Na segunda entrevista da série sobre o Laboratório Afrikas, as entrevistadas são as graduandas em Ciências Sociais, Ana Emília Carvalho, e em Cinema, Renata Dorea.  Ambas as estudantes são bolsistas do novo projeto de criação de conteúdo acadêmico em audiovisual do Grupo de Pesquisas Afrikas, do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Leia aqui a primeira entrevista da série com a coordenadora da iniciativa,  professora Fernanda Thomaz.

Gravação das cenas finais no estúdio da Facom (Foto: Rodrigo Milanni)

Ana Emília, Renata e todos os demais entrevistados conversaram com o Portal da UFJF este mês, no estúdio da Faculdade de Comunicação (Facom), na ocasião das gravações finais do primeiro vídeo do grupo, cujo tema é a branquitude. O material será lançado em março de 2020, e pretende trazer à luz a pertença étnico-racial atribuída às pessoas brancas. 

“Falar sobre branquitude, estando neste espaço acadêmico, que ainda é extremamente branco, e pensando a esquizofrenia de um corpo que não se enxerga… É um elefante branco sobre o qual ninguém fala. Você usar o audiovisual, que é tão mais acessível, eu acho incrível”, ressalta Renata. 

Durante a entrevista, as graduandas destacaram a importância de novos sentidos e linguagens para a produção e a disseminação do conhecimento científico. As estudantes também apontaram a relevância da construção horizontal de projetos e do contato com novas epistemologias como forma de estimular as diversidades no espaço universitário e ampliar a sensação de pertencimento de alunos e alunas. 

Confira as entrevistas abaixo:

Portal da UFJF – Há quanto tempo você participa das atividades do Afrikas? 

Ana Emília Carvalho (Bacharelado em Ciências Sociais) – Eu estou desde 2015. Primeiro, fui bolsista de monitoria da Fernanda [professora Fernanda Thomaz], por duas vezes. No final de 2018, ela conversou comigo sobre a ideia de um projeto novo de iniciação científica, que tivesse a ver com História Pública, com fugir um pouco da produção que normalmente fazemos dentro da academia, que fica muito voltada para nós mesmos. Tinha mais relação com podermos divulgar o conhecimento que produzimos e, principalmente, que fosse um projeto que não chegasse pronto para os bolsistas, mas que pudéssemos construir conjuntamente. Essa foi a parte mais legal. Todo o projeto foi discutido junto com a gente: o formato, a linguagem, o que faríamos. A Fernanda perguntou se eu queria participar. Obviamente, eu aceitei, porque poucas vezes temos oportunidades assim de, na graduação, participar de uma iniciação científica também pensando sobre o próprio projeto em si, sobre o que queremos. De modo geral, só é possível se encaixar num projeto, num formato, que já está pronto.

Portal da UFJF – Você poderia contar um pouco sobre a sua trajetória na Universidade? 

Ana Emília Carvalho (Bacharelado em Ciências Sociais) – Eu entrei na Universidade em 2014, no Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas. Foi lá que eu tive contato com a Fernanda [Thomaz]. O curso tem disciplinas de várias áreas diferentes: História, Ciências Sociais, Turismo e Psicologia. Esse primeiro contato foi muito significativo por conta de alguns elementos. É a única matéria, ao longo de toda a minha vida, na qual houve discussões com o foco na África, sobre múltiplos significados e histórias que estão presentes neste continente. Depois disso, eu me tornei bolsista, principalmente, porque eu considerava muito importante para a minha trajetória acadêmica continuar esses debates. Aí, me aproximei também do grupo de estudos, do Afrikas. Eu tive contato com discussões que geralmente as pessoas não têm, inclusive dentro da Universidade, dentro do meu curso de Ciências Sociais. 

“É a única matéria, ao longo de toda a minha vida, com o foco na África, sobre múltiplos significados e histórias que estão presentes neste continente” – Ana Emília Carvalho

Portal da UFJF – Fale-nos, por favor, um pouco mais sobre esta experiência…

Ana Emília Carvalho (Bacharelado em Ciências Sociais) – Às vezes é muito difícil você sair um pouco dos eixos mais canônicos do curso. Este projeto, especificamente, serviu para tirar uma questão que me sufocava desde o ingresso na Universidade. Parece que estamos sempre falando para nós mesmos, mas ninguém se escuta. A sensação que eu tinha era de que tudo o que eu produzia não fazia o mínimo sentido. Era sempre para todo mundo que já estava cansado de saber daquelas coisas. Qual deveria ser a função da Universidade, senão produzir conhecimento para fora? Só que não é simplesmente publicar um estudo formal, como sempre faço. A linguagem que eu uso influencia em relação a isso. 

Portal da UFJF – É importante, então, criarmos novas linguagens?

Nas Ciências Sociais, temos discussões sobre educação, por exemplo. A linguagem que você produz academicamente todos os dias, não é a linguagem que você vai usar em sala de aula com os seus alunos. Da mesma forma, se você quer atingir um número significativo de pessoas da população, para conseguir levar o que está sendo produzido aqui dentro, você não pode usar essa mesma linguagem. Você tem que se esforçar para ser compreendido. Nós às vezes achamos que estamos num lugar muito confortável e as pessoas têm que se adequar a gente, e não o contrário. Esse projeto significa isso. Nós temos cuidado de nos adequar, por isso escolhemos o audiovisual, tivemos cuidado com o texto. Também escolhemos lugares para gravar. Não é qualquer coisa entrevistarmos as pessoas na feira livre [uma das locações utilizadas no vídeo sobre a branquitude]. Isso significa mostrar que o assunto que estamos debatendo, que é muito pouco falado mas faz parte do nosso cotidiano, está em todos os momentos. É uma preocupação com a linguagem. 

