O Laboratório Afrikas de Audiovisual (LabAfrikas) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) realiza nesta sexta-feira, 26, às 18h,  no Instagram, transmissão ao vivo com o tema  “Literatura, relações raciais e branquitude”. O encontro virtual, que terá tradução simultânea para língua brasileira de sinais (Libras),  integra o conjunto de ações para divulgação da websérie “Reflexo Reverso”, elaborada pelo grupo de pesquisa. O LabAfrikas é interdisciplinar,  tem coordenação da professora do Departamento de História, Fernanda Thomaz, e dedica-se, especialmente, aos estudos das africanidades, das relações raciais e do racismo. 

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Professor Lourenço Cardoso, referência nos estudos da branquitude no país, é o convidado de live do LabAfrikas nesta sexta, 26

Na live desta sexta-feira, o convidado será o professor da Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Lourenço Cardoso.  O pesquisador é referência nos estudos da branquitude no país. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra (Portugal), Cardoso publicou, dentre outros trabalhos acadêmicos, “O branco invisível: um estudo sobre a emergência da branquitude nas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil” e “O branco ante a rebeldia do desejo: um estudo sobre a branquitude no Brasil”.

Em entrevista ao Portal da UFJF, o pesquisador destacou a relevância de iniciativas acadêmicas inovadoras como a do LabAfrikas; comentou sobre o atual cenário dos estudos da branquitude no país e acerca da participação de brancos no movimento antirracista brasileiro.

Confira a entrevista na íntegra:

Portal da UFJF – Você é uma das referências no país nas pesquisas acerca da branquitude, a pertença étnico-racial atribuída às pessoas brancas, que envolve privilégios raciais, materiais e simbólicos. É também o primeiro convidado externo do LabAfrikas para o debate sobre o vídeo “O outro em branco”. Conte-nos as suas impressões sobre o vídeo e a relevância da abordagem desta temática.

Lourenço Cardoso – O vídeo me causou uma ótima impressão! O LabAfrikas produziu um material estético de forma muito competente. Trabalhar bem a estética era o primeiro objetivo que deveria ser alcançado, o LabAfrikas conseguiu. Fizeram o uso de técnicas e da arte visual com maestria. O filme é produto de pesquisa teórica e observação empírica. Havia muitas informações para peneirar, havia o propósito de ser um instrumento pedagógico. Havia a preocupação de que o trabalho não se tornasse pedante, árido. Um livro pode ser assim.

“O vídeo indica para o público que se aprofunde através da leitura de livros. O audiovisual é um material pedagógico importante, convém que seja bem feito, o LabAfrikas fez exatamente isto”

Porém, o LabAfrikas não estava fabricando uma publicação impressa tradicional. E sim, um vídeo, um material audiovisual com o caráter pedagógico. A tarefa foi executada. Obviamente, na edição, houve cortes, muito conteúdo ficou de fora. O trabalho de edição foi realizado. O resultado? O vídeo ficou bonito, agradável, um produto de qualidade. O vídeo também indica para o público que se aprofunde através da leitura de livros. O audiovisual é um material pedagógico importante, convém que seja bem feito, o LabAfrikas fez exatamente isto. Parabéns! Parabéns!     

Portal da UFJF – Um dos objetivos do LabAfrikas é criar novos sentidos e linguagens para a produção e a disseminação do conhecimento científico. Comente, por favor, sobre a importância de iniciativas do gênero, especialmente nas universidades públicas brasileiras.

Lourenço Cardoso – A universidade contemporânea pode se colocar de maneira mais cosmopolita, inventar novas tradições. A academia poderia pelo menos honrar o nome “universo”, caminhar para se considerar pluriverso. A produção do conhecimento não deve se limitar aos escaninhos, isto é, aos departamentos. No ato de pensar articulamos a geografia, a matemática, a história, a sociologia e outras. Se não relacionamos mais é por ignorância. Na medida em que mais conheço, melhor acionarei os campos do conhecimento. A defesa de barreiras, da ideia de departamentos, História, Geografia, Sociologia, Filosofia não deixa de ser uma disputa de mercado de trabalho.

