Predomínio das mídias digitais e vida agitada amplificam a força da cultura visual (Foto: Rodrigo Milanni/UFJF)

Em uma sociedade cada vez mais midiatizada e imagética, é comum a leitura de imagens trazer sentido para a vida cotidiana. Com o avanço das tecnologias e a população com menos tempo para conseguir conciliar suas atividades, associada à praticidade oferecida pelas mídias digitais, estamos cada vez mais inseridos em uma cultura visual. Assim, a pergunta que fica é: qual é o valor da imagem? E quais as suas contribuições para o ensino?

“As imagens nos educam desde cedo, uma vez que estamos expostos a elas cotidianamente e durante toda a nossa existência, o que nos constitui como uma sociedade imagética”, avalia o professor do Departamento de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Anderson Ferrari

Como forma de exemplificar a ideia, o docente relembra uma história de sua infância: em um shopping acompanhado da mãe, ficou diante da loja de uma famosa rede de restaurantes fast food. Mesmo não sendo alfabetizado, conseguiu identificar a marca e entender que aquele era um espaço de alimentação.

“A criança não sabe ler mas identifica a imagem não somente pelas letras, mas todo o conjunto do letreiro que vai constituir a informação e que se relaciona com outros espaços (as propagandas de TV, por exemplo) que educaram aquela criança para entender que ali é um espaço de alimentação.”

Ferrari usa como referência o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), um autor que não discutiu a cultura visual, mas sim os modos de subjetivação do sujeito, processo influenciado pelo repertório de imagens disponíveis. “Foucault vai perseguir, ao longo da sua trajetória de investigação, uma única pergunta: como nos tornamos o que somos?”

Segundo Aline Nunes, as imagens não são neutras: “são produtoras de discursos e efeitos nos sujeitos que se colocam em diálogo com elas, intencionalmente ou não” (Foto: arquivo pessoal)

Essas imagens são distribuídas, formam noções sobre o mundo, e não são neutras, como aponta a professora do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Aline Nunes. De acordo com a docente, é possível entender que as imagens são produtos, frutos de criações advindas de diferentes contextos e áreas de conhecimento, por exemplo.

“As imagens são produtoras de discursos e efeitos nos sujeitos que se colocam em diálogo com elas, intencionalmente ou não. E, neste caso, esses efeitos corroboram para que nossas ideias e modos de ser, pertencer e atuar no mundo se efetuem.” 

Papel do YouTube no processo de educação e aprendizagem

Fundada em fevereiro de 2005 por três ex-funcionários da empresa americana de tecnologia Paypal, Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, o YouTube é uma plataforma de vídeos on-line com mais de 1 bilhão de usuários ativos. Consolidado como uma das páginas mais populares da Internet mundial, o site revolucionou o modo de consumo de conteúdos audiovisuais e oferece uma ampla variedade de vídeos, desde tutoriais, programas de TV, vlogs pessoais e filmes. 

Além disso, criadores de conteúdo encontraram na plataforma uma poderosa ferramenta que permite alcances globais em audiência, o que possibilita, para alguns, uma sólida construção de carreira. O YouTube pode ser considerado uma ferramenta essencial na cultura digital, que influencia diretamente na forma como aprendemos, em nosso lazer e percepção de mundo.

Para Aline Nunes, a plataforma deve ser pensada como ferramenta para disseminação de conteúdos que não sejam padronizados e reféns dos modelos prontos. 

“A relação das artes com as mídias digitais me parece algo natural, inevitável, ou seja, um entrelaçamento que segue o fluxo daquilo tudo que é parte de nossas vidas. As artes passam a se utilizar dessas mídias como suporte de suas produções, uma vez que o próprio campo artístico se expande conforme as possibilidades que temos contemporaneamente”, afirma a docente, que acredita também na existência de um processo de aprendizagem no uso da ferramenta. 

