A virada do século XX para o XXI foi significativa para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), bem como para as demais instituições de ensino. Com a abertura democrática do país nos anos 1980 e as reivindicações dos movimentos sociais por igualdade de oportunidades e direitos, um dado acerca da educação brasileira ganhou notoriedade: o ensino superior privilegiava, sobretudo, homens, brancos, cisgêneros (que se identificam com o gênero designado ao nascimento), heterossexuais e das classes média e alta.
Em outros termos, por um longo período as universidades públicas reforçaram o poder das elites, invisibilizando situações de subalternidade de raça, classe, gênero e em relação à diversidade sexual. É no início dos anos 2000 que este cenário começa a se transformar com a chegada dos grupos historicamente excluídos aos espaços acadêmicos.
Para o professor da Faculdade de Educação da UFJF Anderson Ferrari o desafio na atualidade, quando a UFJF completa 60 anos, é investir na permanência de negros, periféricos, mulheres e LGBT+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Transexuais) nos cursos de graduação e pós-graduação.
Ferrari foi o primeiro estudante da UFJF a pesquisar a temática das homossexualidades, no curso de Mestrado em Educação, entre os anos de 1998 e 2000. “A Universidade deve acolher a comunidade LGBT+, para que essas pessoas produzam conhecimento e não sejam mais somente um objeto de produção do conhecimento. A entrada da comunidade LGBT+ na Universidade tensiona os conhecimentos, as metodologias”, aponta.
Nesse sentido, segundo o pesquisador, é imprescindível que a UFJF se reafirme cotidianamente pública e laica. “Compromissada com a produção do conhecimento e não com o senso comum ou qualquer tipo de moralismo. A Universidade deve se manter nessa linha de condução, com sua autonomia e sua liberdade de produção de conhecimento. A Universidade tem um papel fundamental de fazer refletir sobre como a realidade se constitui. O conhecimento é libertador, quando problematiza a realidade.”
A avaliação é compartilhada pelo professor do Departamento de Turismo da UFJF e ex-aluno do Mestrado em Comunicação da instituição, Marcelo do Carmo. Em sua dissertação, produzida entre os anos de 2007 e 2009, o docente pesquisou a comunicação, o turismo de eventos e as homossexualidades.
“Que a UFJF continue mantendo sua excelência no que diz respeito ao ensino público, gratuito, de qualidade e inclusivo. E que o acolhimento e o respeito à diversidade continuem sendo importantes pilares da instituição. Vida longa à UFJF. Vida longa ao ensino, à pesquisa e à extensão. Força às pessoas que constroem diariamente essa Universidade que tanto amamos”, ressalta.
O caráter inclusivo da instituição também é um fator motivador para a professora e pesquisadora Juliana Perucchi. Catarinense de Florianópolis, a docente mudou-se para Juiz de Fora para atuar no Departamento de Psicologia da UFJF.
A UFJF tem ocupado ao longo dos seus 60 anos um lugar por um país mais justo, menos preconceituoso e livre de discriminações
“A gente não pode deixar de lembrar o lugar importante que a UFJF tem ocupado ao longo dos seus 60 anos por um país mais justo, menos preconceituoso e livre de discriminações e preconceitos em seus espaços acadêmicos. Esse é um projeto de todos nós, professores, técnicos e estudantes. Esse é um ponto muito importante que eu gostaria de destacar, e que me faz ter muito orgulho de trabalhar aqui”, aponta.
Dentre as ações para o fortalecimento da Universidade como um espaço democrático para todos os grupos sociais, Perucchi destaca a criação, em 2019, do Centro de Referência e Cidadania LGBTQI+.
O programa de extensão da Faculdade de Serviço Social, coordenado pelo professor Marco Duarte, conta com a participação da professora Joana Machado, do Direito, e de Juliana. “No presente, temos muitos desafios: manter a implementação desse e de outros programas do gênero, sobretudo para as populações mais vulneráveis, e consolidar a nossa Universidade com autonomia nas suas perspectivas acadêmicas e de gestão universitária”, destaca.
Uma história de reconstrução de vida
A especialista em Relações de Gênero e Sexualidades e graduanda em Ciências Humanas pela UFJF, Bruna Rocha, acrescenta a importância da presença da população trans (que não se identifica ou se identifica parcialmente com o gênero designado ao nascimento) nos espaços acadêmicos.
“Essas pessoas foram excluídas durante muito tempo. E agora nós precisamos trazê-las de volta, seja pela educação, arte, cultura, dança, música. Essas pessoas têm o direito de estar ocupando o espaço da UFJF. Então, a UFJF tem trabalhado nesse sentido, mas esse trabalho ainda precisa ser aprimorado, aperfeiçoado.”
