Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora
Depoimento de Edson Nogueira da Silva
Entrevistado por Christina Musse e Roberto Cupolillo
Juiz de Fora, 12 de dezembro de 2014
Entrevista 024
Transcrito por: Mariana Meirelles de Azevedo
Correção: Rute Dalloz Fernandes Elmor
Revisão Final: Ramsés Albertoni (15/11/2016)
Edson: Meu nome é Edson Nogueira da Silva.
Christina: Sua ocupação, atividade profissional.
Edson: Eu era telegrafista, mas quando eu fui demitido eu já era assistente.
Christina: Trabalhando na Estrada de Ferro Leopoldina?
Edson: Trabalhando na Estrada de Ferro Leopoldina.
Christina: E também, o local e a data do seu nascimento.
Edson: Bom, eu sou nascido em Rio Novo, no dia 28 de março de 1932.
Christina: Quando é que o senhor entrou na Estrada de Ferro Leopoldina?
Edson: Eu praticamente nasci lá, porque meus avós eram ferroviários, tios ferroviários…
Christina: E era de uma família toda de ferroviários?
Edson: É, toda de ferroviários.
Christina: Então, a ferrovia era muito importante no município de Rio Novo?
Edson: Era a vida, né? Principalmente Furtado de Campos. Hoje acabou a estrada de ferro e tem poucos habitantes, mas naquela época morava muita gente, porque era um centro ferroviário. Lá, inclusive, tinha oficina de conserto de vagões, essas coisas todas, então…
Betão: O senhor trabalhava com o quê, na ferrovia?
Edson: Eu trabalhava com o quê? Não, eu aprendi frequentando, passei a minha infância toda dentro de uma estação, porque os parentes, meu avô, tios, era todo mundo ferroviário. Eu tinha um tio que se chamava Antônio, que viu meu interesse em querer aprender telégrafo… Ele escreveu o alfabeto Morse e mandou decorar. Falou “Decora isso aí, quando você decorar vou te ensinar, pra você manipular o aparelho”. Um aparelho telegráfico. Então, eu decorei rapidamente, em poucos dias e… Quando eu pedi emprego na Rede, na Leopoldina, em 1953, disseram pra mim que só tinha vaga no Rio. Eu disse “Eu vou para o Rio, eu quero trabalhar”. Meu negócio era ser ferroviário (risos). Então, eu fui para Cordovil, é uma estação entre Brás de Pina e Lucas, Parada de Lucas. Era Cordovil, Parada de Lucas, Vigário Geral e depois Caxias. Trabalhei em todas elas, trabalhei em 35 estações. Em 1954, houve uma greve, eu participei dessa greve porque a turma que entrou na época da transição ficou fora do aumento. O Getúlio Vargas elevou o salário mínimo para mil e duzentos, e nós continuamos com 800. Então, essa greve não foi só de funcionário público, foi a rede total, a Leopoldina total fez a greve em solidariedade à gente também, porque o negócio era união e havia união. Então, meu chefe falou comigo “Você entrou outro dia mesmo, não tem nem um ano de casa e já está fazendo greve?” Falei “Mas pra ganhar o que eu ganho e me mandar embora, é a mesma coisa”.
Christina: O senhor já pertencia a algum sindicato?
Edson: O sindicato da Leopoldina era muito forte. Nós tínhamos um líder, que era o Batistinha, ele era advogado, até. Demisthóclides Baptista, mas na intimidade nós chamávamos de Batistinha, e nesse período, 1954, nessa greve, ele foi mandado pra São Geraldo, eles queriam espalhar o pessoal, pra acabar aquela hegemonia que havia. Eu fui pra Cataguases, eu fui transferido pra Cataguases.
Christina: Isso foi quando? A greve foi em 1954 e a sua transferência foi quando?
Edson: Foi mais ou menos por aí também, 1954, 1955. Primeiro fizeram processo e tudo. Então, fui pra Cataguases, mas trabalhei pouco tempo lá. Comecei a correr estações, dando férias, folgas, e trabalhei como falei, em 35 estações e vim trabalhar em Furtado de Campos depois, também. Mas, aí, já foi no tempo do João Goulart, que já pedia para o sindicato. E eu fui pra Furtado de Campos, porque o pessoal do ramal de Juiz de Fora não fazia greve, era um furão mesmo (risos). Eu tive que dar um chega pra lá neles e conseguimos paralisar também.
Christina: O senhor era filiado a algum partido?
Edson: Não, eu não era filiado, mas pra todos os efeitos eu era do partidão, o PCB, mas não era filiado. Não usava muito isso não, né? Hoje usa.
Christina: É. Em 1961 o PCB também, clandestino…
Edson: Hoje eu sou PT, é o partido mais de esquerda que tem hoje, né?
Christina: Mas, no sindicato dos ferroviários o comando era ligado ao Partidão.
Edson: É, ao Partidão, mas não era muito, era assim… Havia certa… Eles exploravam a parte de liderança da pessoa e, desde que a pessoa cumprisse o troço bonitinho e tal, liderava as greves… Porque o Batistinha… depois eu vou contar que ele foi assassinado… ele fez a união do pessoal do sindicato. É greve, é greve mesmo e acabou. Então, tinha o Batistinha, que era presidente do sindicato dos ferroviários, tinha o presidente do sindicato dos aeroviários, que pertencia à PanAir. Já ouviu falar da PanAir? E tinha os marítimos e, então, a greve se ramificava, parava tudo, paravam os aeroviários, os marítimos. Existia naquela época… Já ouviu falar do Lloyd, o Lloyd Brasileiro? Eles faziam cabotagem, né? Das capitais do Brasil. E tinham alguns que iam até para o exterior.
