O Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) promove nesta sexta-feira, dia 26, às 19h, transmissão ao vivo com o tema “Interlocuções entre pesquisa e ativismo em diversidade sexual e de gênero”. Este será o quarto encontro virtual realizado pelo Gesed, no Instagram, para celebrar o Mês do Orgulho de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexos (LGBTI+). O grupo de estudos é coordenado pelos professores da Faculdade de Educação, Anderson Ferrari e Roney Polato.
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Na live desta sexta-feira, 26, o convidado é o pedagogo, mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), Cleyton Feitosa. Feitosa também é autor do livro “Políticas Públicas LGBT e Construção Democrática no Brasil”, publicado em 2017.
Em entrevista ao Portal da UFJF, o pesquisador falou sobre Democracia, Direitos Humanos, Educação e o atual cenário das Políticas Públicas LGBTI+ no país.
Confira a entrevista na íntegra:
Portal da UFJF – No Brasil, alguns dos principais direitos da comunidade LGBTI+ – como o casamento e a união estável de casais homoafetivos; a retificação do registro civil em cartórios pela população trans – foram definidos por meio de decisões do Judiciário e não do Legislativo, ou seja, não tornaram-se leis. Comente, por favor, acerca deste cenário, suas possíveis causas e implicações.
Cleyton Feitosa – Um primeiro elemento que chama atenção nesse fenômeno é a ausência de representação política da população LGBTI+ no Poder Legislativo. É um forte sintoma de déficit democrático do nosso sistema político, que tende a impor filtros que dificultam a presença dessa população nos espaços de poder. Por outro lado, esses filtros institucionais são porosos a homens, ricos, brancos, heterossexuais e cisgêneros. Muitos desses atores são conservadores e vinculados a igrejas católicas e evangélicas, que tem como agenda central impedir o reconhecimento de direitos da população LGBTI+ em virtude de suas visões morais e dogmáticas.
“A ausência de representação política da população LGBTI+ no Poder Legislativo é um forte sintoma do déficit democrático do nosso sistema político”
Esses dois fatores combinados resultam em um Legislativo muito refratário a minorias políticas, restando ao Judiciário o papel institucional de reconhecimento de direitos que estão previstos em ordenamentos legais mais amplos, como a Constituição Federal de 1988. Embora decisões do Supremo Tribunal Federal sejam importantíssimas e tenham efeito vinculante, o ideal seria que as casas parlamentares regulamentassem os direitos da população LGBTI+, ainda mais no cenário atual de ataque às instituições democráticas lideradas pelo Presidente da República.
Portal da UFJF – Em linhas gerais, qual o panorama das políticas públicas destinadas à população LGBTI+ no país?
Cleyton Feitosa – Após pouco mais de uma década de experimentação criativa de políticas públicas de direitos humanos LGBTI+ ao longo dos governos Lula e Dilma, que teve como marco o programa Brasil Sem Homofobia, em 2004, e que perdurou até a 3ª Conferência Nacional LGBT, em 2016, vimos a emergência de uma agitação política da direita e da extrema direita que almeja pôr fim ao pouco de avanços que conquistamos naquele período. Eu defendo a tese de que o Brasil, tendo como indutor central o Governo Federal e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – MMFDH (mas não só ele), vivencia um processo de desinstitucionalização das políticas públicas LGBTI+.
“Vimos a emergência de uma agitação política da direita e da extrema direita que almeja pôr fim ao pouco de avanços que conquistamos”
Segundo Débora Rezende de Almeida e Monika Dowbor que estão trabalhando com esse conceito, a mudança institucional pode ser tanto resultado de causas exógenas e abruptas (choques externos, mudanças ambientais, entrada de novos atores nas instituições) como de causas endógenas e incrementais. A causa externa principal foi a própria eleição de Jair Bolsonaro, seu grupo e seu projeto político conservador, que aposta no discurso de ódio como instrumento fundamental da política, dialogando aqui com Esther Solano. As causas internas e incrementais dizem respeito às mudanças no próprio Ministério de Direitos Humanos, órgão onde as políticas LGBTI+ ficam localizadas, que a partir de 2019 tem como titular Damares Alves, vinculada aos grupos evangélicos que sempre se opuseram aos direitos LGBTI+. Embora ainda existam ações aqui e ali, mais por mérito e esforço de determinados servidores e consultores que trabalham no Ministério, iniciativas mais estruturantes foram extintas ou minguadas, a exemplo do Conselho Nacional LGBT, que de 15 representantes da sociedade civil organizada passou a ter apenas 3 cadeiras, da 4ª Conferência Nacional LGBT, convocada ainda no Governo Temer e nunca realizada, e do fim da diretriz de promoção e defesa dos direitos da população LGBTI+ na Medida Provisória que instituiu o novo MMFDH.
