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Conversa com Murilo no MAMM

Conversa com Murilo

O diálogo entre o poeta juiz-forano e Renato Bressan celebra a profícua confluência entre um e outro com a mostra “Convergências Poéticas: De Murilo Mendes ao Twitter”

O olho armado do mais dileto poeta juiz-forano se afia mais uma vez, agora em face da proposta do pesquisador Renato Bressan com a exposição “Convergências Poéticas: De Murilo Mendes ao Twitter”. Trata-se de um ousado projeto multimídia, cuja intenção é instigar o público à reflexão, convidando-o a compartilhar conhecimentos e experiências sobre o projeto. Com inauguração prevista para o dia 19 de maio, quinta-feira, às 20 horas, a mostra ocupa a Galeria Retratos-relâmpago, no térreo do Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e fica em cartaz até 24 de julho.

Considerado a primeira mostra de arte interativa, móvel, em rede da história de Juiz de Fora, “Convergências Poéticas: De Murilo Mendes ao Twitter” está inserido nas homenagens aos 110 anos que o escritor completaria no último dia 13 de maio, lançando a cidade no circuito contemporâneo da arte tecnológica no Brasil. Bressan propõe um diálogo com Murilo, de alguém que se tornou fã, mas que pretende se colocar como um “velho amigo”, a despeito da separação histórica. “Até porque a criação é algo que não depende necessariamente da história escrita nos livros, é algo que acontece em um tempo próprio, com um sabor permanente de atualidade”, observa.

Bressan trabalhou em cima do livro “Convergência”, de Murilo Mendes, lançado em 1970, apresentando uma releitura da obra a partir de uma rearticulação de linguagens, ambientes e mídias. Sua ideia é promover uma discussão e uma aproximação entre a poesia muriliana e a arte contemporânea. A interação se dará pelo uso de software e de 40 #ReLet1 expostos em forma de QR Codes (códigos bidimensionais que armazenam informações textuais e podem direcionar os usuários a conteúdos online). A partir do uso de celulares, quem visitar o museu poderá descobrir o que existe por trás de cada código.  Os visitantes poderão também criar suas próprias poesias e postá-las no Twitter, no endereço http://twitter.com/murilograma..

Segundo Bressan, “o livro “Convergência” é não só uma rede que converge obras de artes ou linguagens, mas uma rede social em forma de um documento poético com pretensão “verbivocovisual”. Em outras palavras, é um processo artístico que diretamente remete à dinâmica hipertextual e hiperconectada da Web”. Para ele, a postura muriliana, neste livro, sintetiza com precisão a tecnocultura contemporânea e a dinâmica da rede mundial de computadores e sua conectividade, hibridismos e multiplicidades, onde está em jogo a convergência de mídias e linguagens. Está aí a plataforma lúdica reunida por Murilo em uma World Wide Web própria e pessoal.

ProCult: Poderia explicar a escolha de Murilo Mendes para seu projeto? Qual sua visão do poeta juiz-forano como um todo? Como vê o papel do Museu de Arte Murilo Mendes para além da preservação memorial.

Renato Bressan: A escolha de Murilo Mendes se deve ao fato de que, enquanto estava desenvolvendo o software #ReLet, era preciso não só conseguir o conteúdo textual de um autor para que o software funcionasse e produzisse novas poesias. Era preciso um autor que, de alguma forma, tivesse um vínculo interessante com meu trabalho, no sentido de contribuir trazendo um discurso vinculado ao seu tempo de vida, mas, ao mesmo tempo, com possibilidade de diálogo com o período atual, o qual chamamos de Tecnocultura Contemporânea – ou seja, esse período surgido, sobretudo depois da década de 1980, em que há uma explosão do acesso a Tecnologias de Informação e Comunicação, onde é possível compartilhar informações e experiências diversas, em redes sociais e plataformas online de modo quase que instantâneo e em nível global, em um fluxo contínuo de troca, colaboração e produção de conhecimentos de vários níveis.

Não sou um especialista em Murilo Mendes por enquanto; porém, pelo que tenho lido e pesquisado, sobretudo por conta do livro “Convergência”, lançado em 1970, percebo que Murilo, durante toda sua vida, se preocupou com esse movimento de busca, compartilhamento e produção de conhecimentos diversos – não só no sentido formal ou epistemológico, mas conhecimento de vida, experiências estéticas e sociais em vários níveis. Ele exercitou o movimento de criação – e, portanto, de colaboração e troca de conhecimentos – como ninguém.