Christina: Mas nesse período, em que vocês tinham sindicatos tão fortes nessa área de aeroviários, ferroviários, os marítimos também; isso já no governo João Goulart… e essa mobilização, como era vista durante o período do governo do Jango?
Edson: Para o público?
Christina: Por vocês próprios ou pelo próprio governo.
Edson: A gente estava cumprindo a missão da gente, né? Porque a gente não faz greve de graça, sem um motivo, não é verdade? E motivo havia muitos, tanto na parte financeira, como também perseguições, essas coisas todas. E tudo era mantido. Bom, aí nós já estamos em 1964…
Christina: Estamos em 1961, governo do João Goulart… Um pouco antes do golpe.
Edson: Então, o Jânio Quadros… Eles contam o seguinte, que o Jânio Quadros tentou… Ele e o Collor tentaram governar sozinhos, e você sabe que não consegue. A Dilma, por exemplo, ela foi obrigada a se aliar ao PMDB, que era o maior partido, ainda é, e sempre foi aliado. Eles não têm liderança para disputar a presidência. O vice-presidente que é do PMDB, mas ele está indo a reboque do PT.
Christina: E na época, o senhor acha que o Jânio quis governar sozinho e acabou levando à renúncia…
Edson: É, ele queria governar sozinho. Falava-se muito em golpe militar naquela época, eles falavam que o Mourão Filho tinha um plano Cohen.
Christina: Plano Cohen, o que era isso?
Edson: Já ouviu falar?
Christina: Não.
Edson: O plano Cohen… Depois foi denunciado por ele, que os comunistas queriam tomar o poder aqui no Brasil, e esse era o plano Cohen, mas eles nunca conseguiram, não é? O João Goulart estava na China, na época, e não deixaram que ele voltasse para Brasil, ele foi para o Uruguai. O Brizola, lá no Rio Grande do Sul, era o governador, e tinha o general Machado Lopes, que era o comandante da terceira região: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, os três estados. Então, o Brizola enfrentou, em aliança com Machado Lopes, que era comandante do Terceiro Exercito… Ficou um empasse, né? Vai ter que sair para o pau, vai ter que brigar. Então, eles acabaram fazendo um acordo, em vez de o João Goulart tomar posse como presidente, tomaria como primeiro-ministro. Não, primeiro-ministro foi Tancredo Neves. Adotou-se o parlamentarismo, não é isso? Foi adotado o parlamentarismo. Ele entrou como presidente, mas sem força nenhuma, quem mandava era o primeiro ministro, no regime parlamentarista, não é isso? Conclusão, o João Goulart tomou posse como presidente, depois houve um plebiscito e voltou o presidencialismo novamente. Bom, mas aí, depois, nos dias que antecederam ao golpe, ele fez uma reunião no Automóvel Clube, no Rio, com os sargentos. Só participaram os sargentos. O Mourão Filho não trouxe nenhum sargento quando eles vieram desembarcar na Guanabara, no Rio, naquela época. Aí, o negócio que pegou foi o seguinte, eu estava indo carregado, nesse dia, e o Cândido Aragão, que era Almirante, era aliado do João Goulart… e ali o trem atravessava a Barão de Mauá, atravessava Engenheiro Bicalho e tinha a Praia Formosa. E nós metemos um trem ali, pra segurar as tropas do Mourão Filho. Tinha um maquinista, o tal de Zé de Souza, e eu falei com ele “Oh Zé. Sobrou para você. Você que vai ser o maquinista para botar esse trem lá, porque os outros caíram fora”, “Você está mandando, então eu vou”. Ele entrou na máquina, puxou e atravessou. O Mourão Filho, quando veio com a tropa, não pode passar.
Christina: Isso na altura de que lugar ali, chegando ao Rio?
Edson: Você sabe onde fica a Rodoviária Novo Rio? Mais ou menos a um quilômetro dali tem a Estação da Leopoldina, numa rua que se chama Engenheiro Bicalho, aquela rua, que pega do cais do porto até a Rua Getúlio Vargas. Então, atravessamos o trem lá na rua, e o troço pegou foi aí; eles Levaram o Zé de Souza, levou ele preso. Quem conseguiu escapar, como eu e outros, escapamos, fomos lá pra Saracuruna encarar aqueles brejos. Levaram preso, o Zé de Souza. Eles jogaram lá do oitavo andar do DOPS, jogaram da janela do oitavo andar. Não precisa nem falar que ele morreu, né? Morreu. E o primeiro crime que eles fizeram foi esse.
Christina: No dia 31 de março?
Edson: No dia 31 de março. Não, aí já era primeiro de abril. Ele foi jogado lá de cima, do oitavo andar do DOPS, ele foi a primeira vítima, porque, até então, não tinha, o Mourão chegou aqui sem dar um tiro. Mas aconteceu um fato interessante; mandaram o Mourão levar as tropas lá pro Maracanã. Aí, ficaram lá, dentro do Maracanã, as tropas que vieram de Minas… Vieram todos naqueles caminhões, e não andava direito aquilo não, eram ainda da guerra de 1945. E então, foram pro Maracanã, ficaram acantonados lá. E o Mourão foi ver, pra se entender com seus generais… Figueiredo, Castelo Branco, essa turma. Aí, disseram pra ele “Mourão, o negócio aqui já está definido, você mantém as suas tropas lá, porque já está tudo resolvido, o Castelo Branco vai ser o presidente”. Ele que queria ser o presidente, mas não era bem visto não.
Christina: Por quê?
Edson: Porque ele era golpista, ele era golpista, sempre foi! Tanto é que ele criou esse problema de plano Cohen, que era a tomada do poder pelos comunistas.
