O Laboratório Afrikas de Audiovisual (LabAfrikas) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) realiza nesta sexta-feira, 29, às 18h, uma transmissão ao vivo nas redes sociais. Na atividade, que integra o conjunto de ações para divulgação da websérie “Reflexo Reverso”,  serão debatidos os referenciais teóricos e estéticos adotados na produção, além de apresentados os participantes do grupo de pesquisa.

O LabAfrikas  é interdisciplinar, e conta com graduandos dos bacharelados em Ciências Sociais, História, Jornalismo, Rádio, TV e Internet, Artes e Design e Cinema. Tem ainda a colaboração de uma mestranda em História. Sob coordenação da professora de História da África da UFJF, Fernanda Thomaz, o grupo dedica-se aos estudos das africanidades, das relações raciais e do racismo. 

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Reflexo Reverso: o outro em branco

O primeiro episódio da websérie “Reflexo Reverso” foi lançado este mês, no dia 22. “O outro em branco” tem como temática a branquitude, a pertença étnico-racial atribuída às pessoas brancas.  o objetivo da iniciativa, que conjuga ensino, pesquisa e extensão, é disseminar o conhecimento acadêmico em linguagem mais acessível para todos os públicos. 

Professora Fernanda Thomaz: “Não temos como pensar a sociedade sem fazer o debate da branquitude” (Foto: Gustavo Tempone/UFJF)

“A escolha do primeiro tema foi um ponto fundamental. Não temos como pensar a sociedade sem fazer o debate da branquitude. Por outro lado, esse projeto é elaborado dentro da Universidade, que ainda é um espaço extremamente branco, no qual a performance da branquitude é constantemente reproduzida.  Então, tentamos desconstruir isso”, explica a professora Fernanda Thomaz.

Em virtude da pandemia provocada pelo novo coronavírus,  o lançamento da websérie foi exclusivamente virtual. No entanto, de acordo com a docente, a intenção é que sejam lançados periodicamente conteúdos em audiovisual e, em seguida, realizados debates nas escolas públicas de níveis médio e fundamental de Juiz de Fora. 

“O LabAfrikas é um laboratório recente, que pertence ao grupo de pesquisa Afrikas. É ligado também ao Laboratório de História Oral e Imagem (LabHoi). Foi criado a partir da proposta de produzir um material mais crítico, com embasamento político e com uma forma de comunicar mais acessível, para que a produção  possa ainda servir como material didático. É um projeto de iniciação científica, composto por estudantes em sua maioria negros e coordenado por uma professora negra. Fazemos uma análise crítica e embasada cientificamente. O sentido político é de transformação social. Queremos levar as discussões que estão muito no meio acadêmico a grupos mais amplos”, aponta Fernanda Thomaz.

Dentre os referenciais teóricos utilizados para a elaboração da websérie estão as obras de W.E.B Du Bois, Frantz Fanon, Guerreiro Ramos,  Grada Kilomba e Lia Vainer Schucman.

Frantz Fanon

Ana Emília: “Os mesmos sujeitos abordados por Fanon são encontrados hoje em dia em todos os países que foram colonizados pela Europa” (Foto: arquivo pessoal)

“Fanon, como psiquiatra e filósofo, traz um ponto de vista único sobre a colonização e suas consequências. Ele compreende como a dimensão psicológica dos sujeitos criados pelo mundo colonizado rompe com o individual e se lança para a dimensão coletiva. Longe de ser uma questão puramente subjetiva, os impactos subjetivos da divisão racializada e dualista do mundo colonial se transformam em formas concretas de moldar tanto os sujeitos quanto o próprio funcionamento das sociedades colonizadas”, explica a estudante do bacharelado em Ciências Sociais da UFJF e integrante do LabAfrikas, Ana Emília Carvalho.

A discente enfatiza a relevância e atualidade da obra do psiquiatra e filósofo martinicano, especialmente quando observamos as heranças socioculturais dos processos colonizadores. “Essas questões não são apenas do momento histórico da própria colonização, mas se tornam uma herança sociocultural e coletiva assim como as estruturas de desigualdade econômica e racial. Dessa forma, os mesmos sujeitos abordados por Fanon na Martinica, na época em que ele escreve “Pele negra, máscaras brancas”,  são encontrados hoje em dia em todos os países que foram colonizados pela Europa. Indivíduos cindidos, criados pela e dentro da relação de oposição do ‘eu colonizador e branco’ e ‘do outro colonizado e negro’, o que torna a leitura de seu texto extremamente atual e necessária para que se consiga compreender a sociedade em que vivemos, que é tão fruto dessas relações quanto a Martinica de Fanon.”

Guerreiro Ramos

Estela Golçalves: ” A partir de Guerreiro Ramos, construímos o roteiro pensando como essa noção do privilégio de uma dada ‘raça’ é naturalizado, principalmente no que se refere à cor” (Foto: Arquivo Pessoal)

A avaliação é compartilhada pela mestranda em História na UFJF e integrante do LabAfrikas, Estela Gonçalves. A pós-graduanda acrescenta como o estudo da obra do sociólogo brasileiro Guerreiro Ramos também contribuiu para a elaboração do episódio “O outro em branco”.

“Foi importante no sentido de refletirmos sobre o modo que a branquitude é construída e pensada como local de privilégio. Guerreiro Ramos, ao expor em seu texto como é patológico se afirmar enquanto branco na sociedade brasileira, demonstra o quanto pessoas que não estão inseridas na lógica de privilégios tentam se sentir integradas e pertencentes a um grupo que não é visto com estigmas negativos. Desse modo, ao tornar o negro tema central de discussões de valores, principalmente estéticos, evita-se o questionamento, além de não colocar em xeque os privilégios adquiridos com a afirmação da branquitude”, avalia. 

Segundo Estela, o grupo de pesquisa buscou compreender como o “ideal de brancura”, apontado pelo sociólogo, interfere no processo de maturidade psicológica do brasileiro e enfraquece a integração social dos elementos constitutivos da sociedade nacional.  

“Buscamos compreender como isso se cristalizou em nossa sociedade. É importante lembrar que Guerreiro Ramos escreve na década de 1950, observando a sociedade da época. Digo isso porque sua discussão é atual e presente. Logo, a partir da contribuição de Ramos, construímos o roteiro pensando como essa noção do privilégio de uma dada ‘raça’ é naturalizado, principalmente no que se refere à cor.”

Lia Vainer Schucman 

Vinícius Oliveira: “Conforme Lia Schucman, em sociedades estruturadas a partir do racismo, os sujeitos brancos adquirem privilégios simbólicos e materiais” (Foto: arquivo pessoal)

As pesquisas de Lia Vainer Schucman, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) também fundamentam a produção do LabAfrikas, conforme aponta um dos integrantes do grupo e graduando em História na UFJF, Vinícius Oliveira.

“Apesar de ter sido publicada em 2012,  o livro ‘Entre o encardido, o branco e o branquíssimo’, de Lia Schucman, nos apresenta um retrato até de certa forma cruel da realidade brasileira atualmente. Em seu estudo, ela faz uma retomada do conceito de raça produzido dentro das academias europeias no século XIX para compreendermos que, em sociedades estruturadas a partir do racismo, os sujeitos brancos adquirem privilégios simbólicos e materiais”, conclui.

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