professor Murilio Hingel UFJF

Professor aposentado Murílio Hingel conta sobre os tempos de faculdade e avalia reforma universitária de 1968 (Foto: Gustavo Tempone/UJFF)

Iniciada em 1968, na ditadura militar, a Reforma Universitária trata-se de um tópico que produziu efeitos paradoxais para o Ensino Superior. Ao mesmo tempo em que apresentou propostas para a modernização das universidades federais e para a articulação de atividades de ensino e pesquisa, foi um programa marcado pela abolição das cátedras, que deram espaço a departamentos, institutos e centros, e pela institucionalização da carreira acadêmica. O ex-ministro da Educação, professor Murílio de Avellar Hingel comenta sobre o período, aponta motivos para a construção de uma cidade universitária distante do Centro da cidade e cita os desafios encarados pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) na época.

Hingel graduou-se em Geografia e História pela Faculdade de Filosofia e Letras (Fafile). Durante a ditadura militar, atuou como diretor da Fafile e lutou pela continuidade de um regime democrático. Lecionou em várias instituições de ensino em Juiz de Fora, entre elas, a UFJF. Exerceu o cargo de ministro da Educação no Governo Itamar Franco, entre 1992 e 1995. Além disso, foi um dos responsáveis pela criação de um projeto para atender o primeiro campus-avançado da Instituição em Tefé, no estado do Amazonas. Parte da trajetória do docente pode ser encontrada no livro “Murílio Hingel – O professor que fez escola”, organizado por Geraldo Lúcio de Melo e José Eustáquio de Freitas.

Portal UFJF: Como você descreve o ensino superior no Brasil?
Murílio Hingel: Nós temos ciência de que em matéria de educação, o Brasil é um país atrasado, inclusive entre os emergentes. A educação nunca foi uma prioridade. Por exemplo, por mais violenta que tenha sido a colonização espanhola na américa do Sul, a Espanha se interessou em criar universidades, como a Universidade Autônoma do México e  a Universidade de Buenos Aires. Enquanto isso, o ensino superior no Brasil foi limitado às ações dos jesuítas e às primeiras escolas dignas só foram criadas com a chegada de Dom João VI, ainda príncipe, em 1808. Passou-se o Império, veio a República, mas há poucos avanços significativos.

No vídeo abaixo, Murílio Hingel conta sobre a criação da UFJF e  a incorporação da Fafile à Universidade:

Quais foram os primeiros passos para o início da Reforma Universitária?
Ela não se completou e deixou consequências que eu não sei se são positivas. O ensino superior no Brasil desenvolveu-se a partir das décadas de 1950 e 1960, e o sistema adotado foi o francês, o que fazia com que as instituições fossem muito parecidas com as universidades de ciências, filosofias e letras. Nesse ínterim, estávamos em 1964, já nos governos militares, e as influências europeias deram espaço às americanas, pois passou a existir um acordo entre o Ministério da Educação (MEC) junto a uma agência de desenvolvimento dos Estados Unidos (EUA).

Dada essa aproximação com os EUA, foram propostos estudos visando à reforma das universidades federais com base em um modelo diferente do que existia. Nessa circunstância, ocorreu uma dupla inversão: primeiro não se fez a reforma da educação em um plano geral e, em seguida, se fez a reforma universitária. Só depois as dos primeiro e segundo graus – o que hoje chamamos de ensino fundamental e médio. Foi como colocar a locomotiva na frente do trem. 

Qual foi o principal atrativo para que as universidades aceitassem a Reforma Universitária?
O grande atrativo foi a promessa de dinheiro para a construção dos campi universitários. No entanto, elas sairiam do centro das cidades e seriam alocadas em espaços mais afastados. Isso aconteceu por várias razões, entre elas, para juntar os institutos e escolas, mas que, na verdade, separavam as pessoas. Em segundo, se propunha a tirar as universidades da cidade, onde tudo acontecia. Era uma forma de silenciar os estudantes.

Assumo que jamais poderíamos ter uma UFJF com mais de 20 mil alunos sem a Cidade Universitária. Porém, imaginem que, naquela época, o único acesso era a estrada que leva ao Morro do Cristo, pois não havia outros caminhos, que só vieram a surgir depois. Chegar ao campus era muito difícil, pois não existia transporte.

