Anderson Gama de Freitas, o “Zeus”, do coletivo Segunda Via vai ministrar oficina para ensinar a criar músicas de rap e gravar o primeiro single. (Imagem: arquivo pessoal)

“Dá para alcançar muita gente com um microfone e um PC [computador]”. Quem garante isso é o cantor de trap Anderson Gama de Freitas, responsável por um dos seis projetos de Governador Valadares contemplados no “Prêmio Janelas Abertas”, iniciativa da Pró-Reitoria de Cultura (Procult) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) dedicada a apoiar projetos de diversas áreas artísticas, principalmente por conta dos impactos causados pela pandemia do novo coronavírus nos trabalhadores envolvidos na produção cultural.

Freitas vai desenvolver oficinas para ensinar adolescentes e jovens do bairro Altinópolis, em Governador Valadares, a criar e divulgar suas próprias canções, um processo que ele conhece muito bem. Desde 2016, o jovem de 23 anos faz parte do Segunda Via, um coletivo valadarense de rap/trap. Ao longo desse período já lançou 25 músicas, parte delas disponível no canal do grupo no Youtube, que já conta com mais de 100 mil visualizações.

Zeus – como Freitas é conhecido no cenário musical – conta como a música entrou na sua vida. “Eu comecei fazendo freestyle, e a gente percebeu que seria bacana se soltasse algumas músicas, fizesse algumas letras. Tinham várias pessoas no coletivo e por fim só sobraram duas pessoas, que eram os que mais tinham vontade e viram que realmente queriam isso. Hoje em dia, somos dois jovens negros e da periferia [além de Freitas, também faz parte do coletivo Welerson Oliveira, o ‘olivxr’] que viram isso [a música] como uma forma de mudar a nossa realidade”, frisa.

É por causa dessa mudança que a arte provocou na sua vida que Zeus quer usar a sua trajetória como exemplo para aqueles que desejam ingressar no gênero. “Eu sempre tive vontade de ensinar para as outras pessoas, dar uma orientação de como fiz. Se eu que sou pobre e moro no morro consegui atingir mais de 100 mil pessoas com a minha música, eu acho que poderia ensinar outras pessoas a como fazer isso de uma forma simples e básica”, explica.

Esse lado social do projeto “Do zero ao primeiro single”, associado a outros elementos, foi o que chamou a atenção de um dos responsáveis por avaliar o trabalho. “Primeiro, o fato de que se propõe a ensinar como produzir uma canção para aquelas pessoas que estão iniciando no processo de trabalho da produção do rap. Uma outra coisa interessante é que o rap, em geral, é um gênero mais difundido e trabalhado na periferia das cidades, então tem uma relevância social nisso. Outro fator é que teria em Governador Valadares a incorporação de outros estilos musicais no rap que é desenvolvido”, destacou o diretor do Cine-Theatro Central, Luiz Cláudio Ribeiro.

Na opinião da pró-reitora de Cultura, Valéria Faria, “Do zero ao primeiro single” e os demais projetos de Governador Valadares contemplados no prêmio “são uma demonstração do vigor cultural, trazendo ao público reflexões muito profícuas sobre as múltiplas possibilidades do fazer artístico e, sobretudo, da apreciação por parte do público que se vê em espaços e teias diferenciadas instando a um reposicionamento nessa intrincada rede global”.

Já a produtora cultural do campus GV, Flávia Carvalho, destaca o caráter pedagógico do edital, que justamente pela sua simplicidade funcionou como uma espécie de treinamento, tornando os artistas mais aptos a participarem de futuras oportunidades. “Ciente de que a área cultural ainda será afetada por um bom tempo, vejo como fundamental que a universidade busque formas de contribuir no trabalho dos artistas, seja através de ações como o Janelas Abertas, ou de apoio e fomento para que eles participem de outros editais, ampliando suas oportunidades de trabalho e de contato com o público, mesmo que de forma virtual.”

E quem sabe com esse incentivo da UFJF não possam surgir mais talentos como Zeus para habitar o olimpo cultural de Governador Valadares.

* Na matéria desta terça-feira, 9, vamos conhecer um projeto experimental de teatro que abusa da interatividade com o público e dos limites entre realidade e ficção.