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O valor de uma semana nove décadas depois

MAMM presta homenagem à Semana de Arte Moderna de 1922 em exposição a ser inaugurada no próximo dia 24, às 20h, no Espaço Lugar de Honra

 

Em novembro de 1928, na sétima edição da Revista de Antropofagia, Murilo Mendes contribuía com os seguintes versos: “Deodoro todo nos trinques / bate na porta de Dão Pedro 2º / Seu Imperado, dê o fóra / que nós queremos tomar conta desta bugiganga”. Num relato irônico da Proclamação da República, que dava início à série de poemas publicados em História do Brasil, de 1932, Murilo mostrava intimidade com o movimento irreverente de Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, entre muitos outros, que abalou não apenas os dias entre 13 e 17 de fevereiro de 1922 em São Paulo, mas a história das artes no Brasil. Em homenagem ao evento e a seus criadores, o Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM) inaugura no dia 24 de maio, às 20h, a exposição Semana de Arte Moderna: 90 anos, no Espaço Lugar de Honra.

Da pintura à música, passando pela literatura, escultura, tapeçaria e artes gráficas, a mostra reverencia grandes nomes do modernismo brasileiro, como Mario e Oswald de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Anita Malfatti, Victor Brecheret, entre outros, que contribuíram num ideal de identidade nacional baseado no abandono de práticas do século XIX e na incorporação de novas referências e dinâmicas. “[A] noção proletária da arte, da qual nunca me afastei, foi que me levou, desde o início, às pesquisas de uma maneira de exprimir-me em brasileiro. Às vezes com sacrifício da própria obra de arte”, pontuou Mario de Andrade em entrevista ao escritor e biógrafo Francisco de Assis Barbosa em 1944.

 

O nacional como provocação

Tomando como prioridade a busca por uma arte inteligível que se afinasse e refletisse, de alguma forma, o povo brasileiro, os modernistas também alcançaram excelência em estilo e forma. Segundo o pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Miguel Wisnik, a Semana de Arte Moderna serviu como “aguilhão provocador”, isto é, impulso criativo para o fortalecimento de novas expressões. “É no movimento pelo qual des-reprime o lastro de sua experiência com a música popular, posto em contato com o repertório da vanguarda europeia, que Villa-Lobos desencadeia, nos anos vinte, o impulso gerador de sua obra, que se confunde com uma espécie de visão sonora do Brasil”, afirma Wisnik, em texto para o catálogo da exposição BRASIL 1920-1950: De la Antropofagia a Brasília, realizada em 2000. Cada vez mais prestigiado por sua contribuição à música nacional, Villa-Lobos está presente na mostra por meio de uma reprodução fotográfica da partitura original de Bachianas Brasileiras.

Além da consagrada fotografia que reúne o grupo da Semana de 22 no Theatro Municipal de São Paulo, a mostra ainda apresenta reproduções de capas de livros publicados à época: Cobra Norato, de Raul Bopp, ganhou ilustração de capa de Flávio de Carvalho; O Homem e a Morte, de Menotti Del Picchia, foi ilustrado por Anita Malfatti; Pau Brasil, de Oswald de Andrade, foi ilustrado por Tarsila do Amaral; e Pauliceia Desvairada, de Mario de Andrade, contou com ilustração de capa de Di Cavalcanti. Somam-se a esses, a capa do programa e do catálogo da Semana. Segundo o professor (CES/JF) e pesquisador Anderson Pires, a Semana de 22 ganha cada vez mais valor com a passagem do tempo. “No atual estado de coisas, o movimento modernista realizou seu último ato: tornar-se um produto de massa”, avalia Pires em seu livro “Mario & Oswald – Uma história privada do Modernismo”.

Alinhavando a leitura que homenageia um dos eventos mais marcantes do século XX para o Brasil, a exposição Semana de Arte Moderna: 90 anos traz – além de reproduções de obras de Anita Malfatti, Victor Brecheret e John Graz – a reprodução da capa da primeira edição do livro História do Brasil, de Murilo Mendes, ilustrada pelo pintor Di Cavalcanti, que, visivelmente, soube refletir a carnavalização da história brasileira escrita pelo poeta. Publicado na sétima edição da Revista de Antropofagia, o poema Canção do Exílio de Murilo reflete não somente sua ironia, mas toda a inventividade e o desejo de transformação dos modernistas: “Minha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza”.