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O contemporâneo olhar para o passado

Escritoras Rachel Jardim e Lúcia Bettencourt lançam, no próximo dia 28, às 19h, no MAMM, novos títulos do Selo MAMM

Em seu prefácio para o livro Num reino à beira do rio, a escritora de estilo memorialista Rachel Jardim aponta para a paixão que a literatura pode despertar. Segundo ela, a simples transcrição, num pretérito nem tão distante, era feita de maneira a se buscar “atingir o coração, a alma, as entranhas do autor”. Tomando os versos de Murilo Mendes, em A idade do serrote, que dizem: “Ver coisas, ver pessoas na sua diversidade, ver, rever, ver, rever / O olho armado me dava e continua a me dar força para a vida”, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), através do Museu de Arte Murilo Mendes, lança dois novos títulos, que se debruçam sobre o fazer literário e suas muitas possibilidades de reflexão. Num reino à beira do rio, de autoria de Rachel Jardim, escrito a partir do álbum de sua mãe, Maria Luiza Carvalho, que reunia 37 poemas copiados por Murilo Mendes; e Erratas pensantes, também de autoria de Rachel, em parceria com a escritora Lúcia Bettencourt, em que são investigadas as relações entre Machado de Assis e seu contemporâneo Marcel Proust, serão lançados na próxima sexta-feira, dia 28, às 19h, no Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM).

 

Fonte de reminiscências

Aos 18 anos, morando na rua da Imperatriz, número 508, em Juiz de Fora, Murilo Mendes, numa mostra de estima e amizade, copiou 37 poemas, de 27 autores, no caderno-diário da vizinha Maria Luiza de Carvalho, de 17 anos. Grafados com capricho e zelo, os textos, além de exporem a formação literária do poeta, contribuem para a compreensão da literatura no início do século XX. Herdeira dos escritos, Rachel Jardim serviu-se do álbum para a criação de Num reino à beira do rio, que ganha nova edição em parceria feita entre o Selo MAMM e a Editora José Olympio. “Passei toda a minha vida a espreitar o poeta. Ao conceber este projeto e nele trabalhar, de certa forma sinto que posso, afinal, olhá-lo de frente. Não mais na rua da Imperatriz, mas solto no espaço, saído da imortalidade em que fui buscá-lo para juntá-lo a minha mãe em Juiz de Fora”, relata Rachel em texto que abre a obra.

Doado oficialmente, durante o evento, ao Museu de Arte Murilo Mendes, morada das coleções e lembranças do poeta, o álbum de Maria Luiza só despertou a atenção de Rachel após a morte da mãe. “Depois da morte dela, passei a folheá-lo amorosamente, na esperança de ali encontrar alguma coisa viva”, conta. “Ao fazer isso, percebi que o álbum-diário era um documento importante não só para o conhecimento da cidade de Juiz de Fora no início do século XX, de sua forma de viver, de sua sociedade, mas também de uma fase da vida e do sentir poético do nosso poeta”, analisa.

Para o pró-reitor de Cultura da UFJF, José Alberto Pinho Neves, autor do texto de apresentação do livro, “Num reino à beira do rio redunda em matéria de alumbramento e sonho, e o caderno-diário de Maria Luiza se transfigura em essencial fonte de reminiscências”. De acordo com Alexei Bueno, responsável pelo estudo crítico dos poemas transcritos por Murilo, o conteúdo do álbum retrata o gosto popular em relação à poesia da época. “Gosto popular no sentido de uma poesia mais diretamente sentimental, mas próxima do anedótico ou do quadro de gênero”, explica no estudo, que precede a reprodução em fac-símile de todos os poemas copiados por Murilo.

 

Erratas pensantes: Relações entre Machado e Proust


Resultado das palestras que integraram as atividades culturais das exposições Le sacre moderne e Doce França, realizadas pelo Museu de Arte Murilo Mendes, em parceria com o Museu Mariano Procópio, o livro Erratas pensantes, de autoria de Rachel Jardim e Lúcia Bettencourt, discute as relações entre o escritor brasileiro Machado de Assis e o francês Marcel Proust. Intitulado Erratas pensantes – os eus sucessivos em Machado e Proust, o texto de Rachel aborda a crítica psicológica, a época, a questão das cidades e a linguagem não cronológica – repleta de idas e vindas no tempo – como os principais pontos de convergência entre os dois autores. “O romance chega à modernidade com Balzac e à plenitude com Proust, a partir do qual a ordem cronológica é rompida. Passado, presente e futuro se fundem, então, em constantes idas e voltas”, defende a escritora, apontando que a importância de ambos reside na radical transformação da concepção do romance.

Segundo Lúcia, autora do ensaio Eu é um outro: versões ou erratas, o que mais lhe chama atenção é o domínio do tempo na narrativa de ambos escritores, o que os torna extremamente contemporâneos e resistentes ao tempo. “Os dois, por terem vivido no mesmo século, apresentam temas e personagens que são, de certa maneira, semelhantes. Como autora, no entanto, volto meus olhos para as estratégias narrativas de Dom Casmurro e de Em busca do tempo perdido (À la recherche du temps perdu), ambos escritos em primeira pessoa e dependentes da ‘memória’ da qual fazem uma utilização totalmente diferente”, comenta. “Ao iluminarem essa complicada teia de afetos e vozes que compõem o psiquismo humano, Rachel e Lúcia estão resgatando um momento da história universal no qual a subjetividade e o humanismo se apresentavam como condições fundamentais de articulação de sentido com o real”, adverte o professor da UFJF Antenor Salzer Rodrigues.