cristina: O senhor soube de alguma coisa aqui em Juiz de Fora relacionada a esse caso?

Obregon: Não, não, com aquilo não. Soube do pessoal que estava aqui em Juiz de Fora, que teve… de Ibiúna, até o Winston que foi até advogado deles.

Cristina: Daquele congresso…

Obregon: Muito pessoal daqui de Juiz de Fora que foi pra Ibiúna e foi preso em Ibiúna, espancado, e o Winston foi até advogado do pessoal. Eu não mexi no processo de Ibiúna.

Cristina: E entre os advogados de Juiz de Fora, o senhor poderia me falar mais algum nome? Porque o Winston nós já ouvimos aqui…

Obregon: O Winston, aqui tinha o Dalton…

Cristina: Villela Eiras.

Obregon: Eiras.

Cristina: Já faleceu.

Obregon: Ah, já faleceu o Dalton?

Cristina: Sim.

Obregon: Ah, não sabia. Oh… oh…

Helena: Daniel Ribeiro do Vale, já falecido.

Obregon: Quem?

Helena: Daniel Ribeiro do Vale.

Obregon: Ah, o Daniel… Daniel… o Wandenkolk.

Cristina: Também já faleceu.

Obregon: Já morreu. Wandenkolk, aquele que você me falou o nome, como é que chama, que trabalhava com o… que trabalhava com o Freire lá… como é que chama? O…

Cristina: Zé de Castro Ferreira.

Obregon: Zé de Castro.

Cristina: Sim.

Obregon: Também já faleceu. Eram esses que militavam lá. E o Teixeirinha…

Cristina: Que também…

Obregon: Já faleceu. E o Teixeirinha, tem uma atuação, muito atuante. Esses são os que eu lembro de Juiz de Fora. Porque o resto… a gente vinha de fora pra cá, né, a gente defendia o pessoal daqui da região, e o pessoal todo que… Eu atuei muito em processo em Belo Horizonte, Goiás… Pessoal que… Aqui também a auditoria era… era… Tipo assim, eu defendi em Cruzeiro o pessoal… do governo, que ficava em Goiás, foram todos cassados, também teve recurso, processo… defendi…

Cristina: Então, o senhor atuou em quantas auditorias? Em quais auditorias?

Obregon: Só aqui.

Cristina: Só aqui em Juiz de Fora.

Obregon: Porque Goiás pertence… na época, era da 4ª Região Militar. Era Goiás e Brasília era aqui, vinha tudo pra cá.

Cristina: O senhor poderia destacar ou falar alguma coisa sobre o escrivão, do doutor Antônio de Arruda Marques?

Obregon: Na época, o escrivão era o Fábio. O Fábio era um sujeito…

Helena: Você tá falando do Gilberto?

Obregon: Não… o Gilberto não era escrivão, era escrevente.

Cristina: O Gilberto.

Obregon: O Gilberto era escrevente. Naquele episódio, antes, que eu contei aqui, negócio do alvará, pra assinar, naquele dia houve um incidente que o Gilberto participou dele, porque o Fábio tinha que fazer um alvará para soltar os presos, ele tinha, porque o juiz já tinha determinado, o doutor Arruda, mas o alvará não tinha sido expedido. Aí, mandou que o Fábio fizesse. Eu não sei se o Simeão foi lá, conversou com o Fábio, o que que foi, o Fábio não executou a tarefa. Aí, o Arruda chama o Gilberto e o Gilberto faz o alvará. O… a… a impressão que a gente tinha é que o Gilberto era muito ligado ao doutor Arruda, os dois…

Helena: Ele falou, isso ele falou aqui pra gente.