Christina: E o senhor, quando foi lá para Saracuruna, lá para os brejos, como o senhor disse, o senhor ficou quanto tempo escondido?
Edson: Ah, sim! Eu fui pra casa do tal de Prudêncio, que também fazia parte, mas não dos sindicatos, só acompanhava. Aí, levou a mim e outros três lá pra casa dele. Naquela época, Saracuruna era só mato, tinha pouca casa, até. Tinha a estação. Depois, eu peguei um ônibus que vinha de Mauá. Mauá foi a primeira estação ferroviária e, então, tinha um ônibus que ia de Mauá a Petrópolis, nós embarcamos nesse ônibus, e de Petrópolis eu vim pra Juiz de Fora. Os outros seguiram outros caminhos, Recreio, Porto Novo, Além Paraíba. Aí, passado algum tempo, já estava tudo mais ou menos normalizado, do jeito que eles queriam, os militares. Então, começou a prisão, foi fácil pegar a gente, a gente já estava trabalhando, era só ir à estação. E foi quando eu fui preso, que me quebraram os dentes.
Christina: Como foi?
Edson: Fui algemado… Naquele dia eu estava de folga, então, nós fomos pescar, eu e o tal de Arnaldo Zamagna, que é até meio parente do Riani, do Clodesmidt Riani, a mulher dele que era sobrinha do Riani. O Zamagna também estava junto comigo, e neste dia nós fomos pescar.
Christina: Isso aqui em Juiz de Fora?
Edson: Lá em Furtado de Campos. Eu estava de folga nesse dia. E, quando eu cheguei lá na estação, me prenderam; os policiais estavam lá, me prenderam, me algemaram. Eles acharam que eu estava andando devagar, me empurraram, com algemas, eu não tinha como proteger o rosto, eu bati com a boca no chão e quebrei os dentes. Tive que botar dentadura. Aí, eu reclamei com o major Felix, José Felix, que foi presidindo o IPM naquela época, e me entregaram a ele, fui entregue a ele. E eu reclamei com ele “Quebraram meus dentes. Boca sangrando”, “Mas você tá vivo, né?”, “Estou”, “É, porque se tivesse morto era a mesma coisa para nós”. O cara falou assim. Aí, me levaram para Ubá. A comissão de inquérito se instalou lá no sindicato, na sede da Delegacia Sindical dos Ferroviários, em Ubá. Lá que foi instalada a comissão de inquérito, com esse major Felix. Aí, vieram aquelas perguntas todas, né? Aquelas perguntas lá de Pernambuco… porque lá era centro ferroviário, tinha oficina, essa coisa toda. Jaboatão era considerado a Moscouzinha brasileira, porque tinha comunista pra dedéu (risos), tinha muito comunista, sabe? Depois, nós estivemos lá, houve lá um congresso…
Betão: O senhor estava sendo interrogado em Ubá?
Edson: Em Ubá.
Betão: Esse interrogatório durou vários dias?
Edson: Não, não, só me perguntaram “O senhor quer ir para hotel ou quer ir pra cadeia?”, eu disse “Vou para o hotel”. Dormir na cadeia nada. Foi a única coisa que ele abriu mão, foi isso. Mas botou um policial, botou um soldado lá na porta da pensão pra não deixar a gente fugir. No dia seguinte nós viemos pra Juiz de Fora e eu fui preso, lá no RO, que era lá em Benfica, e o Riani estava preso lá. Num xadrez desativado, que não tinha água nem no banheiro, nem água para beber, então, ficamos presos lá. Tinha que pedir, ao corpo da guarda, água pra beber. E tinha um safado, o tal de Ferrugem, que eu pedi água a ele e ele trouxe. A gente tinha uma caneca de alumínio que eles deram pra gente, e ele trouxe a água na caneca, mas só que tinha um peixinho. Então, ele pegou essa água onde? No centro do quartel tinha um aquário, ele enfiou a caneca lá, água suja, o pessoal cuspia tudo. Quando eu levei à boca, que eu comecei a beber, eu vi o peixinho, aí eu falei “Poxa, você pegou essa água lá no aquário, poxa rapaz, que isso!”, ele falou “Mata a sede também”, e eu disse “Mas isso não tá certo não”. E eu tive um desarranjo intestinal e desidratei. Aí, eles me internaram na Santa Casa, fui internado na Santa Casa com o nome de José de Tal, nem sobrenome me deram, só deram José. E puseram um guarda na porta do quarto da Santa Casa, porque eu desidratei, passei mal do intestino. Fiquei lá uns quatro dias, mais ou menos, e no quarto dia não tinha mais soldado nenhum, lá. Aí, a minha irmã foi levar cigarro pra mim, porque eu fumava naquela época e eu perguntei pra ela “Você não viu polícia aí, não?”, e ela “Não, não tem não”, aí, eu falei “Então, vai em casa e pega roupa pra mim, que eu vou embora”. Não sei qual a intenção deles não, aí eu fui embora, fui embora e a minha família mudou pra São Lourenço da Mata.
Christina: Essa sua primeira prisão foi em que ano?
Edson: Foi em 1964.
Christina: Ainda em 1964?
Edson: É, foi em 1964, foi mais ou menos uns três meses depois do golpe.
Christina: Aí o senhor perdeu seus dentes, foi preso aqui em Benfica, ficou internado na Santa Casa esses quatro dias e conseguiu sair.
Edson: É, mas não colocaram meu nome lá não, colocaram José de Tal. E eles ficaram apertados comigo, porque eu desidratei. Cheguei lá e entrei no soro direto.
