Arte: Diretoria de Imagem Institucional/UFJF

A experiência acumulada ao longo de décadas vividas, testemunhando transformações na sociedade e conquistando direitos que antes eram exclusivos aos homens. O que essas mulheres desejariam transmitir às gerações atuais e futuras? E o que as gerações contemporâneas pensam e gostariam de expressar para aquelas que pavimentaram o caminho antes delas?

Nesta semana, a quarta reportagem da série “Mulheres que constroem a UFJF”, publicada em celebração ao Mês da Mulher, proporciona um encontro entre diferentes gerações. A intenção foi promover uma troca de percepções sobre a evolução da presença feminina na Universidade e as batalhas que elas enfrentaram e ainda enfrentam nestes espaços.

Com isso em mente, a Diretoria de Imagem Institucional reuniu a egressa do curso de Filosofia e Doutora honoris causa da UFJF, Adenilde Petrina, e a estudante do 6º período do curso de História, Sabrina Simeão, para um diálogo. Além delas, colocamos frente a frente a professora Teresa Barbosa, primeira mulher a integrar o corpo docente do curso de Engenharia Civil, e a aluna Mayara Costa, do 9º período do mesmo curso. Assista ao vídeo abaixo. 

Ser mulher e negra na Universidade 

Adenilde Petrina (esquerda) é inspiração para Sabrina Simeão (direita) (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Ser estudante mulher e negra na década de 1970 era uma experiência singular, como relata Adenilde. Ela era a única mulher negra vinda da periferia na Faculdade de Filosofia e Letras (Fafile). “A minha bisavó era escrava, a minha avó aprendeu com ela e a minha mãe também aprendeu com ela. A gente não tinha noção sobre o racismo, só achava que negro era para ficar na base da pirâmide, que tinha que obedecer, tinha que respeitar, não podia discutir.”

Adenilde relata que sua consciência racial teve início após um episódio de discriminação, quando, ao entrar em um ônibus, ouviu dois homens brancos declararem que ela “não era humana” por causa da cor de sua pele. “Eu discordava disso porque sabia que era humana, mesmo sendo negra e estando na base da sociedade. A partir daí, comecei a questionar por que eu era a única pessoa negra na Universidade e por que as mulheres eram sempre colocadas em segundo plano, tratadas como inferiores”, relembra. 

Para Adenilde, pensar nas mulheres negras naqueles anos 1970, dentro da instituição de ensino, é evocar a solidão. “Estávamos sozinhas na sala, sozinhas em qualquer movimento, sozinhas ao fazer um trabalho de turma na casa de alguém que fosse branco”, uma realidade totalmente distinta do que ela testemunha atualmente na Universidade. 

Após um período distante da UFJF, Adenilde ficou surpresa ao retornar e se deparar com um grande número de jovens negros. Esse momento a fez se redescobrir como mulher e compreender o significado do empoderamento, algo intrinsecamente ligado à implementação de políticas sociais. 

Entre esses jovens que figuram no olhar de Adenilde, está Sabrina Simeão. A acadêmica ingressou na UFJF em 2010 para cursar Pedagogia. Era a época dos primeiros anos após a implementação do sistema de cotas. Depois da primeira graduação, Sabrina voltou à Universidade e está matriculada no curso de História. 

Filha de uma empregada doméstica, ela é a primeira de sua família a frequentar a UFJF. Para Sabrina, seus dois períodos na Universidade representam momentos distintos em relação à presença de pessoas negras na instituição. “Quando entrei em 2010, não havia tantas ações afirmativas. Apesar de ter acesso a bolsas de estudo e participar de projetos de monitoria, sentia que a escuta dos alunos não era tão abrangente como é hoje. Atualmente, temos serviços como a Ouvidoria e o apoio psicológico, o que não existia quando entrei na minha primeira graduação.”

Diferentemente de Adenilde, Sabrina conta que já ingressou na UFJF com consciência sobre questões atreladas ao racismo. Em 2012, a estudante dá início ao seu engajamento social, após ingressar no Grupo de Pesquisas e Estudos em Africanidades, Imaginário e Educação (Anime), coordenado pelo diretor de Ações Afirmativas da UFJF, Julvan Moreira de Oliveira. 

Entre relatos de vivências e memórias, Sabrina conta que Adenilde é uma de suas inspirações. Uma das principais referências do movimento negro, do hip hop e da militância pela democratização da comunicação em Juiz de Fora, Adenilde Petrina recebeu o título de doutora honoris causa da UFJF em 2017. Sabrina fez questão de estar presente na cerimônia de entrega da honraria e lembra que sentiu um “baque” ao se deparar com o auditório repleto de pessoas pretas prestigiando a professora. 