Segundo Anderson Ferrari, o YouTube é um artefato cultural, educativo e também informático – isso porque usuários (principalmente crianças e adolescentes) usam a plataforma como uma espécie de ‘babá eletrônica’. Essa realidade representa um desafio na formação de professores. Ferrari também considera a possibilidade que o YouTube proporciona de “abrir espaços para que as pessoas que antes não eram sujeitas das suas histórias, possam construir material”.  

“Com isso, a plataforma tem seus desafios e ao mesmo tempo potencialidades e cada caso tem que ser visto de forma cuidadosa”, acredita. 

Como aponta a professora da Faculdade de Comunicação (Facom) da UFJF, Janaina Nunes, a leitura e escrita são instrumentos fundamentais no processo de ensino-aprendizagem. Mas o audiovisual é também muito importante, pois ouvir e ver contribui muito para a compreensão e a memorização de ideias e conceitos. O audiovisual tem o potencial de despertar a atenção e ampliar as percepções acerca dos sentidos das narrativas. 

Ainda de acordo com ela, com o YouTube o que vemos é uma grande variedade de conteúdos em audiovisual sendo produzidos e compartilhados – um recurso muito importante, se bem utilizado. 

“Os professores precisam conhecer e experimentar esses recursos para saber como aplicar em suas práticas pedagógicas, pois esses recursos jamais substituem o papel do educador. Mesmo em educação a distância, o professor como curador e produtor de conteúdos será sempre a peça fundamental nos processos formativos.”

Mídias e educação: A contribuição no ensino-aprendizagem

O uso das tecnologias durante o processo de aprendizagem já está incorporado no cotidiano da sociedade. Para a professora Janaina Nunes, vivemos em um período em que as tecnologias e mídias digitais estão cada vez mais disponíveis, acessíveis a qualquer pessoa para consumo, criação e compartilhamento de conteúdos. 

Para Janaina Nunes, mídias digitais podem potencializar processo de ensino-aprendizagem. “Mas é preciso aprender e ensinar a usar esses recursos de forma crítica e responsável” (Foto: arquivo pessoal)

Além disso, ela também ressalta que é preciso desenvolver um pensamento crítico e compreender os processos de produção desses conteúdos, seu alcance, suas consequências e as responsabilidades em relação a usos e criações. Por isso é importante trabalhar a literacia midiática, a alfabetização para as mídias tanto para alunos quanto para professores.

“As mídias, aplicativos e plataformas digitais podem potencializar o processo de ensino-aprendizagem, tornar mais determinados conteúdos mais atrativos, deixar conceitos abstratos mais atrativos, proporcionar visualidades tridimensionais de células e partes do corpo no ensino de Biologia, por exemplo. Mas é preciso aprender e ensinar a usar esses recursos de forma crítica e responsável”.

Plataformas como Google Classroom e Moodle foram desenvolvidas especialmente para a educação, o que possibilita acesso a materiais, videoaulas, recursos interativos e trocas dialógicas. Mas também é possível ver apropriações criativas de plataformas digitais desenvolvidas com finalidades recreativas ou mesmo comerciais que estão sendo usadas por educadores para potencializar os processos de ensino-aprendizagem.

Mas, como aponta a professora Aline Nunes, em alguns espaços educacionais há uma grande resistência em refletir sobre a relação com os meios digitais – seja por temor ou preconceito, a temática é colocada como antagônica ao que “deve ser aprendido” ou que seja “verdadeiramente relevante”. Em outros, os meios digitais são vistos como possibilidades interessantes, a depender do que é produzido a partir desses canais. 

“É possível utilizá-los em conformidade com os modos pelos quais individualmente estamos acostumados a explorá-los. E isso talvez gere boas experiências. No entanto, acredito que seja pela subversão destes modos acostumados e padronizados de se usar os meios digitais que possamos chegar a uma experiência realmente inovadora, surpreendente, fora do comum.” 

