Em evento na Faculdade de Medicina, em 1966, chama atenção a escassa presença feminina (Foto: Roberto Dornelas)

As universidades são formadas por mulheres. Segundo a edição mais recente do Censo da Educação Superior (2021), elas representam a maioria dos estudantes matriculados, totalizando 58,1% dos 8.987.120 alunos. Especificamente nas licenciaturas, as mulheres compõem 72,5% das matrículas.

Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a representatividade feminina também é notável. Na sede, elas compõem 53% do total de 17.250 estudantes presenciais. No campus de Governador Valadares, são 1.709 alunas, correspondendo a 62,83% do total de matriculados. Nos cursos de graduação à distância, a situação é semelhante: mulheres ocupando 56% das vagas de 838 matrículas. Já no quadro técnico-administrativo, sua presença é de 51,19%. Quanto ao corpo docente, ocupam atualmente quase metade dos cargos, representando 47%.

Além de desempenharem papeis fundamentais em sala de aula, é comum hoje vê-las ocupando cargos de destaque, como chefias e diretorias de faculdades e institutos. Essa situação contrasta fortemente com o ambiente em que a UFJF foi estabelecida.

Hoje, um grupo de mulheres do arquivo Central tenta resgatar a história da contribuição feminina dentro da Universidade (Foto: Carolina de Paula)

Em celebração ao Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, a Diretoria de Imagem publica ao longo do mês cinco matérias referentes à presença feminina na Universidade, abordando temas que envolvem sua diversidade, luta, trabalho e transformação. Apesar do protagonismo atual, neste primeiro momento da série, será tratada a ausência delas nos registros históricos da origem da Universidade, cenário que retrata a época marcada majoritariamente pela presença masculina.

Ao olharmos para o passado, mais precisamente para 1960, quando a UFJF é fundada por Juscelino Kubitschek, podemos observar nas fotografias a presença predominante de homens. “As mulheres aparecem no fundo das fotos, em uma nota de rodapé de alguma matéria, mas não como protagonistas. Muitas vezes eram esposas que estavam acompanhando o marido. A gente percebe também que o número de alunas é bastante reduzido. A quantidade de professoras também é pequena e muitas estão vinculadas a determinados cursos, como Letras”, observa Andréia Rodrigues, restauradora e conservadora do Arquivo Central da UFJF.

Como exemplo deste período, a equipe do Arquivo Central conseguiu mapear, nos seis primeiros boletins da reitoria, o nome de mulheres que atuavam no campus. Os registros são de junho a outubro de 1962. A lista contém 24 nomes, com a maioria desempenhando atividades secundárias, tais como secretárias, auxiliares e datilógrafas. Entre os registros, destaca-se a presença de Maria Ladeira Santos, que se tornou a primeira mulher formada na Faculdade de Medicina, em 1958, em uma classe composta por 17 homens.

As mulheres aparecem no fundo das fotos, em uma nota de rodapé de alguma matéria, mas não como protagonistas. Muitas vezes eram esposas que estavam acompanhando o marido.

Andréia comenta que a presença feminina no acervo começa ser mais notável a partir dos anos 1980, principalmente relacionada a conteúdos acadêmicos, projetos e pesquisas da Universidade. “A partir desta época, a presença da mulher vai se modificando em vários setores, com destaque em pesquisas e projetos. Mas este protagonismo é muito recente. No Brasil, tivemos a primeira presidente com a posse de Dilma Rousseff. Na Universidade, este destaque ocorre durante a gestão de Margarida Salomão como reitora, já quase nos anos 2000.”

Única mulher entre homens

Dalva Carolina Yazbeck (Lola), a primeira diretora de uma unidade na UFJF, era a única mulher em meio aos homens no Conselho Superior (Foto: Carolina de Paula)

A ex-professora da UFJF, Dalva Carolina Yazbeck, mais conhecida como Lola, também observa que a inclusão das mulheres na Universidade de Juiz de Fora tem sido um processo gradual. Em sua dissertação de mestrado intitulada “A Origem da Universidade de Juiz de Fora”, a professora comenta que, embora sua pesquisa não se refira especificamente ao recorte sobre a presença feminina, ela observa claramente a ausência delas na história da UFJF, dado que a maioria das referências são homens, cabendo a elas questões burocráticas. 