Christina: E quando você foi ouvido em Ubá, eles queriam saber o que do senhor?
Edson: Ubá? Ah, sim, foram perguntas. Foi assim “O senhor participou do congresso lá em Jaboatão?”, eu falei “Participei sim”, “E o que eles queriam?”, “Ah, o negócio era do sindicato né?”, “Não, era o partido comunista”, e eu falei assim “Não, tinha muito comunista sim, mas não foi do partido comunista, foi do sindicato dos ferroviários”. Aí, depois fiquei sabendo que o Partidão também estava naquilo lá. Foi quando o Roberto Freire já denunciava o Luiz Carlos Prestes, e ele tomou o lugar de Luiz Carlos Prestes, porque ele se dizia comunista, e ele foi candidato à eleição pra presidência da república. Como é que pode, né, o cara era comunista, foi secretário do partido comunista, botou o Prestes pra fora, passou o mandato pro partido comunista e depois veio a derrocada da União Soviética. Aí, ele pegou e extinguiu o partido comunista, e criou o PPS. Só que o PPS é da direita, não é verdade? É aliado à direita, como é que pode? Um cara que se dizia comunista de repente virou oposição.
Christina: Senhor Edson, nessa época em que o senhor foi preso, em 1964, o senhor era casado, já tinha filhos?
Edson: Já.
Christina: E a sua família? Sofreu alguma ameaça?
Edson: Não, eles foram me prender lá em Furtado de Campos. Foi um aparato militar, mas não me acharam. Acharam depois, porque eu já estava cansado de ficar no mato. A Estação Tupi estava desativada, era uma estação intermediária entre Furtado de Campos e Guarani. Foi, então, que eu estava dentro do armazém e chegaram os caras, lá. Eu já contei a história, que um parente bateu na porta, mandou que eu caísse no mato, e eu saí correndo, porque os caras foram beber café em uma fazenda lá. Tudo arranjo desse parente. Aí eu falei “Vou pra Rochedo”, porque lá era o agente Geraldo Rocha… Nós trabalhamos juntos no Rio, ele também foi castigado com a remoção para Rochedo de Minas. Então, eu fiquei lá. Isso foi na renúncia de Jânio Quadros, em 1961, em que nós paramos quinze dias de greve. E então, o exército foi lá prender a gente, me prender. Eu saí fora. Mas prendeu esse tal, que era parente do Riani e o tal de Niacir também. Eles foram presos, mas não me acharam, porque eu fui para Rochedo a pé, por 35 km, de Tupi a Rochedo. Eu saí de madrugada, meio-dia e meia eu já estava lá em Rochedo. Fui pedir abrigo ao Geraldo Rocha, que trabalhou comigo no Rio, e os policiais já estavam todos lá na estação, dois policiais. Acharam que eu ia pra lá mesmo, mas eu não fui pra estação. Teve um trecho, em que eu achei uma vara de anzol, sem barbante, sem linha, sem nada, e pra eles não descobrirem que era eu, eu ficava ali pescando e eles passavam e seguiam. Aí, eu fui pra Rochedo e fiquei num lugar chamado Matadouro e o Geraldo foi lá. Tinha o tal do Don, que trabalhava nos Correios em Rochedo. Eu chamei “Oh Don, vem cá!”, ele até se assustou. Eu falei “Chama o Geraldo em particular e fala pra ele que eu estou aqui, mas não deixa ninguém ouvir”. Dali a pouco, o Geraldo Rocha chegou e disse “Vamos lá pra casa”. E eu, todo sujo, aquele capim gordura, cheio de carrapicho… (risos). Nós temos mais ou menos o mesmo corpo. Ele me mandou tomar um banho e vestir uma roupa dele. Aí, eu almocei com ele e ele falou “Vamos lá pra estação”, eu disse “Tá doido? Lá, está cheio de policiais”, e ele disse “Esconder da policia? Você tem é que ficar no meio deles, porque aqui ninguém vai te procurar”. E fomos pra estação. E ele me apresentou aos policiais como ajudante dele, como se eu trabalhasse lá em Rochedo. Eles ficaram por uns 15 dias e nós ficamos lá os 15 dias, os 15 dias que durou a greve, até o João Goulart tomar posse. E eu fiquei com eles. Até aconteceu um fato interessante, um soldado, era um cabo e um soldado, um soldado pegou o fuzil e colocou encostado na porta. Aí, eu dei uma dura nele, falei “Oh rapaz, aquele cara de Furtado de Campos aparece aqui e pega essa arma, como é que fica!”. O cara de Furtado de Campos era eu (risos).
Christina: Agora, sua família sofreu ameaça nessa época, em 1961.
Edson: É, em 1961.
Christina: Quando o senhor ficou, então, de certa forma, foragido em Rochedo.
Edson: É. Depois, em Rochedo, quando acabou a greve, eu fui pra Bicas, e lá tinha um delegado sindical chamado Elston Silva que levou a gente em Juiz de Fora. Lá, tinha um advogado do sindicato, o tal de Boanerges, doutor Boanerges. Ele me levou ao juiz e me deram um habeas corpus. Eu me apresentei em Furtado de Campos com o habeas corpus, mas queriam me prender… Eu falei “Não, espera aí!”, falaram “O que é isso?”, e eu disse “Habeas corpus”, “Ah, me deixa ver”, e eu disse “Não, você vai ver na minha mão, aqui”. E se rasgassem, jogassem fora e me levassem preso? Aí, o sargento falou “É habeas corpus mesmo, deixa isso pra lá”.
