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MAMM abriga biblioteca de Cleonice Rainho

MAMM abriga biblioteca de Cleonice Rainho

Cerca de três mil itens, entre livros e correspondências, compõem o acervo da escritora, que se destina a ser uma relevante fonte de pesquisas para a UFJF

Cartas trocadas com o poeta Murilo Mendes e com o amigo Carlos Drummond de Andrade, além de ilustrações em bico de pena do artista plástico João Guimarães Vieira estão entre as preciosidades que a escritora Cleonice Rainho guardou em meio aos seus livros e aos do marido Jacy Thomaz Ribeiro, que formaram a biblioteca da família entre os anos 30 e 80 do século passado. É esse tesouro pessoal que a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), através do Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), guarda desde dezembro de 2010 com o propósito de proporcionar à comunidade acadêmica e à sociedade em geral uma fonte de pesquisa de qualidade sobre assuntos diversos.

O filho Fernando Rainho lembra que, no próximo dia 18 de março, Cleonice fará 96 anos. A decisão de doar a biblioteca da escritora tomou forma a partir de uma conversa com o irmão Luís Flávio sobre a importância de preservar a coleção dos pais, formada por obras de literatura, ciências políticas e conhecimentos gerais. “Somos só dois filhos e entendemos que não faria sentido guardar egoisticamente um acervo que começou a ser coletado à época em que Henrique Hargreaves e Joaquim Ribeiro de Oliveira eram os fundadores da faculdade de Letras que mamãe frequentava.”

 

Tesouro literário

Segundo a responsável pelo atendimento ao pesquisador no MAMM, Lucilha Magalhães, a doação consta de documentos bibliográficos e de arquivo que incluem cerca de três mil itens, entre livros, correspondências, cartas e manuscritos da escritora, assim como as pesquisas que efetuou para a realização de sua obra. Não há objetos museológicos. A coleção de Cleonice Rainho passa por processo de higienização, a fim de que, em seguida, seja inventariada, catalogada e inserida na base de dados da UFJF, o SIGA, para disponibilização ao público, ainda sem previsão de data.

O pesquisador Wanderley Luiz de Oliveira, que publicou em 2010 o livro “Cleonice Rainho – A busca e o encontro” , sobre a vida e a obra da escritora, conheceu de perto o acervo doado ao MAMM, avaliando que, além dos livros, o material inclui correspondências com importantes figuras das letras como Rangel Coelho, Lindolfo Gomes, Gilberto Alencar, Lêdo Ivo e Fábio Lucas.  Há também escritos de Adelmar Tavares, Serralvo Sobrinho, Marília Dias Ferreira, Campomizze Filho, Carlyle Martins, entre outros ilustres escritores.

Atual presidente da Associação de Cultura Luso-Brasileira, fundada por Cleonice Rainho e sob sua direção por 25 anos, Wanderley se apaixonou pelo trabalho da escritora, a ponto de também fazer uma incursão minuciosa pela história da Associação, que culminou no livro “Por mares nunca dantes navegados – A cultura luso-brasileira em Juiz de Fora”. Ele entende que Cleonice é uma personalidade que merece espaço no hall da cultura municipal e nacional, e que o interesse do MAMM abre uma janela especial para o seu reconhecimento.

 

Retrato de uma época

O professor Edimilson de Almeida Pereira, vice-diretor da Faculdade de Letras da UFJF, avalia que a política de formação de acervo do MAMM é valiosa e se insere de forma dinâmica em um contexto de preservação da história local e regional. Ele frisa que muito além de remeter à trajetória pessoal de determinada personalidade, uma coleção como a de Cleonice Rainho reflete o conjunto de relações culturais ao longo de toda uma vida, oferecendo o retrato de uma época, o que é um foco de pesquisa muito relevante.

O vice-diretor acredita que a biblioteca de Cleonice vem ratificar o fato de que a UFJF, como instituição pública, e o MAMM, como detentor de um projeto de formação de acervos, cumprem o papel de oferecer à sociedade uma interpretação sobre a época social a partir de um conjunto valioso, ao mesmo tempo em que homenageia determinada figura. Ele ressalta a importância da memória preservada, lembrando que um trabalho semelhante vem sendo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com escritores mineiros.

“A julgar pela importância da professora Cleonice Rainho, que integrou o quadro docente da UFJF, estou certo de que se trata de um conjunto valioso, com obras de qualidade, que muito contribuem como material de pesquisa”, diz Edimilson, que não teve a oportunidade de conviver com a escritora em um âmbito mais pessoal e, por isso, não conhece de perto a coleção doada, mas reconhece a expressão de sua obra literária e dos livros colecionados.

 

Uma história e tanto

Cleonice Rainho nasceu em Angustura, na mineira cidade de Além Paraíba. Bacharelou-se em Letras em Juiz de Fora, e, junto com Augusto Gotardelo foi para a Pontifícia Universidade Católica (PUC) no Rio de Janeiro, onde fez pós-graduação, voltando a Juiz de Fora na condição de professora.  Lecionou na Faculdade de Letras da UFJF e em outros estados. A carreira literária começou em colaborações na imprensa local, principalmente nos jornais “Gazeta Comercial” e “Diário Mercantil”. Integrou vários movimentos culturais e literários em diversos estados. Recebeu premiações em concursos e realizou inúmeras palestras sobre educação e cultura no Brasil, em Portugal e na África.

Com cerca de 30 obras publicadas, entre livros, antologias e ensaios, estão entre as principais “Terra corpo sem nome”, de 1970; “Vôo branco”, de 1979; “Intuições da tarde”, de 1990; “Verde vida”, de 1993; “O palácio dos peixes”, de 1996; “O linho do tempo”, de 1997; “Poemas chineses”, de 1997, e “Liberdade para as estrelas”, de 1998. Trabalhou para o Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais e para o MEC na Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (Cades).

Uma das fundadoras do Conselho Curador da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa), foi ainda criadora da Associação de Cultura Luso-Brasileira em Juiz de Fora, trabalho que lhe rendeu a “Ordem do Infante Dom Henrique”, concedida pelo Governo de Portugal. Ainda em Juiz de Fora, foi agraciada com a “Comenda Henrique Guilherme Fernando Halfeld”. Às vésperas de completar 96 anos, Cleonice vive em sua residência aos cuidados de três enfermeiras que se revezam, sob supervisão do filho Fernando Rainho.