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Entre técnica e emoção, Badi Assad conduz masterclass na Escola de Artes Pró-Música

 

“Ela é uma inspiração de vida, é uma artista multifacetada. Ela toca, canta, dança… é uma artista completa. Acho que é uma artista única no Brasil.” A descrição feita por Marcos Freitas, integrante do grupo artístico Ingoma, não soa exagerada quando o assunto é Badi Assad. A cantora, violonista e compositora brasileira, que há quase 35 anos vive da música e pela música, esteve em Juiz de Fora no último dia 30 e ministrou uma masterclass na Escola de Artes Pró-Música, dentro da programação do projeto Ressonâncias do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga.

Uma aula que virou encontro

Durante as duas horas de masterclass, o clima foi leve e acolhedor. Badi se mostrou à vontade no espaço, compartilhando técnicas, experiências e aprendizados acumulados. Era evidente o prazer de estar ali. A cada conversa e demonstração, deixava transparecer a alegria de ensinar e, ao mesmo tempo, a disposição em aprender com quem a ouvia.

A simplicidade e a humildade chamaram atenção. Badi não assumia o papel de quem ensina do alto de uma trajetória consagrada, mas o de quem acredita que a arte se faz em movimento e em troca. Foi uma aula que se transformou em encontro e essa entrega à partilha atravessa sua própria visão de carreira.

“Eu vivo pela música, praticamente, e pela minha carreira em todas os seus matizes. Eu não bato cartão para trabalhar, e trabalho o tempo inteiro, mas não considero um trabalho no sentido pesado, porque é algo que amo fazer”, afirma. “Gosto de todas as formas de arte, estou sempre me alimentando delas. A música não é só entretenimento, é algo mais profundo. E poder chegar a um país como o nosso, com uma música mais refinada, que tenha um propósito, é motivo de muito orgulho.”

Mesmo após décadas de estrada, mais de 200 viagens internacionais e passagens por cerca de 50 países, Badi se coloca de maneira próxima, curiosa e generosa. Sua posição é a de uma companheira de jornada, disposta a ouvir, experimentar e aprender junto. Pode-se dizer que foi um momento de muitas trocas, e todos que estavam ali certamente ficariam mais tempo se pudessem.

Masterlcass com Badi Assad na Escola de Artes Pró-Música

Os participantes em clima de celebração após a masterclass com Badi Assad. (Foto: Décio Luiz Lima)

Aprender, desaprender e misturar

Em entrevista à Procult, Badi destacou a importância da técnica, mas também a liberdade que nasce dela: “A técnica pode te engessar, mas também pode te libertar. Quando você aprende uma técnica, ganha um recurso. E aí você faz o que quiser com aquilo. A técnica te dá asas.”

Essa fala ecoa o que se viu na masterclass: uma artista que valoriza o estudo, mas que, acima de tudo, aposta na experimentação e na curiosidade. No encontro, falou sobre ritmo, corpo e sensibilidade, e demonstrou que a liberdade também é uma forma de disciplina.

Badi também refletiu sobre o papel das universidades e de experiências como essa. Segundo ela, momentos de escuta e presença em espaços formativos são essenciais em tempos em que a tecnologia ocupa quase tudo. “Vivências ao vivo como essa são importantíssimas. A interação é algo que os jovens estão perdendo. É mais fácil conversar com uma máquina do que com uma pessoa. Mas é com o outro que você aprende a lidar, a ouvir. E como é ficar uma hora sem pegar no celular, apenas absorvendo um show? Essa conexão é real. A emoção é real. E ela transforma.”

Um “liquidificador de sons do mundo”

Questionada sobre as influências que moldam seu som, Badi explica que sua música é fruto da escuta aberta e da mistura de referências. “Meu leque de influências é muito vasto. O Brasil, por si só, é um país que abraçou muitas culturas — africana, europeia, indígena e tantas outras. O brasileiro já tem esse leque enorme. Então, se você é aberto à música feita aqui, já tem uma diversidade incrível no seu som”, considera. “É como uma química: você vai misturando isso no cérebro, nas sinapses e sai uma música que pertence a você.”

E resumiu com uma das frases que mais traduzem sua arte: “A minha música é isso: um liquidificador de sons do mundo.”

Badi Assad ensina algumas das técnicas adquiridas ao longo de sua carreira. (Foto: Décio Luiz Lima)

Emoção que atravessa o corpo

Para Marcos Freitas, a experiência foi marcante. “Ela trouxe reflexões muito importantes pela simplicidade com que lida com a música. O que ficou mais forte foi esse ensinamento de fazer as coisas com alma, entender a música de outra forma, não só como performance, mas como algo que alimenta o ser e transforma a vida das pessoas”, se empolga.

Essa dimensão sensível também se reflete na forma como Badi compreende o som. “O som é físico, ele invade o corpo. Quando você produz um som, ele sai em forma de frequências que atravessam você. E isso tem o poder de mudar vidas”, explica.

Sucesso pessoal e o palco como magia

Badi Assad define sua trajetória como “um sucesso pessoal”. Orgulhosa da independência artística, ela reforça a importância de continuar abrindo caminhos para a música brasileira no exterior. “Por incrível que pareça, o mundo ainda não conhece a nossa música. Muitos países pararam na Bossa Nova. Alguns artistas furaram essa bolha, como Gil e Caetano, mas há muito mais a ser mostrado”, analisa. “Acredito que ainda há espaço no mundo para absorver essa produção maravilhosa que é a cultura musical brasileira. Ainda temos caminhos pela frente”.

Com a convicção de quem acredita na força transformadora da arte, que ela encerrou sua entrevista com uma das declarações mais intensas desse encontro: “O palco tem uma magia que acontece ali. Quando a gente toca, joga um sentimento, e a pessoa que está lá absorve esse sentimento e devolve outro. Mesmo que seja ‘não gostei’, ainda é um sentimento. E essa troca é o que me move. Às vezes estou exausta, com saudade de casa, e penso: o que estou fazendo aqui? Aí desligo do mundo e toco para mim. E, nesse momento, lavo a alma, porque aquele instante não vai se repetir. Então não podemos perder a oportunidade de viver intensamente tudo o que acontece nesse palco.”

Foi exatamente essa intensidade, entre técnica e afeto, entre rigor e entrega, que se fez presente na masterclass de Badi Assad em Juiz de Fora. Mais do que uma aula, foi um convite à escuta e à sensibilidade: um lembrete de que a música, antes de ser som, é encontro.

 

 

Décio Luiz Lima – Bolsista Pibiart