Obregon: Essa a impressão que eu tinha, a gente sabia disso. Os dois conversavam… E o Gilberto, eu acho que municiava o doutor Arruda daquilo que ocorria na Auditoria. E o Arruda era um homem destemido, e aqui eu até me esqueci, eu devo à memória dele uma homenagem. Porque num dia… (pausa), sem eu esperar nada, ele me chamou no gabinete, eu sentei lá, falei “Pois não, doutor?”, “Não, eu quero fazer um presente, eu quero lhe presentear”. Aí, ele abriu a gaveta e tirou, e me deu um dólar, desse tamanho, um dólar grande. Falou “Esse dólar simboliza a liberdade, doutor”. Era a figura do Abraham Lincoln. Me deu. “O senhor merece isso”, “Tá, muito obrigado”. Aí, passou. Não sei por que ele teve essa… Eu o tratava bem, ele me tratava bem, e a gente tinha muito respeito por ele e confiava muito nele. E eu acho também que… no momento em que ele assumiu a diretoria, ele fez cessar aquela situação de fato que existia lá. Então, o Simeão passou a não ter mais a hegemonia na auditoria, o Waldemar foi afastado, a auditoria passou a ter um outro clima. E isso deve ter gerado, é… é… ciúmes, inveja, e a gente, o que a gente via, é que ele, ele relacionava com os militares formalmente, era o que a gente via. Quer dizer, ele tratava-os com autoridade, mas, ele juiz, e eles do lado de lá, ele não se submetia às pressões deles. Era isso que a gente sentia.

Helena: Não era subserviente, né.

Obregon: Não, nunca foi.

Helena: Mudou o clima, né.

Obregon: E em virtude disso, também, dessa independência, ele pagou caro, coitado, foi um tributo caro que ele pagou.

Cristina: Doutor, e alguma mulher advogada, alguma mulher…

Obregon: Tinha, tinha a Elizabeth. Hoje ela mora em Brasília. Mas ela não era daqui não, ela era de Belo Horizonte.

Cristina: Mas ela atuava aqui?

Obregon: Atuava aqui, Elizabeth.

Helena: E tem a doutora Eni, também, né, doutora Eni, que trabalhava com o Sobral Pinto…

Obregon: Não, mas ela não vinha aqui, quem vinha aqui com o Sobral era o Oswaldo, o Oswaldo do serviço. No processo do padre Lage eu funcionei com o Sobral, só que o Sobral depois não fez o julgamento, esse é um fato até interessante da minha… com o Sobral, por que que o Sobral não fez o julgamento? Marcaram o julgamento do padre Lage, dois dias antes saiu, foi… Então, o Sobral veio pra cá, me ligou, falou “Você vai lá?”, falei “Vou, doutor Sobral”. Ele falou assim, ele parou e falou assim “Obregon, mas eu acho que eu não vou”, falei “Mas como assim?”, falou “Não, eu não concordo com tudo isso, agora, tem mais de 5, você acredita em alguma coisa?”, falei “Ah, doutor Sobral, eu não tô nem concordando, mas o senhor vai mandar alguém?”, ele falou “Não… não sei não. Vou ver o que que eu vou fazer”. Na véspera do julgamento… falar com ele, ele falou assim “Eu tô viajando pra Juiz de Fora”. Aí, veio pra cá. Aí, de manhã cedo, eu me dirigi ao Hotel Rocha, ele ficava no Hotel Rocha, e ele tava no hotel. Aí, eu fiquei lá “O senhor vai fazer o julgamento, doutor?”, ele falou assim “Eu vou à missa primeiro”. O Sobral tinha, por hábito, diariamente, ir à missa se comungar. Antes de qualquer coisa ele fazia isso. “Eu vou à missa primeiro”. Foi à missa. Quando eu chego na Auditoria, chega um rapaz trazendo uma carta, ele dizendo que não ia fazer o julgamento porque não acreditava na justiça, não acreditava naquilo, não acreditava nos juízes, não acreditava em mais nada e o AI-5 tava aí pra demonstrar que nesse país não existia lei, nem bá, bá, bá… E deixa. E mandou um recado pra mim “Faça o que você quiser, Obregon”. Aí eu fiz o julgamento, sozinho.

Helena: Do padre Lage?

Obregon: Do padre Lage.

Cristina: Essa carta, hein, imagina…

Obregon: Essa carta eu não tenho acesso, essa carta foi entregue ao Waldemar. Ele não juntou isso nos autos. Se ele tivesse juntado isso nos autos a gente poderia ter hoje… Ele… ele não deve ter juntado porque ele não queria deixar isso pra história, né… (risos).