Betão: Mas em 1964, senhor Edson, o senhor foi um dos responsáveis por atravessar o trem lá no Rio de Janeiro, e o Zé de Souza foi uma das pessoas que ajudou naquele processo ali, aí, você, juntamente com os outros, teve que ficar foragido. E a partir daí, o que acontece?
Edson: O Cândido Aragão era almirante e ele era contra o golpe militar, então, ele mandou o tal de cabo Anselmo ir até lá e falar pra atravessar o trem na linha, na rua, pra não deixar o Mourão passar com as tropas, e nesse dia quem estava encarregado era eu.
Christina: E depois disso o senhor foi para Saracuruna, ficou foragido um tempo. Nessa época a sua família estava onde, com o senhor no Rio?
Edson: Eles estavam em Furtado de Campos ainda, depois vieram pra Juiz de Fora, e ficaram na casa dos meus pais. A Cristine já tinha quatro anos.
Christina: Mas o senhor conseguiu ser reintegrado ao trabalho? Quer dizer, esse fato da composição de trem que tentou impedir a chegada do general Mourão Filho até o centro do Rio de Janeiro, o maquinista que foi jogado do oitavo andar do DOPS, o senhor com os seus colegas, que também tinham uma relação com a questão da composição, fugiram para Saracuruna, depois pegou um ônibus…
Edson: Fomos para Petrópolis e depois para Juiz de Fora.
Christina: E o senhor chegou… a polícia militar e a polícia do exército chegaram a procurar o senhor aqui? Porque o senhor saiu foragido do Rio, três meses depois do golpe. O senhor voltou a trabalhar, o que aconteceu?
Edson: Voltei, voltei a trabalhar. O meu irmão também estava nisso, o Amauri. Ele foi presidente do Tupinambás depois. Ele já faleceu, ele teve um AVC. Então, eles estavam usando o seguinte critério, se eram dois irmãos, mandavam embora o mais novo, porque não tinha família, que, no caso, era ele. Então, ele foi demitido e foi para o DOPS, no Rio de Janeiro. Esteve preso no DOPS, lá no quartel do Caetano de Faria, ali perto do Estácio de Sá. Ele foi preso e, depois, foi demitido.
Christina: E ele foi preso acusado de alguma coisa?
Edson: Não, ele também estava no rolo, né?
Christina: O rolo era a questão da composição atravessada para dificultar a chegada das tropas…
Edson: Isso. Então, ele foi demitido. Ele e muitos outros. E eu fui poupado, quer dizer, eu já era casado, tinha onze anos de casa e eu não fui demitido naquela época, continuei trabalhando. Fui mandado pro Rio novamente… Até 1972.
Christina: O senhor ficou trabalhando, todo esse período, no Rio de Janeiro?
Edson: É, até 1972.
Christina: E, nesse período, o senhor teve algum tipo de atividade, mesmo que clandestinamente, ligada ao Partidão ou ao sindicato?
Edson: Não, a gente participava de reunião e aquela coisa toda, e a essa altura eu já era casado e morava lá em Caxias, no Jardim 25 de Agosto, e a gente reunia lá em casa.
Christina: Eram reuniões do sindicato?
Edson: É.
Christina: E também haviam pessoas ligadas ao Partido Comunista, que era clandestino.
Edson: Sim, a gente era assessorado pelo Partido Comunista, né? E a gente reunia lá em casa.
Christina: Como eram essas reuniões? O que vocês conversavam?
Edson: Era muito variado, mas sempre em torno do golpe militar, como sobreviver a isso tudo, né? Mas depois, a perseguição ficou muito intensa, aí, a família já não estava em Caxias, estava em Furtado de Campos, depois vieram pra casa dos meus pais, aqui em Juiz de Fora. E, nessa altura, a minha sogra estava aí, e resolveu levar eles pra Pernambuco, pra viver nessa cidadezinha, São Lourenço da Mata, Rua Adolfo Maranhão, número 65, eu lembro até hoje (risos). Então, eu fiquei com medo de pegar o ônibus aqui no Rio e fui pra Leopoldina, arranjei uma identidade falsa. Naquela época… o partido me arranjou essa identidade. Eu fui pegar o ônibus lá em Leopoldina, da São Geraldo, era Rio – Recife. Desci lá em Recife, fui pra São Lourenço da Mata. Ela tinha escrito pra mim, me deu o endereço…
Christina: Em São Lourenço da Mata a sua família foi pra lá, e o senhor se lembra de qual ano foi? Quando sua sogra levou a família pra lá por causa das perseguições?
Edson: Foi mais ou menos em 1974. Não, foi em 1972.
Christina: Foi o ano em que o senhor foi demitido?
Edson: Foi.
Christina: E qual foi a razão da sua demissão?
