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Reflexos de uma experiência pessoal

Cineasta Lúcia Murat, considerada uma das principais vozes do cinema sobre a ditadura, participa do projeto Cinema em Foco e apresenta Uma longa viagem, no próximo dia 26, às 19h, no MAMM

 

Em Uma longa viagem, filme de Lúcia Murat lançado em 2011, a história de três irmãos é contada a partir das dores causadas pela ditadura militar no Brasil. Um dos irmãos, o caçula Heitor, é enviado para Londres, em 1969, a fim de não envolver-se com a luta armada. A irmã, Lucia, militante política, é presa e torturada. O terceiro irmão, Miguel, é o esteio dos outros dois, vivendo uma vida regrada e pacata. Os três caminhos, ainda que limitados por um sistema impiedoso, serviram a Lucia, já uma cineasta de sucesso, como mote para um documentário que vai além da discussão do período histórico, mas relata, com a maturidade de seus 63 anos, os múltiplos reflexos de uma ferida que ainda não se fechou. “A minha relação com a produção artística se deu depois de ter sido presa política. Essa experiência é parte de mim, não tem como fugir dela”, conta Lucia, que no próximo dia 26, quarta-feira, às 19h, ministra palestra sobre a mulher no cinema brasileiro e apresenta Uma longa viagem no Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM).

Segundo Lucia, o filme começou como tentativa de registrar as palavras do irmão Heitor, logo após a morte de Miguel, para que a nova geração soubesse da história dos irmãos. Heitor, que conheceu vários países e vivenciou o submundo das drogas – chegou a ser internado em hospital psiquiátrico –, tem seus depoimentos entrelaçados aos comentários da irmã e às encenações do ator Caio Blat para as cartas que escreveu do exterior. “A memória é sempre seletiva. Foi uma coisa possível de fazer, até, em função da minha idade”, avalia a cineasta, que, ao gravar a entrevista, sentiu a necessidade de transportar aqueles discursos a uma esfera mais universal. “Eu tive uma relação com a morte quando eu era jovem. Essa relação era muito raivosa, porque era provocada por homens. Outra coisa é o ciclo da vida, que sinto agora”, comenta, denunciando o amadurecimento do próprio olhar para o tema que explorou durante toda a carreira.

Vencedor do Prêmio da Crítica de Melhor Documentário no Festival de Paulínia de 2011, e vencedor de Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Direção de Arte, Prêmio do Júri Popular e Prêmio Estudantil no Festival de Gramado do ano passado, o filme confirma as atuais discussões acerca do regime militar brasileiro, que ainda produz reflexos tanto em níveis individuais quanto em âmbito coletivo.  “O fato de eu ter sobrevivido, diante de tudo que passei, me dá certa vergonha. Vergonha de ter vivido e não ter enlouquecido. Enlouquecer é mais nobre”, analisa a artista, que afirma ainda existir inúmeras possibilidade de se trabalhar o tema, inclusive pela ótica da nova geração, que só absorveu o passado, mas não vivenciou a luta.

Reconhecida documentarista, Lucia Murat estreou em 1988, com Que bom te ver viva, no qual depoimentos de mulheres torturadas durante a ditadura militar se intercalam com cenas ficcionais. Entre a ficção e a realidade, Lucia perseguiu, em sua trajetória, um singular tom político. Doces poderes (1996); Brava gente brasileira (2000); Quase dois irmãos (2004); Olhar estrangeiro (2005); Maré, nossa história de amor (2007); Dia dos pais (2008) e Uma longa viagem (2011), além de médias-metragens, compõe uma produção manifestamente coerente e, segundo ela, “com uma tendência a um olhar subversivo”, resultante de sua condição enquanto mulher. “O meu ponto de vista é de uma mulher, de uma militante, que foi presa, torturada e, hoje, é mãe e avó. Quando produzo, levo todo esse sentimento, toda essa reflexão”, explica, citando as cineastas Tata Amaral, de Um céu de estrelas, e Flavia Castro, autora de Diário de uma busca, como os grandes nomes femininos do cinema brasileiro.

 

O projeto

O encontro com a cineasta Lucia Murat integra o projeto Cinema em Foco, que é uma parceria do projeto Cinemamm, do MAMM, com o Grupo de Pesquisa CPCine – História, Estética e Narrativas em Cinema e Audiovisual e com professores do Curso de Cinema e Audiovisual do Instituto de Artes e Design da UFJF.