No final dos anos 1990, Vinicius Mariano de Carvalho, na época mestrando em Ciência da Religião, traçava novos rumos para sua carreira profissional e também para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ao abrir as portas da instituição para uma universidade alemã, o aluno ajudou a UFJF a consolidar seu caminho em direção à internacionalização.

Carvalho convidou o amigo Rupert Hoffman, da Universidade de Passau, para uma visita à UFJF. De passagem pelo Brasil, ele fazia parte da delegação alemã em busca de acordos de intercâmbio. O mestrando sentia-se incomodado pelo fato de apenas as universidades das capitais brasileiras serem priorizadas para tais oportunidades. 

O convite foi aceito e, apesar de não haver uma relação oficializada, Carvalho levou o colega para assistir aulas de Latim, conversar com alunos e conhecer a UFJF. A visita abriu caminho para o acordo, que aconteceu em 1999.

“O pró-reitor de Internacionalização da Universidade de Passau, Klaus Dirscherl, veio depois ao Brasil e, nessa ocasião, provoquei a UFJF para que o recebêssemos, propuséssemos um convênio e, por fim, conseguimos firmar o acordo para intercâmbio de alunos de graduação. Discherl, ao fim daquela visita, me convidou a passar três meses na Universidade de Passau, como ‘embaixador’ da UFJF, dando aulas, palestras, fazendo projetos de música, e divulgando nossa universidade. Cheguei em fins de novembro e logo iniciei um Seminário Avançado sobre o Brasil”, conta Carvalho.

A Universidade de Passau continua parceira da UFJF até hoje. E mais uma centena de outras instituições. Desde o início desse processo de internacionalização, que contou não só com o esforço de Vinicius de Carvalho, mas de diversos outros pesquisadores, programas de pós-graduação e iniciativas dos reitorados das últimas décadas, os números cresceram.  

Atualmente, a UFJF possui instituições parceiras em todos os continentes, sendo 73 para intercâmbio de graduação. Não há números totais de intercâmbios realizados desde a primeira experiência de Vinicius de Carvalho. Mas, de acordo com a Diretoria de Relações Internacionais da UFJF, 1.101 alunos já participaram desde 2007. Clique no mapa para visualizar.

Os três meses de Carvalho na Universidade de Passau renderam frutos em sua carreira. Ele fez doutorado na universidade alemã e, de lá, contribuiu para a consolidação do acordo, recebendo estudantes da UFJF. Depois, lecionou em Aarhus, na Dinamarca e, em 2013, entrou para o King’s College London, onde atualmente ocupa o cargo de diretor do King’s Brazil Institute.

“Este instituto, agora com dez anos de existência, é uma referência para Estudos Brasileiros na Europa, além de atuar como uma grande ponte entre o Brasil e o Reino Unido em cooperação acadêmica. A experiência de aprendizado no estabelecimento de cooperação internacional e intercâmbio acadêmico que tive durante o meu tempo na UFJF – realmente aprendida de forma experimental, já que não tínhamos procedimentos, experiência, nem prática – tem sido fundamental em minha carreira acadêmica.”

Tem gente que vai, tem gente que chega

O alemão Hannes Schroeder-Finckh, 34 anos, passou dois semestres na UFJF entre 2008 e 2009, por meio do acordo com a Universidade de Passau.  Enquanto aluno de Estudos Interculturais e Gestão de Empresas, fazer intercâmbio ou estágio fora do país era obrigatório no seu curso. 

“Português fazia parte do meu currículo, queria ir ao Brasil  – porque, na época, parecia mais interessante do que Portugal para mim – e estava namorando com um estudante intercambista da UFJF em Passau, então fazia sentido para mim”, conta o atualmente diretor de galeria de arte.

Achei maravilhoso o relacionamento próximo que existia com os professores – Hannes Schroeder-Finckh

Na UFJF, fez matérias em cursos que se encaixavam no seu perfil acadêmico, entre eles, comunicação, letras, arte e geografia. “Achei maravilhoso o relacionamento próximo que existia com os professores. Chamar professores universitários pelo primeiro nome é um conceito que não existe na Alemanha, por exemplo. Isso cria uma intimidade que permite um modo de ensino completamente diferente, uma conversa muito mais aberta, menos hierárquica, que permite pensamentos que de outra forma não surgiriam”, relembra.