“A academia poderia pelo menos honrar o nome “universo”, caminhar para se considerar pluriverso. A produção do conhecimento não deve se limitar aos escaninhos, isto é, aos departamentos”

A universidade não deve se restringir somente a essa disputa.  As nossas ideias não ficam restritas ao território departamental. Quando tenho que ir para Filosofia? Vou. Para a Geografia? Idem. Mesmo porque dificilmente a nossa mente se aprisiona às classificações burocráticas feitas a priori, quando pensamos e não repetimos “slogans”. Uma formação específica, a nossa formação é importante. É o nosso ponto de partida para dialogar e produzir conhecimento com os cientistas de outras áreas. Porém, isso não significa nos restringirmos, beber somente em si mesmo. A História restrita à História, por exemplo. Considero que a melhor forma metodológica de produzir conhecimento é com o debate com os diferentes campos do conhecimento científico. A maneira como o LabAfrikas funciona, a sua forma de ver o mundo e produzir conhecimento, considero inteligente, generosa, eficiente. Uma perspectiva científica cosmopolita. Vida longa ao LabAfrikas!

Portal da UFJF – Em linhas gerais, conte-nos, por favor, sobre o cenário atual das pesquisas acerca da branquitude no Brasil, e comente como o estudo da temática é fundamental para a compreensão da realidade do país. 

Lourenço Cardoso – Em meados de 1957, o sociólogo Guerreiro Ramos trouxe a questão de problematizar o branco de forma marcante. Ele é produto do diálogo realizado com Abdias do Nascimento, o qual atribui a Fernando Góes a primazia de pensar o branco enquanto “objeto” (sujeito/objeto). No entanto, o documento mais potente que temos notícias é o artigo de Guerreiro Ramos, “Patologia social do branco brasileiro”. Em meados dos anos 1990, surge e fortalece os estudos sobre a branquitude nos Estados Unidos e Inglaterra.

“Em meados de 1957, o sociólogo Guerreiro Ramos trouxe a questão de problematizar o branco de forma marcante”

Nos anos 2000, Maria Aparecida da Silva Bento publica o livro “Psicologia Social do Racismo: Estudos sobre branquitude e branqueamento” Um verdadeiro marco para emergência dos estudos a respeito da identidade branca. Considero importante lembrar que a pesquisa a respeito do branco é realizada por brancos e por negros. Porém, quem trouxe a questão de forma pioneira foi o pesquisador negro. Ele que sempre foi nomeado negro e problematizado por não ser branco. O negro que sempre foi considerado o tradicional objeto científico, passou a nomear o branco. O negro se deslocou para o lugar de cientista e posicionou o branco no lugar de “objeto” (tema de pesquisa). Guerreiro Ramos e Maria Aparecida Bento são fundamentais nesse processo de inversão metodológica. Digo isso, sem deixar de considerar Du Bois, Frantz Fanon, Steve Biko, Fernando Góes, Abdias do Nascimento e a produção estrangeira a partir dos anos 1990. Contudo, Guerreiro Ramos é sem dúvida o intelectual que coloca o tema branquitude na pauta em escala mundial nos anos 1950/1960, muito antes, de se pensar isso nos Estados Unidos. Considero o resgate e a ênfase na importância de Guerreiro Ramos e Maria Aparecida Bento relevantes para evitar que a produção de conhecimento invisibilize a contribuição da intelectualidade negra.

