Através da visão, o ser humano consegue apreender espaços, distâncias, cores e contraste. Não obstante, é o principal sentido utilizado para perceber o ambiente em que estamos inseridos. Esse fenômeno, no entanto, só é possível por causa da luz. Para enxergarmos, é necessário que raios luminosos reflitam nos objetos para então serem assimilados pelos nossos olhos. Portanto, a arte, campo de representação e expressão estéticas, por muitas vezes é devedora desse processo – e da luz, que também é a protagonista de uma série de matérias especiais que o Portal da UFJF está publicando em celebração da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, cujo tema este ano é Ciência, Luz e Vida.
O diretor e a pesquisadora em arte e tecnologia do Instituto de Artes e Design (IAD) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Ricardo Cristofaro e Adriana Gomes, embarcam em uma viagem pelo tempo, percebendo as diferentes utilizações da luz na construção artística: da capacidade de enxergar até a produção de projeções; do aproveitamento dos raios solares nos vitrais medievais à representação de luz e sombra em pinturas para conseguir profundidade; da transformação da energia luminosa em elétrica para alimentar instalações artísticas à reflexão sobre o uso das cores; e dos efeitos que essas cores podem produzir, como despertar emoções ou criar ilusões de profundidade.
A ilusão da luz
A forma como os artistas usavam a luz a seu favor ditou rumos artísticos desde a antiguidade. “A representação de figuras ornamentais, até a cultura grega clássica, era chapada. Não havia preocupação com a volumetria, responsável pela sensação de que o espaço pode ser habitado pelo olhar”, esclarece Ricardo Cristofaro. Como enganar o olhar e conseguir a impressão de tridimensionalidade em um suporte bidimensional? Segundo o pesquisador, há relatos de que os gregos conseguiam fazer sugestão de volumetria devido a um processo de representação de luz e sombra, mas essa técnica é dominada realmente no período do Renascimento (séc XV e XVI). A descoberta da tinta a óleo no século XIII foi importante para esses avanços, já que seu uso facilitava a criação do efeito de profundidade.
Durante o Barroco, no entanto, é que o acentuado contraste entre claro e escuro intensificou esse efeito, ampliando os limites do realismo. A luz é projetada para guiar o olhar do observador até o acontecimento – geralmente dramático – principal da obra.
Ciência é arte
“Gradativamente, a partir do final do séc XIX, são formadas alianças mais estreitas entre o que ocorre na ciência e o experimentalismo artístico. A partir do séc XX, o artista trabalha a possibilidade de fazer o que circulava no mundo moderno (avanço tecnológico, mecânico, técnico, hidráulico) ser aparato artístico”, afirma Cristofaro. “Na verdade, toda nova tecnologia que surge acaba sendo um potencial de linguagem para os artistas”, completa a pesquisadora Adriana Gomes.
Para Cristofaro, os pioneiros no uso da luz artificial na arte se valeram do audiovisual. Dadaístas e surrealistas usaram a tecnologia do cinema para produzir obras com uma narrativa distinta, com a possibilidade de pensar a luz emanada nos projetores como um elemento plástico.
Já na década de 60, os primeiros experimentos sendo feitos na área da videoarte com a televisão foram refletindo sobre novas formas de trabalhar a percepção e a luz. O interessante é notar como nenhuma das tecnologias – hoje já difundidas na arte – substituiu a usada anteriormente. “O que acontece é que quando uma tecnologia surge e os artistas se voltam a ela, é possível que um campo se crie e esse campo criado não acaba com a linguagem anterior. Pelo contrário, ele se sobrepõe numa linha de evolução de tecnologias em linguagem”, esclarece Adriana. “Todo trabalho de arte e tecnologia perpassa a luz, ou como a imagem é gerada ou representada.”
Natureza, tecnologia e arte
Há um ramo também para a luz natural na arte. Aproveitar elementos naturais para refletir sobre a percepção do espaço ou endossar o conceito de uma obra é um recurso poderoso de linguagem. Das descargas elétricas do céu à luz solar, artistas fizeram uso da natureza em seus trabalhos dos jeitos mais diversos. Uma instalação que alia as duas formas de luz – natural e artificial – é o Sistema Relacional (2000), de Adriana Gomes e Rosa Maria Gonçalves.
O trabalho era alimentado por energia solar. A energia era usada para fazer funcionar câmeras de segurança colocadas dentro e fora do espaço e havia um computador para gerenciar imagens e sons. Conforme o público entrava nesse espaço sensível, as imagens externas e internas e o som coordenado a elas eram disparados aleatoriamente.
Sobre a idealização do projeto, Adriana conta que estava estudando sistemas vindos da cibernética quando pensou que, se o trabalho é autossuficiente energeticamente, isso já é um grau de independência na obra de arte. “Já estamos pensando em obras com propriedades autônomas, como se ela tivesse uma autonomia em relação ao artista. E a energia solar foi essa propriedade autônoma que a gente encontrou.”
O caminho para o futuro é incerto e aberto para as mais variadas possibilidades, especialmente em se tratando de tecnologias que ainda estão para ser descobertas e aprimoradas, mas, para Adriana, é necessário ficar de olho na atualidade para trabalhar essas questões emergentes, pois é a partir delas que vão surgir as novas linguagens.