Helena: Ainda mais o padre Lage, que era muito conhecido… Ele era um nome… Ele era acusado exatamente de quê?

Obregon: O problema do padre Lage era o seguinte…

Helena: Que tipo de subversão?

Obregon: Padre Lage… era um homem irrequieto, muito culto, ele era lazarista. Os padres lazaristas são muito cultos. Então, o padre Lage começou a se envolver nos problemas classistas de Belo Horizonte, sindicato, aquelas coisas, professores, e tal. E tornou-se um cidadão às vezes agressivo. E um dia houve um episódio com o padre Lage, numa greve das professoras, ele foi na frente, na greve das professoras, as professoras foram pra escadaria da igreja, da prefeitura. A hora que chegou na escadaria da prefeitura, o Ernani Maia, que era deputado estadual, era um… vamos dizer… era… do PTB, né. O PTB naquele tempo era… o que que é hoje, não sei… o que que é?

Cristina: Não entendo nada de política.

Obregon: Eram os trocadores de…

Helena: Os trabalhistas?

Obregon: Estão sempre com o governo, pra receber benesses, favores, etc. Se diziam defensores dos trabalhadores, mas não eram. Então, o Ernani Maia era, na época, secretário de administração da prefeitura. E o prefeito era o Jorge Carone Filho. Depois foi cassado, eu fui advogado do Carone. E o Ernani Maia sai… pra poder é… receber as professoras, discutir. Quando elas saem, o padre Lage, desesperado, trazia um chicote na mão, falou assim “Vou chicotear os vendilhões do templo!”, e plá! Porque conhecia ele como “pelego”, né, como “pelego” mesmo. Aí, deu a chicotada, e tal, aquela confusão… Bom, quando estourou a revolução, quem veio depor no processo contra o padre Lage? Ernani Maia. Vai lá depor o quê? Que ele era comunista, que ele fazia isso, fazia aquilo, que ele se vendia pro exterior… Então, aquela coisa toda… Essa é a verdade.

Cristina: Fazer uma última pergunta pro senhor… Como é que vocês faziam em relação a honorários? Porque…

Obregon: Não recebia nada, filha…

Cristina: É o que eu estou imaginando…

Obregon: Nada… Pelo contrário… pelo contrário… Tirava do bolso, muitas vezes.

Cristina: Pois é, eu tô imaginando, é o que eu tô imaginando… Mas eu queria…

Obregon: E, às vezes, eu servi de correio. Este é um fato histórico que eu vou contar. Eu… eu tinha uma turma de miseráveis que eu defendi. Era o pessoal da favela, que era um contingente grande, tinha os… um cabo da polícia militar, tinha 8 filhos, prenderam o cara, cara passava fome, a mulher… Bom… Tinha um pessoal de… de São João Del Rey que eram militares também, foram presos e tal, foram passando, porque pararam de receber, aquela coisa. Aí, o Tancredo… Isso aqui é um fato histórico.

Helena: Tancredo Neves?

Obregon: Neves! Um dia, me procura, “Tô precisando…”. Porque aquele pessoal começou a bater na porta dele, alguém foi, não sei o quê… Falei “É verdade, o pessoal tá precisando…”, ele falou assim “Nós vamos dar um jeito nisso”. Passados uns dias, uns poucos dias, o… o Renato Azeredo, que era deputado federal, me procura, fala “Obregon, pessoal de São Paulo…”. Ele chamava, falava, pessoal da “Três Américas”, não sei se vocês já ouviram falar nisso, era o pessoal de esquerda. “Vai mandar uns auxílios pro pessoal, mas nós não estamos sabendo como fazer pra entregar”, eu falei “É, tem que estudar… Tem dois, duas maneiras. Ou a gente arranja alguém pra mandar na casa, ou eu posso até… se alguém mandar avisar, pessoa vem, me procura, eu passo o dinheiro”. E assim eu fiz várias vezes, né, a pessoa mandava alguém avisar à família, “Oh, passa lá no escritório lá que tem um troco lá, tal…”. Era… não era muito dinheiro não, mas dava…

Cristina: Era um auxílio.