“O negro se deslocou para o lugar de cientista e posicionou o branco no lugar de ‘objeto’ (tema de pesquisa)”

Uma das ações da branquitude acadêmica é justamente a invisibilização da contribuição dos pesquisadores negro e negra. Isto ocorre sistematicamente desde os anos 1980. Para começar a verificar isso, a invisibilização da produção dos acadêmicos negros e negras, seria interessante realizar uma pesquisa qualitativa e quantitativa com a produção acadêmica dos professores brancos da Universidade de São Paulo da área das Ciências Humanas, por exemplo. Escolheríamos essa instituição como primeiro campo-tema porque é a principal universidade do país. Teríamos como pressuposto a ideia de que o tema raça-etnia é interdisciplinar. Diante disso, iríamos investigar a presença do intelectual negro Kabengele Munanga enquanto referencial teórico nessas produções científicas, na literatura científica dos seus ex-colegas professores brancos da Universidade de São Paulo. A minha hipótese é de que o Munanga enquanto referencial teórico aparecerá de forma muito forte nessas produções acadêmicas. A prática de invisibilização da epistemologia negra não o atingirá. Lembrando que o pressuposto de partida é sempre ético. Existe honestidade intelectual. A honestidade intelectual barraria a prática do racismo institucional no caso da produção científica do ilustre pensador Kabengele Munanga.

Portal da UFJF – Há alguma questão que você considere importante acrescentar?

 Lourenço Cardoso – Dois itens.  Primeiro. O branco brasileiro e as manifestações contra às práticas racistas nos Estados Unidos. Segundo. A crescente solicitação branca feita a respeito do que ele deve fazer. Os brancos brasileiros em relação às práticas racistas que ocorrem nos Estados Unidos procuraram imitá-los. O branco estadunidense faz. Ele copia. Nisso muitos se aliaram aos negros na luta contra o racismo. Nesta imitação alguns brancos “famosos” emprestaram suas redes sociais para os amigos negros “menos famosos”. A imitação é uma demonstração de “complexo de vira-lata”, de mente “colonizada”.  Isso já apontava o intelectual Guerreiro Ramos.

“O branco de tanto copiar, pode aprender e realmente absorver o problema racial como uma questão também sua, uma questão nacional. Enquanto exceção isso já ocorre”

Na verdade, parece que esses brancos e brancas não se importam com o assassinato da criança, do jovem, do adulto negro e negra que vivem nas comunidades pobres brasileiras. Nunca haviam se incomodado com isso antes. A sua ação consistiu em apenas copiar os brancos estadunidenses, seguir a onda do modismo antirracista mundial. O que ocorreu diz respeito aos brancos de todas as classes. No entanto, quem mais atuou foi o branco da classe média. É possível suscitar um aspecto “positivo” nesse fenômeno de imitação. O branco de tanto copiar, pode aprender e realmente absorver o problema racial como uma questão também sua, uma questão nacional. Enquanto exceção isso já ocorre. Há alguns brancos que pensam desse modo. Porém para maioria dos brancos e brancas não passam de palavras jogadas ao vento. Mas considero que o branco de tanto copiar pode aprender a ter consideração. Aprender para que no futuro próximo se importe com a vida negra, pobre, brasileira de maneira sincera. Quanto à crescente solicitação branca: o que o branco deve fazer para realizar as práticas antirracistas? A negra e o negro têm sido indagados pelos brancos e brancas, especialmente agora, após o episódio ocorrido nos Estados Unidos.

“O branco não necessariamente precisa perguntar ao negro e à negra para fazer o que já devia ter feito. Não precisa perguntar para praticar uma ação ética, moral, legal e humana”

Na verdade, o branco sabe o que fazer. E o que não fazer. E se quiser procurar conteúdo para se aperfeiçoar, encontrará muitos materiais. O branco não necessariamente precisa perguntar ao negro e à negra para fazer o que já devia ter feito. Não precisa perguntar para praticar uma ação ética, moral, legal e humana. Ao indagar o negro e a negra ele deixa de lado a sua responsabilidade. A responsabilidade é jogada ao negro e a negra pelos erros e acertos que o branco praticará nesse seu objetivo, digamos antirracista. Além disso, errar é humano e pedagógico, neste aspecto, a ideia filosófica de “boa vontade” deve ser considerada. Errou, foi humano, mas teve “boa-vontade”, não foi uma atitude hipócrita. Portanto, reitero, o branco e a branca sabem o que fazer, igualmente conhecem onde procurar para se aprofundarem. A branquitude possui responsabilidade. Exerçam sua responsabilidade para construção de uma sociedade que busca justiça. 

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