O Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) realiza nesta sexta-feira, dia 19, às 19h, transmissão ao vivo com o tema “Bio-necropolíticas genderizadas, contra-colonialidades e o dia seguinte”.  Este será o terceiro encontro virtual promovido pelo Gesed, no Instagram, para celebrar o Mês do Orgulho de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexos (LGBTI+).  O grupo de estudos tem coordenação dos professores Anderson Ferrari e Roney Polato, da Faculdade de Educação (Faced/UFJF).

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Fátima Lima, professora da UFRJ, é a convidada do Gesed na live desta sexta-feira, 19 (Foto: arquivo pessoal)

Na live desta sexta-feira, 19, a convidada é a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fátima Lima. Antropóloga e feminista alinhada ao feminismo negro, decolonial e anti-colonial, a pesquisadora é  doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ). 

Em entrevista ao Portal da UFJF, Fátima Lima falou sobre o racismo, a lgbtfobia, os acirramentos no contexto neoliberal, o colonialismo e  o papel das universidades. “Em países como o Brasil, como bem colocou recentemente numa entrevista Grada Kilomba,  há uma reencenação de um passado colonial. Essa reencenação se atualiza através de imagens, de discursos, de práticas, que retroalimentam as hierarquias, as divisões, os processos de subalternização”, aponta.

Confira abaixoa  entrevista na íntegra:         

Portal da UFJF – Fale-nos um pouco, por favor, acerca das funções do racismo e da LGBTfobia, ligadas ao poder do Estado, na introdução de hierarquias, distinções e classificações, e sobre como a destruição de vidas negras e LGBT se aperfeiçoam no contexto neoliberal. 

“A discussão do racismo é indissociável do debate da LGBTfobia, é indissociável da discussão sobre o Estado e, consequentemente, da ideia de democracia” 

Fátima Lima – A discussão do racismo é indissociável do debate da LGBTfobia, é indissociável da discussão sobre o Estado e, consequentemente, da ideia de democracia. Não existe ideia de democracia sem que tenha como substrato o racial e o gênero. Quando falamos de raça, falamos também de gênero. Quando falamos de gênero, falamos também de raça. A ideia de um racismo genderizado se liga ao poder estatal de diferentes maneiras. O Estado atua, a partir de suas instituições, classificando, hierarquizando e criando também a ideia de um “inimigo”, passível de ser exterminado. O Estado naturaliza e legitima a destruição desse “outro”. O “inimigo” tem cor e tem também gênero.   As populações mais afetadas por essa aniquilação, esse extermínio, são as populações racializadas, as populações negras, a população LGBTQI+, ou seja, as populações que estão fora dos privilégios de raça, classe, gênero e território. Neste contexto neoliberal, essas questões têm se acirrado de forma muito profunda. Quando discutimos a partir de uma bio-necropolítica genderizada, que é como venho tentando debater, é impossível entender essa maquinaria sem compreendermos o capitalismo, as relações dentro do capitalismo e, principalmente, o neoliberalismo.

Portal da UFJF – Conte-nos, por favor, sobre as consequências do colonialismo nos dias atuais, em especial para mulheres negras e LGBT, nos países da periferia do capitalismo, como o  Brasil. 

Fátima Lima – Costumo pontuar, usando outros intelectuais, como Frantz Fanon por exemplo,  que a colonialidade é extremamente forte. É mais do que persistente, é atuante nos dias de hoje. O que seria pensar essa colonialidade? Eu prefiro o termo colonialidade. É pensar os processos de hierarquia, de classificação, os processos de distinções que são binários, que alimentam uma ideia de que há sempre outros corpos e subjetividades prontos a servir. Temos inúmeros exemplos, desde a arquitetura, que ainda separa um elevador de serviço de um elevador social, que continua sustentando ainda o ‘quarto da empregada’, ou seja, toda a construção de uma espacialidade, corporal, subjetiva, que mostra elementos fortes de colonialidade. Outro exemplo: em meio a uma crise pandêmica, um determinado prefeito e um determinado governador colocaram na lista de trabalhos essenciais o trabalho das empregadas domésticas. Esse ato em si, esse é um “ato dispositivo” mostra elementos de colonialidade muito fortes e uma naturalização de corpos e subjetividades que estão só para servir.

“Em meio a uma crise pandêmica, colocaram na lista de trabalhos essenciais o trabalho das empregadas domésticas. Esse é um ‘ato dispositivo’ mostra elementos de colonialidade muito fortes”

Essa hierarquia é antes de tudo racial, sustentada por uma heterossexualidade compulsória, por uma cisheteronormatividade. Precisamos compreender o que queremos falar quando mencionamos a colonialidade persistente e como atinge, sobretudo e em especial, alguns corpos e subjetividades, dentre os quais as mulheres negras e a população LGBTQI+. Em países como o Brasil, como bem colocou recentemente numa entrevista Grada Kilomba,  há uma reencenação de um passado colonial. Essa reencenação se atualiza através de imagens, de discursos, de práticas, que retroalimentam as hierarquias, as divisões, os processos de subalternização.         

Portal da UFJF – Na sua avaliação, quais podem ser as estratégias mais eficazes ao enfrentamento das situações mencionadas nas questões anteriores? Qual seria o papel da academia neste contexto? 

“O povo negro, o povo afrodescendente e a população LGBTQI+, a persistência deles enquanto vida é a forma mais estratégica que temos no enfrentamento a todas essas situações de aniquilamento mencionadas”

Fátima Lima – Tem uma grande intelectual e artista, a Jota Mombaça, que diz o seguinte: é preciso aprender a desesperançar, a caminhar numa desesperança e encarar efetivamente o que está na nossa frente, que é esse passado colonial, e fortalecer estratégias que existem e estão aí. Não são de agora. Aliás, o povo negro, o povo afrodescendente e a população LGBTQI+, a persistência deles enquanto vida é a forma mais estratégica que temos no enfrentamento a todas essas situações de aniquilamento mencionadas. Temos na produção desses corpos e subjetividades uma persistência ao tempo dos assassinos. A academia tem um papel fundamental. Não consigo entender a academia sem o lugar de atuação, de compromisso político, ético e estético com os modos de vida. Esse é o lugar da academia, esse deveria ser o verdadeiro sentido da academia. Só há na verdade sentido para a produção do que podemos chamar de conhecimento, de epistemologias e metodologias, se realmente houver o reconhecimento da multiplicidade da dimensão da vida. Precisamos parar de considerar que a academia é o grande lugar da intelectualidade. Não é. A intelectualidade e a produção dela estão em outros lugares também. Construímos uma academia muito colonial. É preciso construir um outro sentido de academia.    

“Não consigo entender a academia sem o lugar de atuação, de compromisso político, ético e estético com os modos de vida. Esse é o lugar da academia, esse deveria ser o verdadeiro sentido da academia”     

Portal da UFJF – Há alguma questão que você considere importante acrescentar?

Fátima Lima – Precisamos nunca perder a perspectiva da multiplicidade, precisamos sempre pensar e entender essas situações muito corporificadas, muito localizadas, muito situadas. Precisamos discutir muito também a dimensão de classe, geracional, de território. Para o entendimento tanto das práticas racistas como das práticas lgbtfóbicas, é preciso que  estejam articuladas, sejam observadas a partir de uma lente que compreenda os diferentes processos sociais. Para enfrentar isso, precisamos fugir da captura das universalizações e das essencializações. Acho importante acrescentar isso.  

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