inclusao deficiencia ufjf - Foto Maria Otávia Rezende

UFJF possui 234 estudantes que se autodeclaram com deficiência (Foto: Maria Otávia Rezende/UFJF)

Nesses 60 anos de história, um dos importantes marcos para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), bem como para as demais instituições federais de ensino, foi a entrada em vigor da Lei 13.409, em 28 de dezembro de 2016.  O dispositivo estabelece a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior (graduação), consolidando os esforços empreendidos por movimentos sociais,  pesquisadores e outros trabalhadores pela diversidade. 

Desde então, a UFJF tem investido ainda mais na inclusão de todas e todos. Em 2018,  a instituição criou o Núcleo de Apoio à Inclusão (NAI), que funciona vinculado à Diretoria de Ações Afirmativas,  e tem como objetivo construir e implementar políticas de ações afirmativas para pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA), altas habilidades e superdotação, no âmbito dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade. 

“É uma conquista para a garantia dos direitos das pessoas com deficiência e para a construção de uma Universidade cada vez mais inclusiva, mais diversa. O fortalecimento da política institucional nesse campo é fundamental. Foi uma luta de professores na época na qual eu ainda era aluna da graduação. Era uma grande luta do professor Carlos Alberto Marques [Faculdade de Educação], da professora Luciana Pacheco [Faculdade de Educação], e de outras pessoas que sempre batalharam para que pudéssemos, na UFJF, ter o desenvolvimento de uma política institucional no campo da inclusão. O NAI representa mais uma conquista dentre tantas outras que a UFJF galgou ao longo dos anos”, afirma a coordenadora do NAI e professora da Faculdade de Educação (Faced), Katiuscia Vargas  Antunes.

Atualmente, além da coordenadora, a equipe do NAI conta com a atuação profissional da também professora da Faced e vice-coordenadora do Núcleo, Mylene Cristina Santiago, da psicóloga do quadro técnico-administrativo em educação, Patrícia Tavella, de 13 intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras), e de 23 bolsistas da modalidade de Treinamento Profissional que atuam prioritariamente no acompanhamento acadêmico dos estudantes com deficiência e no assessoramento das atividades.

“Também temos o apoio de professores da Universidade que são grandes parceiros, na área da Arquitetura, para pensar acessibilidade; na área de formação de professores, para pensar a formação continuada; das equipes da Pró-reitoria de Graduação (Prograd), da Pró-reitoria de Assistência Estudantil (Proae), e da Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf), que nos dão suporte”, explica Katiuscia. 

Profa Luciana Marques e Katiuscia Vargas - Arquivo Pessoal

Professora da Faculdade de Educação Luciana Marques (à esquerda) e a então formanda Katiuscia Vargas, atual coordenadora do Núcleo de Apoio à Inclusão (Foto: Arquivo Pessoal)

“Ver as pessoas a partir de suas potencialidades”
Conforme a coordenadora do NAI, em levantamento recente realizado para o diagnóstico das condições de acesso digital da UFJF, 234 estudantes de graduação se autodeclararam com deficiência. “Temos 63 estudantes com deficiência visual; 55 com deficiência física; 42 estudantes com deficiência auditiva; 11 com transtorno do espectro autista; 10 com surdez, 10 com deficiência intelectual; três com cegueira; dois com deficiência múltipla e 38 que declararam ter outras deficiências ou necessidades educativas especiais. Do total, 26 estudam no campus de  Governador Valadares e 208 na sede, em Juiz de Fora.” 

Um desses 234 estudantes é Gabriel Pires Bonagio, 23 anos. Calouro do curso de Fisioterapia do campus de Juiz de Fora, o discente ressalta a importância da Lei de Cotas para a inclusão das pessoas com deficiência. 

“A Fisioterapia em si tem um significado enorme na minha vida. Vai muito além do que só um curso superior. É algo que eu gosto, que me satisfaz. E com certeza, futuramente, isso vai garantir a mim e à minha família uma melhor qualidade de vida. Se não fosse pelas cotas, a marginalização que as pessoas com deficiência sofrem na sociedade brasileira contemporânea seria uma barreira quase impenetrável em volta da educação superior. Acredito que eu não estaria matriculado na Universidade hoje, se não houvesse cotas para pessoas com deficiência”, pontua.

Sobre a importância da diversidade no espaço acadêmico, o futuro fisioterapeuta enfatiza a possibilidade de novos aprendizados. “Ver as pessoas a partir de suas potencialidades é algo que enriquece as relações humanas. É como abrir os olhos para novos caminhos que antes não estavam ali. Limitações devem ser consideradas com certeza, mas não se deve deixar que elas lancem sombra sobre as potencialidades individuais. Todos somos mais do que uma deficiência.”