Todavia, posso afirmar que antes de ter acesso ao livro “Convergência”, Murilo Mendes era apenas um nome nos anais da história da arte para mim, por ignorância minha mesmo. Porém, quando descobri este livro; aliás, quando esse livro me descobriu, há pouco mais de um ano, aconteceu comigo aquele “estalo” que geralmente ouvimos falar que os grandes artistas ou cientistas experimentaram. Parece que Murilo e sua obra eram exatamente os ingredientes dos quais eu precisava para construir esse projeto e fazer com que as coisas caminhassem como estão. Por isso o projeto se chama “Convergências Poéticas”, por conta do livro, claro, mas porque houve uma convergência muito interessante e profícua entre a minha postura e a de Murilo. Nesse sentido, a exposição é um diálogo, uma conversa com Murilo, ao lado dele, uma homenagem de alguém, no caso eu, que se tornou fã, mas que pretende se colocar como um “velho amigo” de Murilo, mesmo que estejamos separados historicamente. Até porque a criação é algo que não depende necessariamente da história escrita nos livros, é algo que acontece em um tempo próprio, com um sabor permanente de atualidade.

A ideia de fazer esse projeto no MAMM se deve a vários motivos – como a importância cultural do Museu em Juiz de Fora; o vínculo do Museu com Murilo Mendes e a importância do poeta nesta instituição; o fato de eu ser vinculado à UFJF desde 2005 (onde me formei em Comunicação e atualmente estou terminando meu Mestrado em Comunicação, no PPGCOM/UFJF), entre outros. Todavia, o mais importante talvez seja porque conheci Beto Campos, apresentei meu projeto a ele, ainda em rascunho, e vi que, assim como eu, os olhos dele brilharam. A partir daí sabia que estava com as pessoas certas: desde o atendente do Museu até o Pró-reitor de Cultura, José Alberto Pinho Neves.

ProCult:  Em seu texto de apresentação, você coloca que o livro “Convergência” seria uma espécie de rede social e um jogo, com brincadeiras e reflexões. Poderia explicar isso melhor, comparando o tempo do poeta e o tempo atual?

Renato Bressan: Em linhas gerais, a postura muriliana, neste livro, resume de maneira precisa a tecnocultura contemporânea e a dinâmica da rede mundial de computadores e sua conectividade, hibridismos, multiplicidades etc., onde está em jogo a convergência de mídias e linguagens; a participação ativa de artistas do mundo inteiro, trabalhando em locais diferentes, em um mesmo projeto; o comportamento emergente dos usuários em uma comunicação sempre contínua, em progresso, aberta em termos de significação, mutante.

“Convergência”, sobretudo em sua primeira parte, reforça o diálogo que o poeta faz com o mundo, com a arte e consigo mesmo. O livro é uma espécie de galeria, apontando passagens, fazendo links e conectando-se ao contexto do poeta e a toda uma rede de afetos, personagens históricos, sensações e linguagens. Seus grafitos e murilogramas são expressões que claramente nos remetem ao contexto atual de criação coletiva em rede e, principalmente, às redes sociais e plataformas online como Orkut, Facebook, Twitter, MySpace etc., no sentido de que cada grafito e murilograma assumem, na obra, a forma de um “scrap”, “tweet” ou comentário no perfil de uma pessoa, lugar, situação ou obra que faz parte da rede em que Murilo Mendes se situava. O livro convergência é não só uma rede que converge obras de artes ou linguagens, mas uma rede social em forma de um documento poético com pretensão “verbivocovisual”. Em outras palavras, é um processo artístico que diretamente remete à dinâmica hipertextual e hiperconectada da Web.

A segunda parte do livro, “Sintaxe”, ratifica o contexto contemporâneo e se adequa à lógica do #ReLet que propomos, ao demonstrar como a simples (re)combinação de letras, palavras, frases e sons, bem como a mudança de posição de palavras e letras, transformam o significado, abrem o processo de interpretação para o leitor. A série de poesias intituladas “Metamorfoses” reforça essa intenção de mutação, movimento, fusão do que quer que haja e a possibilidade de avessamento dos sentidos – o próprio texto “Palavras Inventadas” parece ser um exercício à parte de reinvenção do vocabulário, da linguagem, da maneira de se comunicar e fazer arte.

Além disso, algumas poesias presentes em “Convergência” (por exemplo: “Grafito na lápide dum alfaiate grego”, “A corda”, “Marcha do Poeta”, “Dois tempos”, “A Roda de Roma”, “A Noite Etrusca”, “Câmaras”, “Roma”, “Datas” e “Lunik”) são exemplos que, pelo número de caracteres, apontam para a tendência contemporânea inaugurada pelo Twitter. No caso de Murilo Mendes, estas poesias são espécies de “tweets” ou micropoesias que possuem, em média, 140 caracteres (como no Twitter).