Quais mudanças de ensino foram propostas durante a Reforma Universitária?
Para que a Reforma Universitária fosse realizada, foi constituída uma comissão, e, basicamente, a proposta era explodir o que existia e criar os institutos básicos, e sobre os institutos, as faculdades. A entrada inicial dos estudantes seria realizada pelos Institutos de Ciências Biológicas e Geográficas (ICBG), de Ciências Exatas (ICE) e de Ciências Humanas e Letras (ICHL). E depois dos cursos gerais, que incluíam as disciplinas de sociologia e português, os alunos seriam encaminhados para as graduações.

Por ser pensado assim, algumas questões tinham que ser definidas e, nessa estrutura, não havia espaço para a Fafile. Mas pela legislação da Universidade, deveria haver uma Faculdade de Educação para formar professores para os ensinos dos primeiro e segundo graus. Enquanto isso, cada curso não teria um espaço próprio, mas teria aula em vários lugares, a depender do currículo. 

Resumindo, os alunos ingressariam nos institutos, em disciplinas, e depois iriam para as faculdades. Mas as faculdades, excetuando a de Educação, deveriam ser extintas em cinco anos. Cada curso teria um currículo de disciplinas que pertenciam a vários institutos. Quem acompanharia o curso seria o coordenador e só haveria diretor nos institutos.

As faculdades não seriam necessárias, pois as disciplinas seriam ofertadas em lugares diferentes. Segundo estudiosos, essa lógica quebraria o movimento estudantil, pois não haveria turmas, mas estudantes espalhados pelo campus, além da diminuição de custos. No fundo, pensava-se até em dividir o ano letivo em três períodos. 

Como a Fafile participa desse momento de transição junto a Reforma Universitária?
A Fafile, quando foi agregada à UFJF, era considerada o centro da subversão em Juiz de Fora, pois oferecia os cursos de Jornalismo, Matemática, Ciências Sociais, Letras Clássicas e Neolatinas, História e Geografia. Ela abrangia muitos campos do conhecimento em um mesmo espaço, onde as pessoas conviviam umas com as outras e havia diálogo.  

Nessa troca, discutiam-se questões políticas, cidadania, passado, presente e futuro, modelos estruturais do Estado. Isso nos diferenciava. Enquanto a Escola de Direito discutia o direito, e a Escola de Engenharia assuntava sobre engenharia, a Fafile era mais interessante. O nosso Diretório Acadêmico (DA) era um centro de estudos, espaço onde nasceu o Grupo Divulgação (GD) e publicava coisas importantes, cursos extras e admitia matrículas em disciplinas isoladas, como uma oportunidade de aperfeiçoamento.

Um motivo importante, dado essa característica em que os estudantes discutiam muito, era reuni-los fora do centro da cidade e mandá-los para a Cidade Universitária, tanto que a primeira faculdade a iniciar os trabalhos lá foi a de Educação. Os alunos foram para o campus bonito, imponente e que seria impossível ter no centro da cidade tudo o que era oferecido em São Pedro. Mas o objetivo principal foi tirar a panela do fogo. Tanto que os prédios da Reitoria, da associação de professores, os sindicatos e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) não foram para o campus naquela época.

Como a Reforma Universitária incentivou a criação do campus avançado de Tefé?
Em 1968, coincidindo com a data da lei da Reforma Universitária, o Governo tomou a iniciativa de convidar universidades para que instalassem campus avançados, especialmente na região amazônica, pois, naquela época, havia a preocupação em ocupá-la e desenvolvê-la. A ideia era interiorizar a assistência à saúde, outros mecanismos de desenvolvimento e a parte da educação.

A UFJF, no reitorado de Gilson Salomão [gestão de 1968 a 1972], resolveu assumir um campus em Tefé, no estado do Amazonas. De tempos em tempos, deveria se reunir para prestar ajuda daquela população. No início, os mais importantes eram os médicos. Mas, em determinado momento, já em 1971, o secretário de Educação e Cultura do estado do Amazonas se dirigiu a UFJF pedindo que ela estudasse a possibilidade de instalar cursos para formação de professores para quando surgissem os colégios e ginásios.

Leia mais: A missão da UFJF para além das fronteiras: o campus de Tefé, no Amazonas


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