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Por que fazer um filme sobre nós mesmos ou a nossa família?

Por que fazer um filme sobre nós mesmos ou a nossa família?

 

                                                                                                 Jessica Dias Barra

 

Re-pensar o passado e a sua própria história parece uma constante em alguns dos filmes do novo cinema alemão. Entre a década de 1960 até o início dos anos de 1980, parecia o momento ideal para aquela geração de nascidos durante a Segunda Guerra Mundial se debruçar sob suas histórias, suas origens e claro, sobre o passado recente de seu país.

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Cenas de “Tue recht und scheue niemand” (1975, 60 min)

Nada mais certeiro do que ter sua própria “mãe” como ponto de partida. Para Jutta Brückner, “Tue recht und scheue niemand” (1975, 60 min) foi sua primeira experiência como diretora. O filme conta a história de sua mãe desde a década de 1910 na Alemanha até os anos 1970, construído com fotografias de sua mãe, de acervos, agência e principalmente fotos de August Sander. O áudio que nos serve de guia através dos acontecimentos é retirado de uma entrevista gravada com sua mãe e intercalada com outra voz.
Não sabendo se é a voz que conta a história ou as fotografias, em certo tempo, o espectador se vê nesta viagem entre as décadas e a sociedade alemã.

Dentro da constante em utilizar uma história individual para falar também da história de seu país, em “Alemanha, mãe pálida” (1980, 130 min) Sanders-Brahms retrata sua própria história e de sua mãe, desde quando seus pais se conheceram em uma Alemanha nazista, passando pelo país sendo bombardeado até a divisão territorial e suas consequências. A narração presente no filme é a voz da própria diretora e ainda, uma das atrizes que fazem o papel da filha foi desempenhado por sua própria filha.

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Cenas de “Alemanha, mãe pálida”, (1980, 130 min)

 

Helma Sanders-Brahms disse em uma entrevista que por onde ela passou com “Alemanha, mãe pálida”(1980), em diferentes países, mulheres se identificaram e se viram representadas na tela. Talvez a autobiografia tenha esse poder de fácil identificação do espectador. A pessoa se reconhece ali, em seus sofrimentos, seu cotidiano, suas alegrias.

O que nos leva a fazer um filme sobre nós mesmos ou a nossa família? Esta é uma questão que eu mesma tento responder a alguns anos. Talvez seja para entender melhor quem somos, de onde viemos e quem são as pessoas ao nosso redor. Acho que de alguma forma e proporcionalidade fui uma Sanders-Brahms ou Brückner quando decidi em fazer um filme documentário sobre meu avô em 2016. Talvez tenha sido só uma inspiração divina, um insight ou só curiosidade. O audiovisual naquele momento pareceu-me de uma perfeição esclarecedora. Parecia o momento certo.

Talvez ninguém tenha perguntado anteriormente ao meu avô, a mãe da Jutta, a mãe da Helma e a própria Helma, como tinha sido sua vida, sua infância e como chegaram até onde estavam naquele momento. E isto parecia ser o que mais importava no mundo inteiro para colocar em um filme.

Lembro de explicar ao meu avô, o que eu e uma amiga iríamos fazer e ele questionando em algum momento por que queríamo-lo. Ele era importante. Aceitou nossas intromissões em seu cotidiano e trabalho, sentou na cadeira em frente à câmera e respondeu tudo.
Segundo a própria Jutta Brückner, a participação de sua mãe foi essencial tanto para a construção do filme e como objeto do documentário. E além disso, o processo foi importante para ela se descobrir em sua profissão. Foi importante para “dar uma voz” a sua mãe. Para ela, a importância de “Tue recht und scheue niemand”:“despertar em um nível muito pessoal mas também no nível profissional em termos de fazer filmes,sobre o que eu não tinha idéia”. (BRÜCKNER; KOSTA; MCCORMICK, 1996 p. 353, tradução nossa)

Já eu, como “neta-aprendiz-de-cineasta” queria sim dar uma voz a ele, mas, além disso, mostrar a pessoa que existia na parte de trás de uma padaria desde quando era novo. Ali escondido, atrás de uma parede falsa por mais de 50 anos fazendo deliciosos pães e criando cinco filhos. E de forma nenhuma comparando, mas parece que Sanders-Brahms teve seu objetivo alcançado de certa maneira, pois conseguiu retratar o percurso de uma mulher, mãe com filha pequena em meio a Segunda Guerra Mundial. Representatividade nas telas que não é comum nesse tipo de temática de guerra.

Curiosamente o filme foi muito mal recebido na Alemanha, ao contrário de países estrangeiros onde obteve grande sucesso. E a mais interessada, sua mãe, gostou do filme. “A reação da minha mãe ao ver o filme pela primeira vez foi maravilhosa porque ela disse: “Isso não é correto, mas é verdade”. O que eu teria desejado como resposta ao meu filme.”(SANDERS-BRAHMS; REED, 2003, p.160, tradução nossa)
Já meu avô, não pode infelizmente assistir o filme pronto, pois apenas uma semana depois das filmagens veio a falecer. Talvez por isso, estes momentos biográficos registrados dos documentários sempre permaneçam ainda vivos e importantes pra mim.