ProCult – Você faz referências a “Murilograma ao Criador, identificando um pensamento que atualmente caracteriza as redes sociais. Murilo Mendes estaria à frente de seu tempo com sua teia de amigos, ainda hoje perceptível em sua coleção de obras de arte, dedicatórias e correspondências?

Renato Bressan: Não sei se seria correto dizer que Murilo estaria à frente do seu tempo, todavia posso dizer com base no livro “Convergência” que, se James Joyce foi um dos fundadores da Internet e da lógica hiperconectada da rede, Murilo pode ser considerado um dos desenvolvedores do que conhecemos como Rede Social hoje. Porém, o “Facebook” dele era o livro “Convergência”, naquela plataforma textual, física etc. Creio que os pesquisadores de Murilo podem corroborar isso com esta afirmação sua, sobre a coleção de obras do artista, dedicatórias etc. Murilo, como todo grande pensador, artista etc. sempre esteve rodeado de outros grandes pensadores, amigos etc., seja pessoalmente, seja via contato com a obra ou algum tipo de admiração. O que torna o trabalho de Murilo importante nesse contexto atual é que ele nunca escondeu esse contato e admiração por outros artistas, obras etc. Ele já havia captado que o artista não é alguém isolado do mundo e fez disso sua vida, ao lado de vários outros criadores.

ProCult – Você parece homenagear Murilo Mendes em seus 110 anos de nascimento, completados no último dia 13 de maio, convidando o público a compartilhar reflexões, conhecimentos e experiências sobre a obra Convergência. Isso seria uma somatória ao seu próprio trabalho?

Renato Bressan – Como disse acima, este trabalho não é só meu, também é de Murilo, é uma conversa que está acontecendo entre nós – e nós aqui inclui o Murilo, eu, minha equipe, o MAMM, a Funalfa, enfim, todos os apoiadores, instituições e pessoas envolvidas. E é uma honra para mim lançar minha primeira exposição com esse background todo. Espero contribuir com o desenvolvimento cultural e artístico na cidade.

ProCult – Poderia definir a importância deste seu projeto que sai pela Lei Murilo Mendes e é apresentado justamente na “casa” do poeta juiz-forano, ou seja, o MAMM? Você já tem o olhar destinado a decifrar o facetamento de alguma outra obra literária de Murilo Mendes?

Renato Bressan – Nem sei dizer a proporção que este projeto está tomando. Começou aqui no meu apartamento, eu fazendo jogo de palavras no Twitter, juntando frases aparentemente sem nexo de vários autores, mas que, quando fui ver, possuíam um padrão lógico e eram capazes de trazer uma nova sensibilidade e perspectiva estética, em termos poéticos.

Em termos de importância, as pessoas vão dizer melhor do que eu, aliás este projeto conta com o público, foi feito para o público e fui o primeiro a testar tudo isso, fui o primeiro visitante da minha exposição. Gostei e estou apostando nisso, mas, não depende só de mim. Sei que é uma responsabilidade muito grande querer “conversar” com Murilo, mas acho que ele me convidou a isso no mesmo momento em que o convidei para estar nesse projeto comigo.

No geral, eu só tenho a agradecer: primeiro à Letícia Perani que está ao meu lado há tempos, como parceira de pesquisas e aprendizagens diversas, a qual inclusive vai escrever comigo o livro que vamos lançar sobre este projeto; depois ao Beto que recebeu esse projeto de maneira muito positiva e me incentivou a procurar o Pró-reitor José Alberto, o qual também se interessou a apostar em alguém desconhecido como eu, um ninguém em JF, no que diz respeito à produção artística fora da Web. Porém, é preciso que seja destacado o fato de que toda essa orquestração só foi possível devido à aprovação do projeto na Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura, edição 2010 da Prefeitura de Juiz de Fora. Acho que esta parceria, entre UFJF, PJF, Murilo Mendes e todos nós realizadores é algo que devia ser feito com mais frequência na cidade, e espero contribuir com esse movimento.

Sobre fazer outros projetos envolvendo alguma outra obra de Murilo, bem, vamos esperar este projeto acontecer, ver se o poeta aceita mais uma parceria e se estaremos à altura.

Serviço

Exposição: “Convergências Poéticas: De Murilo Mendes ao Twitter”, de Renato Bressan.

Em cartaz: De 19 de maio a 24 de junho.

Local: Galeria Retratos-relâmpago, térreo do MAMM.

Endereço: Rua Benjamin Constant, 790, de 10h a 18h de terça a sexta e de 13h a 18h final de semana e feriado.

Contato: (32) 3229-9070 (MAMM) e ProCult (32) 2102-3964.