MAMM inaugura exposição, no próximo dia 20, às 20h, apresentando a coleção de pinturas do poeta Murilo Mendes
Em outubro de 1931, Murilo Mendes escreve o artigo O impasse da pintura, na primeira edição do Boletim de Ariel, publicação mensal carioca representativa da segunda fase do modernismo. Ao iniciar o texto, o poeta dispara: “A pintura está em crise. A máquina fotográfica e o cinema, como é universalmente sabido, modificaram de maneira importante as condições de existência dela”. Numa clara defesa da pintura, Murilo discursa sobre as diversas ingerências do capitalismo na criação artística. Para ele, o Modernismo apontava para uma busca pela “finalidade educativa” da tela. Apaixonado pelas artes, o poeta, nascido em Juiz de Fora e radicado em Roma, na Itália, reuniu uma grande coleção de pinturas, em sua maioria expoentes do Modernismo italiano, que o Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM) apresenta na exposição Pinturas na Coleção Murilo Mendes, a ser aberta no próximo dia 20, quinta-feira, às 20h.
Estruturada a partir de 1957, quando Murilo Mendes e Maria da Saudade, sua esposa, transferiram-se para Roma, a coleção de artes plásticas do poeta reflete seu convívio intelectual. De acordo com a pesquisadora Luciana Stegagno Picchio, havia uma admiração recíproca entre Murilo e os artistas plásticos. “O que fascina o poeta é a dupla qualidade do pintor, o seu trabalhar com o cérebro e com as mãos, o ser juntamente artista e artesão, inventor e executor. O pintor é muito mais livre do que o poeta. A sua linguagem, a sua forma de expressão é universal”, analisa a estudiosa.
Sensibilidade proveniente dos versos
As 30 obras em exposição, assinadas por 20 pintores – entre eles Maria Helena Vieira da Silva, Arpad Szenes, Cândido Portinari, Achille Perilli, Mário Padovan, Ismael Nery, Alberto Magnelli, Alberto da Veiga Guignard –, revelam as diferentes tendências e suportes apreciados por Murilo. Dono de um olhar sensível, o poeta era, com frequência, convidado a produzir textos críticos para exposições de amigos próximos.
Acerca da obra de Antonio Corpora, Murilo refletiu: “Os verdes, os negros, os azuis surgem em função de metáforas plásticas. Isto significa que o pintor transformou a ideia da natureza no profundo mutamento da sua consciência”.
Pintados por Portinari e por Guignard, dois retratos do poeta destacam-se em meio aos diversos trabalhos abstratos da mostra, além do retrato do amigo Ismael Nery, também pintado por Guignard. Intelectual de muitas referências, Murilo extraía discursos até mesmo de obras aparentemente objetivas. “Gosto de reter as palavras e as expressões preferidas dos pintores”, disse certa vez. Reunidas, as pinturas da coleção do escritor evidenciam um universo bastante particular e relevante, que em nada se assemelha à noção de crise articulada pelo poeta em seu artigo para o Boletim de Ariel. A perenidade da coleção não apenas confirma a vivacidade da pintura, mas denuncia a universalidade de um poeta. “A pintura não pertence apenas a pintores, pertence a toda a humanidade”, disse Murilo, atento à posteridade.