O conceituado Edmundo Hora, estudioso das técnicas dos instrumentos de teclado e um dos principais nomes da música antiga no Brasil, apresenta o recital Um fortepiano vienense em Terra Papagalli, que integra a programação da edição virtual do 31º Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga. A gravação do concerto, realizada no estúdio do professor em Campinas especialmente para o evento juiz-forano, pode ser conferida no dia 22 de novembro, no canal do Centro Cultural Pró-Música no YouTube.
O programa do recital traz obras antigas brasileiras para seu instrumento adequado – o fortepiano vienense do final do século XVIII, modelo de Anton Walter (1790), originalmente concebido para expressar o repertório clássico dos autores vienenses como Haydn e Mozart. Conforme explica Edmundo Hora, não há registro no Brasil de modelos lusitanos do instrumento, nem mesmo brasileiros, embora aqui já houvesse ateliês de construção de cravos e órgãos. No entanto, o fortepiano vienense – ou seja, da escola vienense de design do instrumento – aparece no cenário brasileiro quando da presença da Corte Portuguesa e do enlace matrimonial do Príncipe D. Pedro I com Leopoldina da Áustria.
“Curioso perceber que um instrumento tão em voga na sofisticada Europa de então transporta ao Mundo Novo frescor e elegância, mesclando-se com o repertório de raízes toscas, como os lundus da Bahia de matriz africana, mas com sutilezas do discurso eloquente”, observa Hora, em entrevista por e-mail à Pró-reitoria de Cultura.
O lundum (ou lundu) é uma dança de origem africana introduzida no Brasil pelos escravos, que chegou a ser proibida na Corte em razão de sua sensualidade. O programa apresenta dois lunduns baianos anônimos do século XVIII. Em um deles encontra-se a indicação “Com naturalidade de conversa” (Lundu em lá menor). No programa, ele é antecipado pelo “batuque” do Lundu em ré maior, “tão comodamente adaptado à sonoridade do fortepiano”, como ressalta Edmundo Hora.
Lições mauricianas
O recital traz como destaque o mais importante compositor brasileiro de sua época, o padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), por alguns considerado hoje o “Mozart brasileiro”. Edmundo Hora apresenta as “Lições Mauricianas” retiradas do Compêndio de Música e Método de Pianoforte (como era também chamado esse instrumento). Trata-se de um dos manuais teóricos escritos por esse brilhante compositor, organista e regente, que se dedicou também à atividade didática e manteve um curso de música gratuito para jovens. “As suas sete lições são verdadeiras ‘pérolas’ do repertório musical e refletem bem a semelhança com a moda vienense da época, o que quase nos dá a impressão de lá estar”, afirma Hora.
Outro destaque do recital é a Sonata Segunda, encontrada na Sociedade Lítero Musical de Sabará, cidade histórica mineira. Como destaca Edmundo Hora, essa sonata anônima do século XVIII “nos surpreende com sua escritura sofisticada e virtuosística, tendo como segundo movimento o elegante Adágio, perfeitamente inserido no conhecido Stylus Phantasticus, rico em contrastes e fantasias ornamentais”.
Acervo instrumental
Dedicado ao estudo das técnicas dessa família de instrumentos musicais, Edmundo Hora dispõe de um acervo que reúne cravos, órgão de câmara, clavicórdio e fortepianos, dos quais há duas réplicas do século XVIII e um original do século XIX. Para o concerto do Festival, o músico utiliza o modelo do Fortepiano Anton Walter, cópia vienense de Rod Regier (EUA).
Ao comentar o momento atual e a realização virtual do Festival, Edmundo Hora afirma: “Ainda que o pavor da pandemia tenha assolado toda a população mundial, vi esta imposição pelo lado positivo e determinante, qual seja, a utilização dos mecanismos digitais que ironicamente aproximaram as pessoas que estão longe, mas afastaram as que estão muito perto!”.
O 31º Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga é uma realização da Pró-reitoria de Cultura e Centro Cultural Pró-Música/UFJF.
31º Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga – Edição virtual
Um fortepiano vienense em Terra Papagalli – Edmundo Hora
Dia 22, às 20h, no canal do Centro Cultural Pró-Música no YouTube
* Às 19h, palestra do professor de Música da UFJF Rodolfo Valverde faz a contextualização histórica dos programas dos concertos.