“Quando cheguei ao Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) foi impactante ver tantas pessoas negras reunidas, algo inédito para mim. O evento era elegante, com um coquetel sofisticado, e encontrei conhecidos do grupo que costumava frequentar. Sentir-me em casa naquele ambiente foi muito significativo, como se minha mãe estivesse ali. Ver você ganhar o título foi mais do que uma conquista pessoal, foi um marco que ressaltou a importância de certos momentos na vida de alguém, mesmo que muitas vezes não percebamos completamente seu impacto”, conta a estudante, para Adenilde. 

Apesar das mudanças, Sabrina percebe uma lacuna na Universidade em relação à diversidade, destacando a necessidade da implementação de medidas que atendam às demandas das mulheres, pessoas negras e de baixa renda. Para ela, essa é uma luta contínua que se torna uma missão para as futuras gerações. “Eu tenho uma fala, que é até meio clichê: para a gente poder andar hoje, muitos antes de nós tiveram que correr muito. Para eu estar aqui hoje, antes de mim, muitas pessoas fizeram acontecer. Veio a Adenilde, veio muita gente”, reflete. 

“Essa luta é constante, pois o preconceito ainda está presente, agora de forma mais explícita. Transmitimos para essa juventude a responsabilidade de continuar essa batalha, pois ela é interminável”, complementa Adenilde Petrina. 

Engenharia Civil é profissão de mulher

Mayara Costa (direita) e Teresa Barbosa (esquerda): presença feminina na Engenharia cresceu em três décadas (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

A paixão pela matemática está entre os motivos que levam as pessoas a entrarem no curso de Engenharia. Essa regra também se aplica a Teresa Barbosa e Mayara Costa. Embora um intervalo de 30 anos separe as graduações das duas mulheres, ambas compartilham do mesmo pensamento: o curso de Engenharia Civil não é destinado somente aos homens: é um espaço que deve ser ocupado pelas mulheres também. 

Atual vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído (Proac), Teresa Barbosa, ingressou na Faculdade de Engenharia da UFJF em 1985. Questionada sobre as principais mudanças que percebeu ao longo de sua carreira na Universidade  – Teresa é professora da Faculdade de Engenharia desde a década de 1990 – , destaca uma mudança notável: no ambiente da unidade acadêmica, antes majoritariamente masculino. 

“Naquela época, o número de mulheres nos cursos de Engenharia, incluindo a Engenharia Civil, representava apenas cerca de 10% do total de alunos. No entanto, hoje em dia, essa realidade mudou significativamente. No curso de Engenharia, por exemplo, o percentual de alunas chega a cerca de 40%”, analisa a professora. 

Quanto à sua chegada na faculdade como a primeira professora, Teresa recorda-se de ser bem recebida pelos alunos. O fato de ser mulher chamou atenção e gerou entusiasmo.

“Os alunos adoravam. Para eles era uma novidade. E aí, acabava criando vínculo até de amizade. Hoje já comecei a dar aula para filhas de ex-alunos, alunos homens. Acho que isso impulsionou as mulheres, ao verem que a Engenharia não é tão masculinizada, que há a possibilidade de a mulher se inserir e ter sucesso”, acredita a professora.

Mayara Costa também tem a percepção de que atualmente o curso tem grande presença de mulheres. Para a estudante, esse é um resultado da luta e persistência de mulheres de outras gerações em ocupar espaços de dominância masculina. “Agradeço muito a coragem da professora. Elas inspiram a gente, você vê que a gente é capaz, que não é o sexo que vai definir a nossa capacidade.”

Ainda assim, Mayara acredita que as mulheres acabam tendo que provar mais a sua capacidade profissional do que os homens no seu campo de atuação. Ao fazer uma projeção para as próximas três décadas, a estudante espera pela igualdade de gênero – não só no curso de Engenharia Civil, mas também em demais cursos com maioria masculina. 

“Para as futuras engenheiras, é importante reforçar que a gente consegue estudar, apesar de que às vezes achamos que não é o nosso lugar. Mas correndo atrás, nós vamos conquistá-lo. Muitas vezes duvidamos de nossa própria capacidade, o que é prejudicial para nós mesmas. Você vai errar, como todo mundo erra, vai acertar, vai tentar corrigir os seus erros e, eventualmente, encontrará o seu caminho”, incentiva Mayara. 

Mês de reflexão

Ao longo do mês de março, a UFJF realiza atividades em celebração ao Dia Internacional da Mulher (comemorado em 8 de março), por meio da campanha “Mulheres que constroem a UFJF”. A ação é organizada pela Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf), em conjunto com a Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas, além das pró-reitorias e demais diretorias que integram a Gestão Superior da UFJF. O objetivo é dar visibilidade ao protagonismo das mulheres que constroem e transformam a Universidade, assim como refletir sobre questões que permeiam a busca pela equidade de gênero.

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