“Vamos ter a presença maior feminina no final da década de 70, principalmente quando a Fafile, as antigas faculdades de Filosofia e Letras, são federalizadas. É um momento em que é conferido às mulheres a missão do professorado”, ressalta a ex-docente da UFJF. 

Lola é uma peça fundamental na história da Universidade devido ao seu pioneirismo como diretora da Faculdade de Educação (Faced), em 1977. Com a atribuição do cargo, a professora se recorda de ser a única mulher entre homens nas reuniões do Conselho Superior (Consu). “Foi um período muito interessante na minha vida. Eu conheci e convivi com muitos diretores de faculdades. Sempre fui bem respeitada e ouvida. Não me lembro de conflitos por eu ser mulher.”

Questionada sobre a existência de debates sobre questões feministas, ela comenta que estes assuntos são mais recentes e o período era marcado pela ditadura, quando todos estavam preocupados em debater os difíceis caminhos da democracia.

“Enquanto presença feminina, eu posso dizer que tive destaque naquela época. No entanto, atualmente percebo a Universidade como um espaço que exemplifica à sociedade a ideia de liberdade e democracia, onde as distinções de gênero, raça e cor são inexistentes, e onde o papel da mulher é de suma importância.  Eu vejo tudo isso com muita alegria, já que não é dado mais à mulher o subalterno”, opina a ex-professora da UFJF. 

Mulheres à frente da preservação da memória 

Apesar da predominância histórica dos homens, as mulheres têm desempenhado papéis significativos em diversas esferas. Um exemplo disso é na preservação da memória no Arquivo Central da Universidade, na unidade da Avenida Rio Branco, onde a equipe é majoritariamente feminina: oito mulheres e dois homens. Para Andreia, essa dinâmica contribui para uma perspectiva única em relação ao passado, proporcionando novas abordagens para contar a história que podem ser voltadas para elas. 

“Em alguns acervos aqui presentes, mesmo sendo originalmente associados a homens, podemos perceber um cuidado peculiar, tipicamente feminino. Por exemplo, alguns dos álbuns são notavelmente bem organizados e, pela caligrafia utilizada, é possível dizer que tenham sido produzidos por uma mulher. Talvez tenha sido o trabalho de uma secretária. É uma perspectiva diferenciada sobre o mesmo acervo”, comenta a restauradora Andréia.

A construção de um acervo feminino
Preservar a história é crucial para entender o contexto de qualquer época, incluindo a trajetória das mulheres. Com esse objetivo, a equipe do arquivo tem se dedicado nos últimos tempos em reunir materiais que documentam as ações e experiências delas, seja no passado ou em atividades atuais. 

Alessandra Germano, diretora do Arquivo Central, chama atenção para a necessidade da preservação de materiais ligados aos movimentos feministas (Foto: Carolina de Paula)

“Foi após o período da pandemia, quando começamos a buscar formas de nos reinventar, que nos deparamos com a discussão sobre a ausência de um arquivo dedicado às mulheres. Nós realizamos, na ocasião, um evento sobre esse tema, que contou com a participação de uma representante do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), vinculado a movimentos feministas do Rio Grande do Sul, o que foi extremamente enriquecedor”, comenta a diretora do Arquivo Central, Alessandra Germano. 

Como resultado das discussões, o 8M de Juiz de Fora, fórum de coletivos e mulheres feministas da cidade, realizou recentemente a primeira doação de um acervo para o arquivo central. Segundo as arquivistas, este material composto de panfletos, cartazes e adesivos de eventos é o primeiro produzido e analisado exclusivamente por mulheres. “Apesar de ser muito pequeno e que precisa ainda ser explorado, ele dá o pontapé inicial na construção de uma memória feminina”, comenta a diretora. 

Alessandra explica que a doação é resultado também dos cursos que estão realizando para incentivar a doação de documentos, já que os movimentos sociais tendem a produzir poucos materiais escritos, privilegiando os conteúdos orais. “Muitas pessoas possuem alguns panfletos, cartazes e rascunhos de discussões e reuniões, que ficam guardados com elas mesmas, pois não há uma consciência da importância de construir um arquivo. Apesar de não serem muitos, é fundamental essa doação para preservarmos suas memórias.”

Andréia acrescenta que as novas discussões são positivas já que levantam questionamentos sobre quais memórias estão sendo preservadas, “onde a maioria são memórias masculinas, predominantemente brancas e no poder, sendo crucial também preservar as memórias das minorias, que muitas vezes são silenciadas, como ocorreu com as mulheres”, observa.