A formação de ideais motivada pela imagem

Anderson Ferrari aponta para o risco de construção de imagens reforçar estereótipos e preconceitos (Foto: Giulia Vaz/UFJF)

A educação pelas imagens, de acordo com Anderson Ferrari, também interfere na forma como enxergamos as pessoas e seus pertencimentos de gênero, sexualidade e raça, por exemplo. Mas elas não falam por si só – exigem um sujeito que irá completá-las. Só assim essas imagens poderão ser significadas, acionando formas de saber e impactando as formas de pensar e agir.

O perigo é a formação de estereótipos, imagens que reforçam formas de pensar discriminatórias, que menosprezam e cristalizam identidades e imagens dos sujeitos. “Como trabalho com educação, sempre alerto para a importância de a escola deseducar o olhar: as crianças chegam às escolas com o olhar educado e é importante a escola colocar sob suspeita determinadas formas de olhar para poder enxergar as imagens de outra forma.”

Como também demonstra Ferrari, não existe imagem sem a produção dos sujeitos, de tal forma que a imagem é um artefato cultural, uma produção humana. No entanto, ela é a produção de uma forma de pensar que antecede à sua criação. Os sujeitos responsáveis por aquela produção também foram influenciados por outras imagens. 

As produções audiovisuais também fazem parte desse processo de formação de imagens. “Neste sentido toda produção audiovisual responde a duas perguntas: quem eu penso que o meu espectador é? Quem eu quero que ele seja? As imagens respondem a essas duas perguntas. Quando elas se organizam a partir das respostas a essas duas perguntas elas estão investindo na mudança social dos sujeitos.”

Como essas representações são sempre atravessadas por relações de saber-poder, é necessário colocar sob suspeita nossas formas de ver e, consequentemente, colocar sob investigação nossas formas de pensar e agir. 

“Não por acaso, que os movimentos sociais, tais como o movimento negro e o movimento LGBTQIA+ reivindicam nas suas lutas a desconstrução de imagens negativas dos sujeitos pertencentes a essas identidades, assim como a construção de imagens positivas que transformem nossas formas de pensar e agir.”

UFJF oferece curso de especialização em Mídias na Educação

Desde 2012, a UFJF oferece a especialização lato sensu em Mídias na Educação na modalidade a distância, com financiamento pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), voltado à formação complementar de professores na área da educação para o desenvolvimento de estudos das potencialidades pedagógicas das mídias contemporâneas na educação e na sala de aula.

Desde a sua implantação, o curso já formou seis turmas. A última se encerrou no último mês de abril, atendendo alunos de cinco cidades mineiras: Juiz de Fora, Barroso, Conselheiro Lafaiete, Durandé e Lavras. 

O curso tem duração de 18 meses e o conteúdo passa por atualizações a cada período. “Os efeitos das aprendizagens desenvolvidas no curso de especialização são multiplicados quando estes educadores começam a utilizar os recursos de mídias em suas práticas pedagógicas, como por exemplo, no momento em que o docente consegue despertar a atenção de seus alunos com recursos dinâmicos e interativos próprios das mídias digitais”, afirma a professora Janaina Nunes, que também é coordenadora da especialização. 

Formandos do curso de especialização em Mídias da Educação do polo Juiz de Fora em abril de 2024 (Foto: arquivo pessoal)

Acadêmicos da Universidade criam conteúdo no YouTube

Professores e pesquisadores da UFJF, por meio de seus projetos de pesquisa, ensino, extensão, inovação e cultura, administram uma série de canais no YouTube. São mais de 50 endereços, dentre eles, o canal oficial da UFJF. Juntos, esses canais somam mais de 5 milhões de visualizações e mais de 60 mil inscritos, e contribuem para a difusão de conteúdos educacionais na plataforma, de forma gratuita e acessível, o que contribui para a democratização do conhecimento. 

Os canais possuem uma ampla variedade de conteúdo e abordam assuntos relativos a cada projeto desenvolvido nas unidades acadêmicas da instituição. Para conhecer os canais disponíveis, clique aqui.