Sobre a experiência pessoal na instituição, Bruna enfatiza a capacidade potencializadora de vida da Educação. “Falar da importância da UFJF é falar de uma história de reconstrução de vida, de um reiniciar. A UFJF entra na minha vida talvez como a última possibilidade de sucesso, porque antes já todas haviam se esgotado. Na UFJF, eu vi caminhos novos, trabalhos novos. É um divisor de águas. Existiu uma Bruna antes da UFJF, e agora existe uma outra Bruna que tem qualificação profissional, conhecimentos, experiência. Os eventos realizados, os aprendizados vividos, tudo isso é parte da minha vida, é parte da minha história.”
Abertura de espaços para transformação social
Em uma sociedade marcada por desigualdades sociais, resultantes de complexas relações entre os planos econômico, político e cultural, as instituições expressam muitos desses conflitos e contradições. Para a professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), mestra e doutora em Educação pela UFJF, Kelly da Silva, a situação não é diferente nas universidades. Desse modo, segundo ela, é fundamental a criação de políticas públicas que promovam transformações, visando à equidade.
“O papel da Universidade será sempre o de trazer em sua configuração abertura de espaços para a transformação social. Independentemente do gestor, as políticas públicas para negros e LGBT+ necessitam ser respaldadas institucionalmente, para que não sejam políticas de gestores e sim de uma instituição pública, comprometida com o desenvolvimento social.”
Hoje gestora da unidade da UEMG no município de Ubá, Silva dedicou-se, nos últimos 11 anos, às pesquisas no Programa de Pós-graduação em Educação da UFJF.
“Iniciei meus estudos na UFJF, em 2009, cursando o mestrado em Educação. E encerrei meu doutorado em Educação neste ano. Não são poucas as memórias das experiências vividas, um processo que vem sendo construído, reconstruído, desconstruído. Fui atravessada por importantes conquistas profissionais e pessoais, mas também por desafios. Estar numa Universidade do tamanho da UFJF, constituindo em teoria a vida subjetiva de mulheres negras e possibilitando práticas políticas e afetivas, é uma maneira de trazermos à tona vozes historicamente silenciadas. São estratégias de resistência que compomos no dia a dia e que almejamos que se reverberem para além do espaço acadêmico.”
A professora de História e licenciada em História pela UFJF Bianca Silva também analisa a experiência vivida na instituição como algo que extrapola a esfera da produção do conhecimento acadêmico.
“Observo a importância da UFJF na minha trajetória desde quando me recordo da estudante negra, cotista, de escola pública, que entrou em 2015, no curso de História, até a professora que me tornei e me formei. Tanto a profissional em que me formei quanto a mulher negra na qual me constituí são muito graças, também, a todas as trocas na Universidade, no ensino, na pesquisa, na extensão.”
Quantos aos desafios da instituição para que se tenham futuros ainda mais democráticos para todas e todos, a ex-aluna salienta o reforço do compromisso da UFJF com a presença de negros e LGBT+ no espaço acadêmico.
“É preciso pensar em políticas públicas, porque não é suficiente apenas garantir a nossa entrada. É preciso pensar em políticas públicas, em pautas, em projetos que pautem e priorizem a nossa permanência na Universidade. É preciso o compromisso com a luta antirracista, que não seja lgbtfóbica para garantir a permanência de negros, LGBT+, mulheres e filhos de trabalhadores na UFJF.”
UFJF 60 anos
Para celebrar seus 60 anos, a UFJF traz a proposta de recordar os mais diversos momentos vividos pela comunidade acadêmica ao longo desse período. A iniciativa consiste em envolver as pessoas da comunidade para compartilharem suas recordações pelo e-mail ufjf60@comunicacao.ufjf.br ou pelas redes sociais usando #UFJF60anos.
Leia mais sobre a UFJF 60 anos
Comunidade avalia conquistas e desafios para inclusão de pessoas com deficiência na UFJF
Os anos 2010 e a expansão universitária
Anos 2000: como surgiram Pism e cotas e como acabou o vestibular tradicional
‘Objetivo principal foi tirar a panela do fogo’, diz ex-ministro sobre criação de campus em JF
O nascimento da Biblioteca Central, Praça Cívica, Centro Olímpico e de acesso ao campus
Polo educacional e de desenvolvimento: os impactos da UFJF na economia
Concurso de slam oferece R$ 4 mil em prêmios
Os caminhos da internacionalização
Enfrentar o racismo estrutural e sonhar futuros
Exposição fotográfica virtual conta a história dos oito anos do campus GV
A redemocratização e o campus consolidado: os anos 1980 e 1990 na UFJF
UFJF completa oito anos de atividades em Governador Valadares
Acompanhe a UFJF nas redes sociais
Facebook: UFJFoficial
Instagram:@ufjf
Twitter: @ufjf_
Youtube: TVUFJF
Spotify: UFJFoficial