Edson: Foi problema de greve, né? Eu pertencia ao Partido Comunista, essa coisa toda, e o pessoal tinha um medo danado de comunista. Tinha mesmo. Eu peguei o ônibus em Leopoldina e fui pra São Lourenço da Mata, que é a 20 km de Recife, e a Christina já tinha escrito pra mim, me deu o endereço direitinho…
Filha de Edson: Fala do roubo…
Christina: Era isso que eu estava perguntando…
Edson: Aí, eu voltei pro Rio, fui trabalhar no Rio. Então, começaram a acabar com as ferrovias, o ramal de Friburgo, que ia pra Cantagalo, Cordeiro, né? Desativaram o ramal de Friburgo, e eram três trilhos, porque era uma serra, subia muito, e esse trilho do meio, a sapata do freio pegava nele ali. Esse ramal começava em Porto das Caixas, os trilhos foram todos empilhados em Porto das Caixas, fez aquele montão de trilho lá. Aí, foi feito… A via permanente deu aquele material como inservível; então, foi pro departamento de material, que fez a licitação pra venda dos trilhos, e quem ganhou a licitação foi uma forja lá do Rio Grande do Sul. Umas carretas vieram pegar os trilhos, lá em Praia Formosa. Porque eles faziam o seguinte… aí, começou a roubalheira. Eles botavam meia lotação em Niterói, e lá ele recebia um documento, carimbado, que tinha tara… O total, né? E o peso líquido, meia plataforma. Então, eles voltavam com aquele comboio pra Porto das Caixas e completava a lotação. Então, somente aquela parte, que era meia lotação, que ia pra Niterói, que entrou pra contabilidade. Essa quantidade de trilho, que eles pegavam na volta, em Porto das Caixas, não foi contabilizada. Chegava a Praia Formosa, onde eu trabalhava, aí, o tal de Rangel, que trabalhava no pátio, me chamou, me chamavam de Nogueira, e ele falou “Oh Nogueira, você acha que tem meia lotação nessas plataformas?”, falei “Não, ela tá completa”. Aí, pegou os manifestos, era um documento, né? E eram 11, 11 plataformas completas, 42 toneladas, e só eram contabilizadas 21, porque o documento em que estava exarado o peso, que foi pesado em Niterói, porque lá tinha balança de pesar vagão, só aquele que constava como vendido, o resto entrou… Lá em Praia Formosa tinha um lugar que chama Santo Cristo, um bairro chamado Santo Cristo, e lá tem uma balança, na rua Cidade Lima, e ali que eles faziam a divisão do dinheiro. Tinha um que era dono das terras, tinha um engenheiro, que era Fenelon, tinha um general de pijama, porque os aposentados a gente chamava de pijama, né? Mas o Rangel falou comigo “Como é que eu faço então?”, e eu disse “Você que é responsável pela balança! Você que sabe, mas se fosse eu o encarregado, eu ia botar isso tudo na balança, ia fazer esse processo, porque isso é roubo!”, aí, ele falou “Então, vou fazer isso”. E fez. Aí, foi processado. Por quê? Se a plataforma constava 11, constavam 21 toneladas na procedência, e chegava a Praia Formosa com 42… Daí que descobriram o negócio. Aí, foi um pega pra capar! O engenheiro foi pra rua, e outros mais, o condutor do trem. O maquinista, na verdade não tava sabendo de nada, mas foi um monte de gente pra rua, inclusive o chefe da estrada de Praia Formosa, que era meu chefe lá.
Christina: Por causa do desvio da carga. Mas, no caso, eles demitiram o senhor, por que o senhor tinha denunciado isso?
Edson: Não, aí, aconteceu o seguinte, o Rangel apareceu morto, na avenida Brasil, atropelado. Só atropelava de noite, de madrugada, porque ninguém via.
Christina: E ele era encarregado, o Rangel?
Edson: Ele era encarregado da balança. O João Alfredo, que era do departamento de material, ele também apareceu morto, como queima de arquivo, lá em Queimados, atropelado. Tinha um rapaz que eu não sei o nome dele, ele tinha um apelido, era chamado de Vaca de Botina. Ele fazia o serviço de segurança e também apareceu morto. E tinha o tal de Bueno, era um guarda grande, que bateu no meu ombro e falou assim “Você é a bola da vez, hein!”. E eu pensei “E agora, o que eu vou fazer? Vou embora, né?”. Aí, rachei fora. E fui demitido, depois disso que eu fui demitido.
Christina: Então o senhor foi demitido por falta ao trabalho? Porque o senhor saiu, não foi?
Edson: É, abandono de emprego.
Christina: E aí, que nessa época o senhor saiu…
Filha de Edson: Não foi abandono de emprego, porque o senhor entrou de férias e eles não queriam que o senhor voltasse.
Edson: É, não constou que foi abandono de emprego. Eles ficariam livres de mim…
Christina: Eles arrumaram uma razão, quer dizer, o senhor já tinha sido avisado por esse segurança da estação que o senhor seria a bola da vez, já tendo três colegas que foram assassinados em circunstâncias suspeitas. Aí, o senhor veio pra Juiz de Fora?
Edson: Vim. Eu vim pra Juiz de Fora.
Christina: A sua família, nessa época, estava aqui ou já estava lá em Pernambuco? Em 1972.
Edson: Em 1972? Não, foi depois… Em 1974?
Filha Edson: Não, foi em 1972 mesmo, mas a gente ainda estava aqui.
Christina: Depois é que vocês foram para lá.
Edson: Ah, é, a memória falhou.
Filha de Edson: Deixa só eu falar um pouquinho. É que nessa época, quando a gente veio pra cá, tinha uma história assim… Eu era criança e ia pra escola e não podia dizer de quem que eu era filha, não podia dar o endereço. Tinha aquela coisa assim “Se alguém te encontrar na rua e te perguntar alguma coisa, você fala isso assim, assim…” Tinha todo aquele terror.
Christina: Mas quem te dizia… Quem dizia pra você não falar de quem era filha?
Edson: A gente falava com ela.
Christina: Porque vocês já sabiam que estavam sempre, de certa forma, sendo investigados…
Edson: Ah sim, tanto é que o Partidão me deu uma identidade falsa.
Christina: Qual o seu nome da identidade falsa?
Edson: É José da Silva… José da silva.
Betão: O senhor, como militante do Partidão, chegou a conhecer o Luís Carlos Prestes?
Edson: Eu fui apresentado a ele, o Baptista me levou lá. O Batistinha, que me levou na casa dele…
Betão: Na casa dele, no Rio de Janeiro?