Obregon: Já dava pra você comprar uma bolsa de estudo, comprar, era um dinheiro, né…

Cristina: Alimentação.

Obregon: E eu, enquanto presidente da Caixa, os que eram advogados, nós concedemos a todos eles auxílio financeiro, pra poder se alimentar. Os advogados estavam presos, né. Isso era uma contribuição grande da Ordem, e isso ajudou muito o pessoal, né. De uns que estão vivos até hoje, às vezes saíram já, depois que saíram da desgraça, do infortúnio, né, conversam… Essa é a realidade que aconteceu, então… Agora, de onde vinha o dinheiro, isso eu não sei. Era a história da “Três Américas”.

Helena: Essa organização que chamava Três Américas.

Obregon: É, era Três Américas, sei lá o que que é Três Américas… No caso era 1.500 pra um, 2.000 pra outro, já dava pra comprar, né… um troco.

Helena: Uma cesta básica.

Obregon: Comprar uma cesta básica, um leite, tal. E dava um dinheirinho pro pessoal, pessoal ficava agradecido. Porque eram miseráveis, pessoal… os favelados eram… eram… Tinha um cidadão, chamava Sérgio Gonçalves, era de dar dó esse, inclusive, era advogado, ele conseguiu se formar em direito. Mas ele não conseguia advogar, porque ele tava envolvido nos problemas da favela, aquele negócio todo… Ele passava fome… Aí, chegou, tem que ajudar, como é que nós vamos fazer, vamos ajudar.

Cristina: Eu tenho muito orgulho de ser advogada.

Obregon: Tem que ajudar o cidadão. Não, a advocacia é o que eu falo, eu falo… (risos) É aquela história… Não basta você querer ser, você tem que ser. É um negócio diferente. Você tem que se doar, você tem que ter muita caridade. E, desse povo, ninguém nunca me pagou 1 centavo, não cobrava de ninguém.

Helena: Dos presos políticos.

Obregon: Políticos, é. Chegava lá… Ia todo dia visitar preso, arrumava, tava quebrado, não tinham. Mesmo os que tinham, às vezes falava “Ah, não, depois você acerta, depois nós combinamos…”.

Cristina: Não tinha nem como acertar, né…

Obregon: Depois, ele tava preso, ficava por isso mesmo. Uns foram agradecidos… não posso nem lembrar… (voz embargada).

Cristina: Ah, mas o senhor fez a sua parte…

Obregon: Ah, pois é, como a história que eu vou contar, o caso aqui. O Carone, por exemplo, o Carone foi cassado, ele era prefeito, foi prefeito, ele foi pra miséria… Miséria de passar fome, ele com os filhos e com a mulher. Depois ele foi absolvido, ele conseguiu aí, depois conseguiu… foi eleito, e tal, aí… (risos) Ele era um sujeito assim meio… meio doido, né. Aí, foi eleito deputado, tomou posse como deputado… deputado federal, aí, quando foi um dia lá ele me aparece no escritório “Oi!”. Ele não me chamava, ele me chamava de… “Obregon, vim aqui te dar um abraço, mandei o convite pra você ir lá, você não foi…”, falei “Ah, não vou pra Brasília…”, “Mas eu vim trazer uma coisa de Brasília procê”, falei “O que que é?”, “Essa caneta aqui, oh, assinei o termo de posse com ela, fica de presente procê”. Quer dizer, essas loucuras, esses “trem” assim, que você fica… Pagou tudo, pagou mais do que tudo, quer dizer, ele não pode me dar nada, mas ele lembrou. Falou assim “Essa caneta… essa aqui é a caneta de posse, assinei o termo de posse com ela, toma procê”. E gravou meu nome na caneta. Quer dizer, esse cara é doido, né, mas é um negócio assim, interessante. E isso gratificava a gente, né. Tinha o pessoal ligado à igreja, você não cobrava da igreja. Defendia os padres, né… E isso aí a gente fazia e ia tocando o barco, né. O Jair fazia a mesma coisa, todo mundo. Todos que estavam envolvidos nessa… nessa coisa, tava… E eles sabiam disso. Pior é isso, o pessoal da revolução sabia. “Como é que ele vai te pagar?”. Não tem como pagar. E, às vezes, a gente vinha aqui numa semana, 2, 3 vezes por semana.