Para Schroeder-Finckh, qualquer experiência de intercâmbio é transformadora e, no Brasil, não foi diferente. Ele conta que se sentiu acolhido e teve contato muito próximo com a cultura local, pelos amigos que fez na república em que morou ou por meio do namorado na época. Em termos de aprendizado, a passagem do aluno alemão pelo país permitiu enorme ganho profissional.

“Como trabalho numa galeria de arte, o fato de ter morado no Brasil e de ter estudado história da arte brasileira na UFJF tem me ajudado a criar relacionamentos mais próximos com alguns artistas. Meu negócio depende muito de relacionamentos sociais e primeiras impressões. Então, às vezes, o simples fato de ‘poder falar sobre’, ou ter interesse em arte brasileira, pode iniciar um relacionamento profissional impactante.”

Tradição Brasil – África

Um angolano que marcou a vida de quem estudava na Faculdade de Comunicação Social em meados dos anos 90 foi Augusto Alfredo, 57, que estudou durante quatro anos na UFJF e ainda integrou o Centro de Estudos Teatrais – Grupo Divulgação, coordenado pelo então professor José Luiz Ribeiro. Augusto Alfredo, nome cunhado pelos colegas brasileiros, voltou ao Brasil alguns anos depois de formado como adido militar da embaixada angolana em Brasília. Ele conta sobre a sua experiência como aluno da UFJF. 

Augusto veio para o Brasil através do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), iniciativa direcionada para estudantes de países em desenvolvimento que possuem acordo educacional, cultural ou científico-tecnológico com o Brasil. Atualmente, o programa conta com 59 países participantes, entre eles 25 africanos. 

De Cabo Verde, Jacqueline Pereira, 36 anos, também se formou em Comunicação Social em 2006. Ela, que atualmente é editora de dois jornais e apresentadora de TV, veio estudar em Juiz de Fora justamente por conta do PEC-G, que existe desde meados dos anos 90 e que, segundo Jacqueline, é “referência para os jovens cabo-verdianos”. 

“A UFJF foi fundamental no meu processo de formação e eu digo sempre que fui muito sorteada por estudar em umas das melhores faculdades de comunicação do Brasil. Eu tive bons professores, os quais admiro muito. Meus colegas me acolheram de braços abertos e eu só tenho agradecer”, destaca. 

Ampliando os horizontes 

Desde a fundação da UFJF em 1960, alguns alunos já haviam estudado no exterior com bolsas de fundações ou de universidades estrangeiras, assim como passaram pela UFJF muitos intercambistas, seja de países da África ou até do Japão. Veja a seguir nesta reportagem a história de Ko Takagi, que pousou por aqui em 1987. 

As iniciativas, no entanto, eram majoritariamente individuais ou dos próprios professores e cursos e não se reuniam em políticas ou diretrizes institucionais de internacionalização. É a partir dos anos 2000 que os convênios, intercâmbios e bolsas ganham fôlego, com aportes do Governo Federal a partir do Reuni e da própria instituição. Em 2014, por exemplo, a UFJF chegou a lançar edital com cem bolsas de intercâmbio, no total de R$ 1 milhão de investimentos. É neste mesmo período que surge também o Ciência sem Fronteiras, responsável pelo envio de milhares de estudantes para o exterior.

Sthéfanie Dias de Andrade, 33 anos, na época estudante da Faculdade de Medicina, esteve na Universidade de Pádova (Itália) pelo programa entre 2014 e 2015. “A universidade era muito boa, os professores, a infraestrutura do hospital me impressionava, ainda mais se tratando de um país com o sistema de saúde semelhante ao nosso. Com todos as dificuldades enfrentadas no mercado de trabalho, penso que tive uma boa formação, que me possibilitou dar prosseguimento em outra universidade pública. Academicamente, foi a oportunidade de fazer um estágio na área de atuação que pretendo seguir, a oncologia.”