Edson: No Rio de Janeiro, ali perto da Cinelândia, numa ruazinha estreita. Naquele centro tem um monte de ruazinhas estreitas, né? E ele falou “Você sabe quem é que eu vou te apresentar?”, “Não, eu não tenho a menor ideia”, “Vou te apresentar ao Prestes”. E me apresentou ao Prestes, como líder ferroviário, porque eu já tinha sido afastado, eu não fui afastado na primeira leva, porque o meu irmão foi no meu lugar.
Christina: Seu irmão, quando foi preso, ele chegou a sofrer algum tipo de tortura?
Edson: Foi… principalmente, psicológica, né? Tinha aquele negócio de dar tiro lá dentro, no Caetano Faria… Diziam “Oh, já mataram um lá!”.
Christina: E ele ficou preso por quanto tempo, seu irmão?
Edson: Ah, ele ficou 40 dias preso.
Christina: Isso em 1964, né?
Edson: É.
Christina: Depois ele não foi mais reintegrado.
Edson: Não, não foi.
Christina: O que aconteceu com seu irmão?
Edson: Quando ele saiu da prisão, já saiu demitido. Ele foi se apresentar na Leopoldina e disseram “Não, você foi demitido”, “Vão fazer assim, verbal?”. Aí, pegaram um telegrama… “A ordem é pra não deixar você voltar ao trabalho, porque você já não pertence mais aos quadros da Rede Ferroviária”. Foi assim.
Christina: Dos seus conhecidos, que trabalhavam com o senhor na Rede, nessas várias estações, na antiga Leopoldina, depois Rede Ferroviária… o senhor teve algum conhecido que, por exemplo, eles falavam na época, que desapareceu e nunca mais se soube dele?
Edson: Que desapareceu? (pausa). Não. Tem um que estava desaparecido, que foi até o Batistinha, mas ele foi pra Iriri, porque ele estava sendo muito ameaçado, aquela coisa e tal. Então, aconselharam ele, porque ele era capixaba, e ele foi morar em Iriri. Deixou a casa dele, que era entre Ramos e Penha… Hoje, até tem o Complexo do Alemão ali, mas naquela época não tinha não. Deixou a filha, que era casada, morando na casa dele, mas depois ele teve que vir ao Rio, pra resolver um problema, e à noite… De madrugada, cedo, já de manhã, entraram duas pessoas na casa dele, e a pessoa já sabia dos hábitos da família, porque o genro dele foi à padaria buscar pão, deixou a porta da cozinha entreaberta, e sempre fizeram isso. Entraram dois caras lá, que já sabiam de tudo, e foi lá no quarto dele. Ele estava dormindo, com a mulher dele, chamada Dona Neuza, né? Chegaram e mataram ele, dormindo, e falaram pra dona Neuza “Não dá com a língua nos dentes não, que vai morrer todo mundo”. Não apuraram quem matou e ficou por isso mesmo, entendeu? Então, eu fazia questão de relatar esse fato, porque o Zé de Souza, inclusive, a família dele nem indenização recebeu. O Batistinha morreu dormindo, e o negócio não foi levado a denúncia, por medo de matar a família toda. A pessoa já estava no pós-ditadura. Não, ainda era ditadura. Mataram ele e ficou por isso mesmo. Então, eu quero dar ênfase a esse fato para a Comissão da Verdade, porque o Zé de Souza foi morto, ninguém sabe o que aconteceu. Sabem que foi o DOPS, né? Lá eles falaram que ele pulou da janela, que ele se suicidou.
Christina: E o Batistinha foi que ano? O senhor se lembra de quando foi, década de 1970?
Filha de Edson: Foi na década de 1980.
Edson: Década de 1980.
Christina: O Batistinha já foi em 1980, então, estavam no governo do general Figueiredo?
Edson: Até 1985, não foi?
Christina: Foi. Quer dizer, o Batistinha, que tinha sido presidente do Sindicato dos Ferroviários, um dos mais importantes, e esse assassinato dele já ocorreu na década de 1980, na época da abertura…
Edson: É, mas tem um fato aí. Ele estava organizando… Logo que acabou a ditadura e o Sarney que era o presidente, não é isso? Aí, foi em 1985.
Christina: Foi em 1985, quando o Tancredo não assumiu, aí assumiu o Sarney.
Edson: Então, o Baptista, em 1985, ainda era vivo e estava organizando uma chapa pra concorrer ao sindicato, e quem estava lá era um interventor, o tal de Mirinho, era conhecido por Mirinho. O Baptista estava organizando a chapa, porque já que estava na democracia outra vez, vamos organizar novamente, né? Tinha uma juíza no Rio, e eles fizeram o seguinte, anteciparam a eleição, sabe? Aí, não deu tempo de o Batistinha ir, ele não pode concorrer, e lá eles estão até hoje. Hoje, quem atua mais é a associação, que atua ali em São Cristóvão, é a Associação dos Ferroviários e Aposentados (AARFFSA). Hoje, a representação sindical é na associação, porque o sindicato tá nas mãos dos pelegos até hoje.
Christina: E o senhor, depois que foi pra Pernambuco, na década de 1970, continuou trabalhando ou não?
Edson: Não, eu fui pra Pernambuco porque a minha cunhada arranjou, pra mim, um emprego numa empresa de transportes, chamada Don Vital, mas eu fiquei pouco tempo lá, porque eu tive um problema muito sério por não conhecer Recife, e como a empresa era de entrega em domicilio, eu não conseguia trabalhar. Era rua tal, eu saía pra perguntar onde era a rua tal. Então, eu saí, fui trabalhar de pedreiro, trabalhei de pedreiro muito tempo. Eu só voltei… Não pra Juiz de Fora, voltei pro Espírito Santo, num lugar que chama Domingos Martins, porque ainda estava na ditadura, não, era 1985 ainda. E nós três moramos lá uns três anos, mais ou menos, e fui trabalhar de pedreiro, e fui um bom pedreiro (risos).