Helena: Agora, aqui de Juiz de Fora, o senhor defendeu mais… foi assim… mais grupos, né… Casos individuais, foi o caso do padre Lage, do Bambirra, né, não sei se o senhor falou de mais alguém, mas em geral foi mais defesa de…

Obregon: Ah, não, geralmente todos os processos, processo quando chegou, tinha pouco era 10, 12, era…

Helena: Mais de grupos, assim…

Obregon: De grupos, é.

Helena: De pessoal ligado a organizações.

Obregon: É. Agora vou só contar um caso aqui interessante, vocês gostam de casos, do Waldemar, no dia do interrogatório, do processo…

Helena: Do Jacaré Engomado?

Obregon: É, do Jacaré Engomado. Processo dos 150 estudantes, foi chamando 1, 2, 3, 4, 5, 6, aí, chama o Sacha. Aí, o Nilson, que era o escrevente “Sacha Calmon Navarro”. E o Sacha entra, Sacha era um menino. Quando ele chega, para em frente o Waldemar, aí o Waldemar “Como é que o senhor chama?”, “Sacha Calmon. Sacha Calmon Navarro”, “Não senhor, tá errado”. Todo mundo “O que que aconteceu?”, “Tá errado, o senhor não chama Sacha. Eu sou um homem que primo pela língua pátria brasileira”. Aí começou o discurso. “Mas gosto de uma língua que, pra mim, depois da minha língua mãe, é a mais bonita do mundo, que é o francês. Sou professor de francês…”, “Onde é o que o Waldemar vai chegar nessa, que eu não tô entendendo”, aí, ele falou assim “O seu nome não é Sacha, é Sachá!!!, como se diz no bom francês, Sachá de…, você não conhece…”. O Sacha vira pra ele e fala assim “Não senhor, meu nome não é Sachá, é Sacha, e é russo”. Sacha é uma figura do Dostoievski (risos). Aí foi aquele pá!, a meninada, né… E o Sacha… E eu “Sacha, pelo amor de Deus, Sacha, você vai ser preso!”, aí o Waldemar falou assim “Senhor Nilson, continue o interrogatório”. Caiu a ficha dele ter falado besteira, né… (risos). Até hoje eu brinco com o Sacha “É Sacha ou Sachá, hein?”, “Seja lá como você quiser, você é russo” (risos). Mas se você quiser… Essas são as histórias que a gente tem. Foi um período muito bom, que eu acho que isso foi bom para o Brasil, bom para todos nós, que nós aprendemos a viver, né. De todo o mal você tira um proveito, né…

Helena: É, aprendemos a valorizar a democracia, muito…

Obregon: Valorizou a democracia, tá indo, aprendendo… E hoje estão tentando, mas vamos tentar ver se não acontece isso.

Helena: Doutor Obregon, o senhor quer acrescentar mais alguma coisa?

Obregon: Não, se vocês quiserem mais alguma história, eu tenho, vamos ver. Essas são as histórias que a gente tem aqui. Esse é o mínimo que a gente tinha aí, né. E a auditoria aqui, não, aqui não se fazia justiça, aqui ratificava-se o interesse da revolução. Precisava prender, condenar, para justificar o ato que foi praticado, para justificar as violências que faziam. Porque se… acontecesse no exterior… Ah, não, eu vou contar só um fato aqui. Eu defendi um cidadão também, chama Bolívar Lamounier.

Helena: Ah, cientista político, muito conhecido em São Paulo.

Obregon: Defendi… pois é, ele mesmo.

Helena: Mas ele tá em São Paulo.

Obregon: Tá em São Paulo. Vou contar a história. Eu defendi o Bolívar num processo oriundo da faculdade de ciências econômicas. Era ele, o Zé Nilton Tavares, Simon Schwartzman, que é também outro, tá aí na… hoje tá mandando aí no país, né. Muito bem. Aconteceu que o… o Bolivar fugiu, na época, foi embora pros Estados Unidos. Lá ele se ajeitou e foi ser professor da Ford Foundation.