PROGRAMA
- PRELÚDIO improvisatório em Fá!
- Anônimo do Séc. XVIII – SONATA 2ª. em Mib (?) Sabará/MG
- a) Allegro b) Adagio
- José Maurício NUNES GARCIA (1767-1830) – 7 Lições do Método de Fortepiano, 1821
- Lição 12 em Sib Maior – Allegro Moderato
- Lição 09 em Dó Menor – Andantino
- Lição 03 em Mi Maior – Andante Moderato
- Lição 06 em Lá Maior – Allegro Maestoso
- Lição 11 em Ré Maior – Allegretto
- Lição 12 em Ré Menor – Allegretto
- Lição 05 em Sol Maior – Allegretto
- Anônimos do Séc. XVIII – DOIS LUNDUNS
Lundum da Bahia em Ré Maior
Lundum da Bahia em Lá Menor
Fortepiano Anton Walter, de 1790, cópia Vienense de Rod. Regier USA
Temperamento desigual, Lá 442 Hz.
O músico
Edmundo Hora – Fortepiano
Baiano de Cachoeira. Doutor em Música, modalidade Cravo, pela Unicamp/Campinas-SP. Desenvolve seu trabalho baseado na interligação das técnicas específicas dos instrumentos de teclado, possuindo em seu acervo, atualmente, cravos, órgão de câmara, clavicórdio e fortepianos – sendo duas réplicas de 1796 e um original do séc. XIX. Na Bahia, foi organista titular da Catedral Basílica de Salvador nos anos de 1972 a 1977 e, em São Paulo, especializou-se em Cravo de 1978 a 1980. Já realizou Recitais ao Órgão nas cidades históricas de Mariana e Tiradentes, em MG, e tocou em concerto solo de G.F.Haendel com a Orquestra Sinfônica de Campinas. Em Amsterdã/Holanda, de 1984 a 1993, graduou-se como Solista de Cravo pela Escola Superior de Artes de Amsterdã e pós graduou-se na Hogeschool Stichting Amsterdam – Sweelinck Conservatorium, orientado, respectivamente, por J. Ogg e A. Uittenbosch, tendo, como presidente do júri, Gustav Leonhardt. Participou do I Simpósio Internacional de Cravo – Utrecht 1990, com uma palestra demonstração sobre afinação de Jean Denis. Entre 1997 e 2004, foi diretor artístico da série “Música no Mosteiro”, em Vinhedo/SP, promovendo concertos dedicados em especial às músicas barroca, clássica e colonial brasileira. Em Campinas, dirigiu Coro e Orquestra Barroca “Armonico Tributo”, com instrumentos de época, recebendo convites para os importantes festivais do país no Rio de Janeiro e em Florianópolis, Brasília, S. Paulo e Curitiba, entre outros, incluindo a Sala São Paulo, em maio 2004, e o Mozarteum em Montevidéo/Uruguay (com os concertos para 4 Cravos de Bach). Na Europa, apresentou-se no Concertgebow de Amsterdã, De Doelen de Roterdã, e Muziek Centrum Vredenburg de Utrecht, na Holanda; em Berlim e Stuttgart Bad Kreutzingen, na Alemanha; em Zurique e Basel, na Suíça; Atenas e Tessalônica, na Grécia; Lisboa e Aveiro, em Portugal; e Paris, na França. Gravou CD’s ao cravo, ao fortepiano e com o Triplo Contínuo. É idealizador e coordenador geral do Performa Clavis 2010 – Internacional, faz parte das comissões das edições bienais seguintes (Unicamp 2012, USP 2014, Unesp 2016 e Unicamp 2018), em São Paulo, por acreditar nas interligações técnicas específicas tecladísticas, envolvendo órgão, cravo, clavicórdio, fortepiano e piano tradicional com suas abordagens estilísticas – instrumentos em que atua. Pesquisador do CNPq e da Fapesp, atuou como Professor de Cravo e Música Barroca no Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp (1993-2015), e, desde 2004, continua credenciado como Professor Colaborador no Programa de Pós-Graduação em Música, Mestrado e Doutorado em Cravo, na mesma instituição.
Outras informações:
Centro Cultural Pró-Música – produção.promusica@ufjf.edu.br
Pró-reitoria de Cultura – cultura.ufjf@gmail.com
YouTube – Centro Cultural Pró-Música