A valorização da educação pública de qualidade é algo determinante para avaliar a experiência de intercâmbio que Raphael Trevisan, 36 anos, teve enquanto aluno do Instituto de Ciências Biológicas entre 2003 e 2007.  Ele esteve na Universidade do Colorado, nos Estados Unidos. “A Colorado College é uma escola caríssima. São US$ 60 mil por ano só de ensino, mas ainda tem que pagar o dormitório, livros e comida. Somando tudo, fica em US$80 mil por ano. E ela só aceita 15% dos interessados em ingressar.”

Em relação à didática das aulas, Trevisan explica que é bem diferente das universidades brasileiras. “Eles têm uma metodologia chamada block-plan, onde você cursa uma disciplina de cada vez ao longo de um mês. São três horas de aula por dia, todos os dias, e fica muita coisa para se estudar de um dia para o outro. Você tem aulas em outro idioma, com um ritmo de ensino acelerado e uma metodologia bem diferente. Ver que os alunos das universidade públicas brasileiras estão à altura do desafio é bem encorajador”, conta o biólogo que, hoje, é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz.

Outro ex-aluno, atualmente professor do Colégio de Aplicação João XXIII, também teve a oportunidade de participar de um intercâmbio na Colorado College. Confira o depoimento de Lucas Mendes Ferreira.

Intercambista raiz

O professor japonês Ko Takagi, de 55 anos, cursou um ano do curso de Letras, em 1987, na UFJF. Ele já conhecia o Brasil e a cidade de Juiz de Fora. “Tinha morado em Niterói (RJ) entre 1979 e 1984 por conta da transferência do meu pai, que trabalhava numa empresa de construção de navios. Nosso vizinho era de uma família de Belo Horizonte e eles nos ajudaram bastante na adaptação à nova vida no Brasil. Foi assim que criei a imagem de que todo mineiro é gente fina”. 

Depois do retorno ao Japão e o ingresso na universidade, Takagi começou a trabalhar também como intérprete, aproveitando o aprendizado do português. “Notei logo que me fazia muita falta a experiência para trabalhar como um profissional. A minha universidade, no Japão, tinha na época convênios com três universidades brasileiras. Uma delas era a UFJF. Como já conhecia a cidade, o clima e a imagem do mineiro gente boa, nem pensei duas vezes para decidir.”

Takagi tem muitas lembranças marcantes do ano que passou na UFJF. Dos plantões na cantina do antigo Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) – “só para me especializar na cantinologia e lá conhecer muita gente” – aos bandejões do RU e dos vasos sanitários sem os assentos aos “versos criados por Renato Russo.” Entre as curiosidades, o ex-intercambista lembra das aulas de português para estrangeiros, uma tradição consolidada na UFJF. “As professoras Nazaré, Nadime e Sônia foram inesquecíveis para mim. A professora Denise Weiss, que dirige esta aula hoje, talvez seja a única pessoa que ainda me conhece. Consegui tirar uma boa nota na aula do professor Weitzel, mas fui reprovado na aula de fonética. Palavras como ‘faringes’ e ‘laringes’ até hoje ficam grudadas na minha mente!”, lembra Takagi. 

 A experiência de intercâmbio me deu uma credibilidade maior no mercado de trabalho – Ko Takagi

Assim como Vinicius Mariano de Carvalho, que a partir do intercâmbio na Universidade de Passau conseguiu estabelecer outras parcerias internacionais, Takagi diz que intercâmbio na UFJF abriu portas para ele, que atualmente está na Universidade de Kanda, na cidade de Chiba, no Japão.

“Não é só pela aquisição de um idioma. Essa experiência de intercâmbio me deu uma credibilidade maior no mercado de trabalho. Trabalhei para o Ministério de Assuntos Estrangeiros do Japão por três anos e depois participei de duas missões da Organização das Nações Unidas em que fui enviado para El Salvador e Moçambique. Depois disso, trabalhei por cinco anos para a Agência de Cooperação Internacional do Japão. Ainda participei de um projeto desenvolvido na área de saúde pública no estado de Pernambuco. E, desde 2001, sou professor universitário dando as aulas de português e de História do Brasil.”