Helena: Ele era de qual organização, o Bolívar?

Obregon: Era ligado à faculdade de ciências econômicas, ele era professor de sociologia, era aluno do curso de sociologia da faculdade, né. Não sei… ele era AP, negócio de AP. Eu não sei se ele era AP ou POLOP. Aí, o que que acontece… Aí, ele vem para o Brasil com a delegação americana, queria participar aqui de um congresso na UFMG. E, num belo dia, o DOPS o espera na porta da representação americana e o prende, ele foi preso. Preso, porque tinha um mandado de prisão. Criou-se um impasse, porque os Estados Unidos não admitia a prisão dele porque não entendia que ele era cidadão brasileiro naquele momento, que ele era membro da delegação americana que participava de um congresso no Brasil, representando uma instituição que era a Ford Foundation. Mas foi preso. Precisou-se fazer um habeas corpus, aí, eu fiz o habeas corpus pra ele. A família foi lá, o secretário da embaixada americana foi, aliás, essa foi a única vez que eu recebi, que eles me pagaram (risos), o americano me pagou. Perguntou quanto que era, eu vou cobrar, ué, Estados Unidos… Aí ele me pagou. Aí fiz o habeas corpus e… e… Antes de julgar o habeas corpus, nos Estados Unidos, essa matéria foi levada ao tribunal americano, a um tal de judge Wilson, lá da 1ª Corte, julgou que era ilegal a prisão, violência, e eles mandaram isso pra mim, eu juntei no habeas corpus, depois ele foi solto. Aí, revogaram a prisão, ele foi solto, aí ele foi embora pros Estados Unidos. Agora, depois ele voltou pro Brasil, tá aí hoje, é cientista político famoso, né, dizem que, dentre outras coisas, que ele seria aí hoje o orientador da Dilma, do Lula, esses troços todos aí que eles falam, né, em matéria de… não, eles falam em matéria de… de políticas sociais ele e o Simon é que… é que…

Helena: Dão as coordenadas.

Obregon: Dão as coordenadas. Eu não o vi mais. Esse daí é um dos que eu nunca mais vi. Ele foi embora, né, importante…

Helena: Voltou pros Estados Unidos…

Obregon: Não, hoje já está no Brasil, né…

Helena: É, hoje ele tá aqui.

Obregon: É, porque muitos ficam importantes e depois esquecem, né. Tem alguns que esqueceram. Tem uns que de vez em quando a gente encontra com ele e lembra, né.

Cristina: Acho que a gente podia encerrar…

Obregon: Pois não…

Cristina: Porque eu preciso levar o senhor lá…

Helena: Doutor Obregon, eu queria agradecer muito mesmo do senhor ter vindo aqui…

Obregon: Não sei se era isso que vocês queriam…

Helena: Não, com certeza, foi muito interessante.

Obregon: Não sei se eu pude trazer o… Pelo menos esse caso em que vocês estavam interessadas que era do nosso, coitado, saudoso juiz auditor, que era… aquilo, eu acho que aquilo foi a maior injustiça que se praticou nesse país.

Helena: Sim, e outros casos também, né, que o senhor contou, e eu sei que sair de Belo Horizonte, nesse calor, e vir parar em Juiz de Fora, a gente sabe que…

Obregon: Hoje é sexta-feira, não tem problema não (risos).

Helena: Então, tá bom… podemos encerrar.

Obregon: A gente conhece muita história, mas o negócio aí… gozado… o dia que eu vi aquilo na televisão… falei, nossa senhora, mataram o homem. E mataram mesmo.

Cristina: Mataram. Logo depois ele morreu.

Obregon: Ele morreu.

Helena: 2 anos…

Obregon: Ele morreu. Logo depois ele… ele teve infarto primeiro, acho que ele caiu na rua, soube até que ele caiu na rua aí, me contaram aí, um dia, não sei quem me contou.

Helena: É, ele durou uns 2 anos depois da cassação, que o filho dele falou.

Obregon: Não, e ele era um sujeito trabalhador, um homem de bem, era um sujeito gentil, recebia a gente como… porque tem uma turma aí que… você é advogada, você sabe.