‘Iniciativas mais estruturantes foram extintas ou minguadas, a exemplo do Conselho Nacional LGBT”
Para não ficar apenas nesse Ministério, tivemos o fim da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (Secadi/MEC), órgão responsável por políticas educacionais em gênero e sexualidade; o fim das campanhas específicas e direcionadas à prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST/Aids), cuja justificativa do então Ministro da Saúde à época, Luiz Henrique Mandetta, foi “não ofender as famílias”; a alteração do nome do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais para Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, obscurecendo a visibilidade do combate público à Aids, uma doença que historicamente tem atingido a vida da população LGBTI+.
“O presidente declarou à imprensa que a decisão do STF de criminalizar a LGBTIfobia foi completamente equivocada”.
Concluindo esse ponto, o Presidente Jair Bolsonaro declarou à imprensa que a decisão do STF de criminalizar a LGBTIfobia foi “completamente equivocada”. Também disse que o Supremo estava invadindo competências do Congresso, que estaria “aprofundando a luta de classes” e que a decisão prejudicaria os próprios homossexuais, já que os empregadores “pensariam duas vezes antes de contratar um/a LGBTI+”.
Portal da UFJF – Uma das estratégias adotadas pela extrema direita em momentos de crise como o atual é responsabilizar minorias raciais e sexuais pela decadência econômica, quando não pela “degradação moral” a que muitos podem identificar como motivadora da situação de adversidade. Comente, por favor, sobre esta afirmativa e suas possíveis consequências para a comunidade LGBTI+.
Cleyton Feitosa – Segundo Michel Foucault, a grande tecnologia do poder desenvolvida no Século XIX foi o dispositivo da sexualidade, um biopoder necessário para o desenvolvimento do modo de produção capitalista, que foi garantido à custa da inserção controlada dos corpos e por meio de um ajustamento dos fenômenos de população aos processos econômicos. O filósofo francês aponta como exemplos dessas tecnologias de poder a sexualização das crianças, através de campanhas contra a sexualidade precoce, por exemplo; o processo de estigmatização das mulheres como histéricas, feito em nome da responsabilidade delas com a família nuclear; e a psiquiatrização de práticas consideradas pervertidas.
“A chamada ‘ideologia de gênero’ se trata de uma campanha, um pânico moral, que visa pôr fim ao reconhecimento de direitos da população LGBTI+”
No Brasil de hoje, temos a chamada “ideologia de gênero” que se trata de uma campanha, um pânico moral, que visa pôr fim ao reconhecimento de direitos da população LGBTI+, promovida por instituições religiosas cristãs, fortemente reproduzida pela classe política conservadora. Vemos a emergência de discursos familistas que, como sabemos, coloca a mulher em posição subalterna no ambiente privado e a população LGBTI+ numa condição marginal nessa concepção tradicional. Não à toa foi criado o Ministério da “Família”.
“É pertinente pensar a recente desinstitucionalização das políticas públicas LGBTI+ como tecnologias de poder que visam reforçar as hierarquias sociais”
O desmonte das políticas sociais do Estado requer que a família, entenda-se a mulher, seja responsável pelos serviços de cuidado de crianças e idosos, por exemplo. Por fim, vemos a psiquiatrização de práticas sexuais dissidentes em projetos como a “Cura Gay”, liderados por autointitulados “psicólogos cristãos”, mas que na verdade têm vínculos com parlamentares fundamentalistas, em muitos casos são assessores lotados em seus gabinetes. É pertinente pensar a recente desinstitucionalização das políticas públicas LGBTI+ como tecnologias de poder que visam reforçar as hierarquias sociais e o rebaixamento da condição cidadã da população LGBTI+ brasileira. Como consequência, temos um ambiente mais propício para o exercício da violência contra essa comunidade, legitimada pelos discursos do Presidente e do seu grupo no poder que funcionam como poderosos incentivos. Há pesquisas que detectaram o aumento da violência contra minorias durante as eleições de 2018.
Portal da UFJF – Há alguma questão que você considere importante acrescentar?
Cleyton Feitosa – É preciso estar atento e forte, como diziam Caetano e Gil no auge da ditadura militar brasileira. Além das práticas e discursos de ódio em pautas morais, o atual governo atua fortemente para implementar reformas, medidas e políticas de precarização da vida que atingem em cheio a classe trabalhadora, da qual a população LGBTI+ também faz parte. Então, vigiar os movimentos de Damares Alves é tão importante quanto monitorar os passos de Paulo Guedes, o Ministro da Economia. Os movimentos de diversidade sexual e de gênero precisam denunciar permanentemente as injustiças que estão acontecendo, lutar pelo regime e pelas instituições democráticas, porque somente na democracia temos condições de lutar por direitos e maximizar a noção de solidariedade entre nós.
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