A avaliação é compartilhada pela técnico-administrativa em educação, Letícia Fracetti.  Lotada na Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progepe) após aprovação em concurso realizado em 2015, a servidora também é ex-aluna da instituição. Concluiu o bacharelado e a licenciatura em História em 2014.

“Tive professores que me auxiliaram no que eu precisasse, que se dispuseram, desde o primeiro momento, a tornar minha experiência nesta Universidade agradável e acessível. Dentro da UFJF, fiz amizades importantes que vão ficar para sempre. Aprendo diariamente com meus colegas de trabalho, sei que posso contar com eles e elas para me auxiliarem no que for preciso e sei que sou vista e respeitada como pessoa capaz de desenvolver minhas atividades, independentemente de minha deficiência”, afirma Letícia.

Desafios a serem vencidos

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Ex-aluna, a técnica-administrativa em educação Letícia Fracetti comenta sobre atividades profissionais e desafios para melhorias na UFJF (Foto: Arquivo Pessoal)

Sobre os desafios futuros para a inclusão, a servidora pública pontua, especialmente, a necessidade de envolvimento de toda a comunidade acadêmica com a temática, além do investimento em tecnologias assistivas, necessárias para assegurar a aprendizagem dos alunos com deficiência.

“A instituição é construída em um terreno extremamente difícil para pessoas com deficiência, com muitos morros e escadas, por exemplo. Os ônibus internos são poucos e circulam sempre muito cheios, o que dificulta o acesso. De uns anos para cá, já puderam ser percebidas algumas mudanças no sentido de melhorar esse cenário: mais elevadores e rampas foram construídos, tradutores e intérpretes de Libras foram contratados – embora ainda sejam um número muito pequeno diante da necessidade – e a colocação de piso tátil em algumas áreas são alguns exemplos. Ainda há um longo caminho para garantir o pleno ir e vir dos servidores, alunos e público em geral que possuam algum tipo de deficiência e que frequentam diariamente o campus Juiz de Fora”, avalia Letícia.

Trajetórias dedicadas à inclusão

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Professor Carlos Alberto (Beto) Marques – o primeiro à esquerda – foi um dos fundadores do Núcleo de Educação Especial da Faculdade de Educação (Foto: Arquivo Pessoal – 2001)

O processo de inclusão das pessoas com deficiência no âmbito da UFJF é estreitamente relacionado à trajetória profissional dos professores Carlos Alberto Marques, falecido em 2009, e Luciana Pacheco Marques, aposentada desde 2019. Os docentes atuaram no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diversidade da Faculdade de Educação (Faced), bem como no Núcleo de Educação Especial, fundado por ambos em 1993. 

Beto, como era conhecido o professor, nasceu em 1956 e ficou cego aos 18 anos de idade, quando estava ingressando na UFJF, como aluno do curso de Medicina. 

“Pouco tempo depois se transferiu para o curso de Filosofia na própria UFJF, tendo ainda feito, paralelamente, Letras e Pedagogia no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. E, posteriormente, mestrado em Filosofia na UFJF e doutorado em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro.  Beto também foi bibliotecário na Associação dos Cegos de Juiz de Fora, professor e diretor da Escola Municipal Cosette de Alencar. Ingressou como professor no curso de Pedagogia da UFJF em 1988”, recorda a professora Luciana Marques.  

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Professor Carlos Alberto Marques foi uma referência sobre inclusão de pessoas com deficiência (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2005, o professor Carlos Alberto foi agraciado com o “Mérito Comendador Henrique Guilherme Fernando Halfeld”, concedido pela Prefeitura de Juiz de Fora. Em 2009,  recebeu homenagem da UFJF com a inauguração do “Jardim dos Sentidos Professor Carlos Alberto Marques”, no campus de Juiz de Fora. E, em 2010, uma escola municipal, localizada no bairro São Pedro, recebeu o seu nome: “Escola Municipal Carlos Alberto Marques”.

A vida pessoal e profissional do Beto se confunde com as questões referentes às minorias sociais e muito particularmente às pessoas com deficiência.  Ele sempre lutou pela inclusão, questionando os mecanismos de exclusão a que ele era submetido, abrindo caminhos  para a aceitação de outros cegos e demais deficientes. Orientou muitos alunos nas questões teórico-práticas que envolviam o debate sobre a exclusão, tanto ministrando disciplinas, como realizando pesquisas e ainda produzindo artigos e livros e participando de eventos nacionais”, destaca a professora. 

Em 2003, Luciana e Carlos Alberto registraram em livro o que compreendiam como inclusão: o respeito a todas as diferenças. “Ser diferente não significa mais ser o oposto do normal, mas apenas ‘ser diferente’. Este é, com certeza, o dado inovador: o múltiplo como necessário, ou ainda, como o único universal possível.”

Em seus 60 anos, a UFJF celebra esta lição, a qual pretende levar consigo ao longo dos próximos anos.

Visite o site especial sobre os 60 anos: ufjf.br/60anos