Dani Pinho é a idealizadora do “Contarolar”, projeto voltado para a divulgação de versões de cantigas de roda. (Imagem: arquivo pessoal/Dani Pinho)

Literatura e música fazem parte do contexto de Dani Pinho desde criança: “A minha mãe sempre me estimulou a participar de aulas de música. Eu venho de uma família que é contadora de histórias nata. A gente costuma se sentar ao redor da mesa para ouvir histórias. Minha família sempre gostou muito de poesia, poemas, nós temos alguns escritores”. Por isso foi algo bem natural para ela imergir nesse universo lúdico e escolher trabalhar com arte (ou será que foi a arte que a escolheu?). Pinho e mais três amigos formam o “Contarolar”, projeto que além do trabalho autoral faz releituras de cantigas de roda bem conhecidas do público.

E foi essa pegada voltada para o resgate da cultura popular que fisgou a atenção da comissão avaliadora do “Prêmio Janelas Abertas”, do qual o grupo valadarense participou com uma versão da canção “Peixe Vivo”. De acordo com um dos integrantes da comissão, o diretor do Cine-Theatro Central, Luiz Cláudio Ribeiro, o trabalho “tem uma relevância muito grande porque por meio das letras e das melodias se pode captar aspectos da cultura popular, e é uma forma de preservação da memória e da identidade do povo”, especialmente no interior de Minas Gerais, em que esse aspecto do patrimônio imaterial cultural é algo bastante presente.

O “Janelas Abertas” é uma iniciativa da Pró-Reitoria de Cultura (Procult) para apoiar projetos culturais nas cidades onde estão instalados os dois campi da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) a fim de estimular os artistas, profissionais extremamente afetados pela pandemia do novo coronavírus. E considerando o relato de Pinho, parece que o prêmio cumpriu seu objetivo:

“A gente ficou muito feliz e surpresos, de certa forma, extasiados porque a canção ‘Peixe Vivo’ foi muito especial. Eu passei por um momento muito delicado de perder muitas pessoas no início da pandemia, pessoas da minha família. E quando eu me reconectei com a Irene [Irene Nanyonga, cantora ugandense que faz participação na canção interpretando um trecho no dialeto luganda] me fez muita companhia. E os outros integrantes também. Foi um momento em que nós estávamos muito sem esperança e ver esse reconhecimento… (pausa) Ainda estou sem palavras”.

E Pinho ainda continua: “O artista aqui na minha região tem que se desdobrar. Eles [os artistas] são 90 por cento independentes, e a gente se desdobra muito em duas funções [além de música, Pinho também é pedagoga em uma escola pública da cidade]. Então ver que a arte que a gente está fazendo tem uma qualidade é como um pequeno bálsamo para todos os artistas envolvidos e em especial para a Irene [Nanyonga], que é de um contexto africano muito sofrido, perdeu os pais, é uma sobrevivente na realidade dela. E para ela, ter esse trabalho reconhecido foi uma coisa que fortaleceu a identidade dela de artista.”

Pinho também está à frente do “Fuscoteca”, uma espécie de biblioteca ambulante que leva literatura para a periferia de Governador Valadares. (Imagem: arquivo pessoal/ Dani Pinho)

Além da cantora que fez uma participação especial na música, concorrer ao “Prêmio Janelas Abertas” trouxe efeitos quase terapêuticos também para um dos integrantes fixos do grupo. “Um dos meninos perdeu tudo. Perdeu trabalho e teve que voltar para a casa dos pais. E fazendo esse processo todo teve um momento de depressão. E segundo ele, quando mexia na música, na parte ‘como poderei viver sem a sua companhia?’ [trecho da letra de ‘Peixe Vivo’], se sentia curado, mexia com a memória dele: dos momentos em que estávamos no palco, das trocas que a gente fez, da nossa amizade de infância”, conta emocionada Dani Pinho.

Agora com muito mais fôlego, o que o “Contarolar” quer mesmo é continuar seguindo estrada. E nesse percurso o grupo conta com o apoio do “Fuscoteca”, uma espécie de irmão gêmeo do “Cantarolar”, que leva literatura de forma gratuita à periferia de Governador Valadares. Duas iniciativas com um só objetivo: “transformar o mundo, através da educação e da arte, em um lugar melhor; adubar a terrinha seca; tornar a vida das pessoas mais leves e democratizar a arte”.

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*Na matéria desta quinta-feira, 11, vamos conhecer o trabalho de outro artista bem conhecido do público valadarense