Christina: E o senhor voltou pra Juiz de Fora, quando?
Edson: Tá lembrando, mais ou menos?
Filha de Edson: Em 1979. Foi quando nós voltamos pra cá.
Christina: Ainda era a ditadura, período de anistia…
Edson: Em 1979 ainda era ditadura. Nós viemos para o Espírito Santo e depois Juiz de Fora.
Christina: Nesse período que o senhor ficou, tanto em Recife quanto, depois, no Espírito Santo, o senhor manteve contato com os seus companheiros do Partidão?
Edson: Não.
Christina: Nenhum contato?
Edson: Nenhum.
Christina: Porque o Partidão, nessa época, quer dizer, já estava na clandestinidade há muitos anos, mas a perseguição aos membros do Partido Comunista se acentuou muito na década de 1970.
Edson: Pois é, mas acontece que eu podia, por exemplo, dizer pra alguns que eu estava escondido lá, mas podiam acabar descobrindo, então, eu não falava com ninguém, e eu ainda estava com a carteira de identidade falsa.
Christina: E o senhor trabalhou nessa empresa de transportes em Recife com a identidade falsa?
Edson: Falsa.
Christina: Porque o senhor era procurado pelos órgãos de segurança.
Edson: Era procurado, mas eu acho que não havia muita necessidade não. Lá em Recife, não. O problema maior foi pra viajar pra lá, né? Eu não vim aqui para o Rio pra pegar o ônibus, eu fui pegar em Leopoldina.
Christina: Mas isso também foi por uma decisão do comando do partido, com receio que o senhor fosse preso, né?
Edson: Foi. Falou “Oh, segredo aí, hein!”.
Christina: E depois que o senhor voltou pra Juiz de Fora, em 1979 ainda…
Edson: É, mas aí, fiquei praticamente na clandestinidade, né? Mesmo em Juiz de Fora, porque eu continuei trabalhando de pedreiro. Fiz muita casa em Juiz de Fora, fui mestre-de-obras. Trabalhei em uma empresa aqui, a JJ Engenheiros.
Christina: Aí, já com seu nome mesmo, original?
Edson: Sim, já.
Christina: Ainda era governo militar, ditadura militar, né?
Edson: Não.
Christina: Quando o senhor entrou na JJ, já era depois de 1985?
Edson: Era. Aí, eu fui com o nome certo.
Christina: Agora, o senhor nunca mais voltou a ter alguma militância sindical?
Edson: A gente acaba tendo, não tem jeito de não ser. Então, recebi… depois eu… Tem o tal de Gama, Inácio Gama, tinha o outro, que eu esqueci o nome dele. Ele me viu e tal, lá em Juiz de Fora. Depois me aconselharam a sair de Juiz de Fora, aí, eu fui pra Furtado de Campos. E, então, eu dei uma de invasor, não invadi não… Uma casa da estrada de ferro, porque não tinha mais estrada de ferro e, nesse período, tinha lá aquela pilha enorme de dormente, que tirou de uma… de Juiz de Fora e empilhou tudo lá em Furtado de Campos. E esse ferro velho, aquele Zé Alvim, né? E aos domingos, o motorista, o tal de Adair, ia lá buscar os trilhos no domingo, enchia a carreta e levava. Eu falei “Mas domingo, Adair?”, ele falou “Psiu, fica quieto, não fala nada, se eu estou buscando no domingo é pra ninguém ver”.
Christina: Mas isso o senhor já tinha…
Edson: Saído.
Christina: Certo. Isso foi o quê, na década de 1970?
Edson: Não, aí eu não sei nada não.
Christina: Mas essa época, quando essa carreta do Zé Alvim ia lá a Furtado de Campos pra pegar os trilhos e dormentes, isso já foi em qual período?
Edson: Foi em 1981 quando eu aposentei.
Christina: Aí, o senhor conseguiu se aposentar por contribuir como autônomo?
Edson: Isso. Eu estava como autônomo e meus familiares me ajudavam nisso. Eu pagava sobre dez salários, então, meu irmão e minha irmã me ajudaram a pagar. Agora, essa lei da Anistia… Tem aí? A carta? Eu fui anistiado, e eu perdi o tempo de aposentado de 1981 a 1995, eu perdi esse tempo. Então, recebo hoje só a indenização.
Christina: Aqui, (lendo) “Do Ministério de Planejamento Orçamento e Gestão, Secretaria de Gestão Pública. Conforme o disposto… Ratificou a sua condição de anistiado político, substituindo a aposentadoria excepcional de anistiado político, que vem percebendo referente ao benefício do INSS, número tal, pelo regime de reparação econômica, de caráter indenizatório em prestação mensal permanente e continuada sem efeitos financeiros retroativos”. Ok.
Edson: Na época que me quebraram os dentes… Depois o Itamar Franco, quando estava no governo de Minas, me deu 30 mil.
Christina: Como indenização…
Edson: Pelo Estado…
Christina: Certo. Pela agressão que o senhor sofreu naquela época em que foi preso pela primeira vez, em 1961 ainda. Quebraram seus dentes em 1961, não, foi em 1964.
Edson: Que me quebraram os dentes, mas o governo do Itamar já foi depois de 85.
Christina: É, mas ele fez uma indenização para o senhor, porque, possivelmente, alguém da polícia militar… que fez o comunicado…
Edson: É.