Portal da UFJF – Como é poder construir este material em audiovisual sobre temática pouco abordada no universo acadêmico?

Ana Emília Carvalho (Bacharelado em Ciências Sociais) – A escolha do tema ‘branquitude’ tem a ver com o fato de que enxergamos a questão racial como se ela só tivesse um lado. Precisamos enxergar para além disso. Precisamos começar a entender que é necessário gerar inquietação nas pessoas. O incômodo é importante. É ele que faz com que as pessoas se movam e reflitam sobre as coisas. Por isso, é importante debater sobre a questão da branquitude, porque ela gera incômodo muito mais do que quando debatemos negritude. O incômodo que as pessoas sentem é diferente. As pessoas estão acostumadas a achar que o racismo é um problema apenas das pessoas negras. Então, falar sobre pessoas negras é normal, mas, quando falamos sobre o lugar do branco, geramos uma inquietação e uma preocupação, às vezes um ‘estalo’, para muitas pessoas que não se percebem enquanto sujeitos privilegiados dentro da sociedade. 

“A escolha do tema ‘branquitude’ tem a ver com o fato de que enxergamos a questão racial como se ela só tivesse um lado” – Ana Emília Carvalho

Portal da UFJF – Como começou a sua trajetória no Afrikas?

Renata Dorea: “Queremos fazer vídeos e falar desses temas que são tão caros, e disseminar, principalmente, para a juventude. Essa é a ideia” (Foto: Rodrigo Milanni)

Renata Dorea (Bacharelado em Cinema) – Eu estava no começo, quase meio da faculdade, e estava tendo muita dificuldade de lidar com a questão de estar no Instituto de Artes e Design (IAD) e não me sentir pertencente ao espaço. Eu me sentia muito inferior mesmo, como se não adiantasse ter lido, ter estudado tudo que tinha estudado. Era como se eu nunca fosse ser o suficiente para aquele curso. Aí, eu tinha uma amiga que comentou do Grupo de Pesquisa Afrikas. Ia ter uma leitura sobre Angela Davis. Eu não tinha lido essa autora na época. Acho que foi em 2015. Eu fui junto com uma amiga e me tocou tanto estar naquele espaço, principalmente com mulheres negras e pesquisadoras incríveis, estudantes incríveis. Depois eu li vários livros da Angela [Davis]e de outras intelectuais negras. Aí, eu fui entender o que é esse epistemicídio, esse apagamento e quantos intelectuais me foram negados ao longo da minha trajetória pessoal, acadêmica e artística. Você começa a descobrir que existem outros, e outros e outros. Você vai procurando e achando cada vez mais. O Afrikas é um combustível para eu estar aqui, para eu entender que existem outras pessoas correndo ao meu lado. É de extrema importância, para minha vida.

O Afrikas é um combustível para eu estar aqui, para eu entender que existem outras pessoas correndo ao meu lado – Renata Dorea

Portal da UFJF – Conte-nos um pouco sobre a sua participação neste novo projeto do Afrikas: o audiovisual é a área na qual você pretende seguir?

Renata Dorea (Bacharelado em Cinema) – Eu estou fazendo estágio na área de edição. Tenho um documentário, o Afrodites, e sou totalmente apaixonada pela área do audiovisual, porque acredito ser uma forma de ‘escrever’. É uma forma de você criar mundos, sonhos. A convite da Fernanda [Thomaz], eu fiz o processo seletivo para este projeto do Laboratório Afrikas, e fiquei muito feliz de entrar no grupo. Estamos criando coletivamente desde o roteiro. Foi a primeira vez, dentro do curso de Cinema, que participei da criação de um roteiro com tanta gente e como exercício de aula. Vários intelectuais, além da gente, vários textos de base. Foi um processo muito interessante, para vermos que o cinema, por mais que a gente consuma amplamente na sociedade, o quanto a sétima arte ainda é meio misteriosa. Depois que eu comecei a estudar as novas mídias, comecei a entender que estamos quebrando um pouco isso. Não há tanto mistério assim. Hoje em dia conseguimos fazer um vídeo e disseminá-lo. Queremos fazer vídeos e falar desses temas que são tão caros, e disseminar, principalmente, para a juventude. Essa é a ideia. Falar sobre branquitude, estando nesse espaço acadêmico, que ainda é extremamente branco, e pensando a esquizofrenia de um corpo que não se enxerga. É um elefante branco sobre o qual ninguém fala. Você usar o audiovisual, que é tão mais acessível, eu acho incrível. Eu me lembro de uma vez, quando estava fazendo curadoria para um festival do Instituto de Artes e Design, por exemplo. Minha avó não tem formação acadêmica e eu a chamei para fazer a curadoria comigo. Assistimos a vários documentários juntas. Se fosse uma leitura, eu não poderia fazer isso. Então, eu penso nessa questão de ampliar mesmo o acesso à informação, ao conhecimento, ao estudo. 

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