Hebe Mattos: “O Centro será um arquivo digital para dar visibilidade ao conhecimento sobre a experiência negra na cidade” (Foto: arquivo pessoal)

O Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi/Afrikas) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) lança, no dia 30, o Centro de Referência Virtual Juiz de Fora: Cidade Negra”. O objetivo da iniciativa é reunir e conferir visibilidade ao conhecimento já existente acerca da memória negra no município,  além de produzir novos conteúdos sobre o tema, em especial entrevistas de história oral e registros audiovisuais.

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“O Centro será, antes de mais nada, um arquivo digital, um repositório para dar visibilidade ao conhecimento que já existe sobre a experiência negra na cidade, ao mesmo tempo em que produz novos conteúdos”, explica a professora titular do Departamento de História, coordenadora do Labhoi/Afrikas e uma das idealizadoras do Centro de Referência, Hebe Mattos.

A doutoranda em História na UFJF e também idealizadora da iniciativa, Giovana Castro, acrescenta que o Centro Virtual manterá contato e diálogo permanentes com pesquisadores e ativistas do Movimento Negro. 

Giovana Castro: “Que o espaço seja um local de democratização do acesso,  mas também gerador de novas publicações e diálogos” (Foto: arquivo pessoal)

“A ideia é que seja um repositório que tenha alimentação contínua, reunindo fontes e publicações sobre a memória negra. Lá estarão trabalhos publicados: artigos, dissertações, teses, monografias. Nosso sonho é que materiais, que atualmente se encontram em arquivos pessoais, possam ser mapeados e disponibilizados, bem como entrevistas, fotografias, livros, que o espaço seja um local de democratização do acesso,  mas também gerador de novas publicações e diálogos com ativistas que lutam pela preservação dessas memórias.”

O que nos diz o silêncio?

Ambas as pesquisadoras ressaltam a relevância da trajetória da população negra para Juiz de Fora. Entretanto, apontam a insuficiência de registros públicos sobre o tema no município.

“Juiz de Fora nasce da expansão cafeeira que funda a modernidade escravista brasileira no século XIX. Também se afirma como cidade industrial e escravista na segunda metade do século, e se mantém como cidade de grande expressão negra ao longo dos séculos XX e XXI”, salienta Hebe Mattos. 

Para a pesquisadora  Giovana Castro,  Juiz de Fora criou sobre si uma mitologia de cidade moderna e industrial, cujas narrativas apagaram a presença negra nesse processo.  

“Juiz de fora criou sobre si uma mitologia de cidade moderna e industrial, cujas narrativas apagaram a presença negra nesse processo” – Giovana Castro

“Isso é tão forte que não há no município uma memória pública negra significativa. Essa narrativa parcial impede, deslegitima, a ancestralidade negra e cria uma atmosfera que retira de Juiz de Fora sua identidade atlântica e diaspórica. Demorou muito para que órgãos da cultura local atentassem para essa presença negra na cidade e ainda são muito tímidas as ações de mapeamento e guarda desse patrimônio.”

A avaliação é compartilhada por Hebe Mattos. Natural do Rio de Janeiro e acumulando mais de três décadas de experiência em pesquisas sobre escravidão, abolição e memória, a professora chegou a Juiz de Fora em 2018, vinda da Universidade Federal Fluminense (UFF), para o exercício da docência e pesquisa na UFJF. Em sua chegada, relata Mattos, houve a constatação prática da invisibilização da trajetória negra no município.  

“O silenciamento sobre a experiência negra é a forma por excelência de funcionamento do racismo institucional brasileiro” – Hebe Mattos

“O silenciamento sobre a experiência negra é a forma por excelência de funcionamento do racismo institucional brasileiro. Eu cheguei na cidade, em 2018, com muita certeza de que estava chegando em uma cidade negra que nasceu da modernidade escravista. Não sei se fiquei surpreendida ao perceber, sobretudo nas discussões em sala de aula da graduação, que a memória pública da cidade estava construída em outros alicerces, como a industrialização e a imigração alemã, de maneira quase desvinculada do fato escravista e, sobretudo, da experiência negra na liberdade”, conta.

“Nova maneira de perguntar e pensar sobre o passado”

Quando indagada acerca da importância deste resgate histórico por meio da criação do “Centro de Referência Virtual Juiz de Fora: Cidade Negra”,  Hebe Mattos salienta a necessidade de atentarmos, principalmente, ao motivo pelo qual essas histórias estão sendo retomadas neste momento.  De acordo com a pesquisadora, a nova maneira de perguntar e pensar sobre o passado é viabilizada pelo investimento, ocorrido nas últimas décadas, em diversidade no espaço acadêmico. 

“Na medida em que o ambiente acadêmico passa a ser mais diverso, as perguntas se atualizam e iluminam silêncios e esquecimentos que antes não incomodavam” – Hebe Mattos

“Na medida em que o ambiente acadêmico passa a ser mais diverso, tanto do ponto de vista social, quanto do ponto de vista racial, as perguntas se atualizam e iluminam silêncios e esquecimentos que antes não incomodavam. É um enorme orgulho poder abordar tais questões em perspectiva histórica, em uma universidade pública brasileira, com um grupo de pesquisadores social e racialmente diversos, jovens, brilhantes e entusiasmados”, conclui.

Ciclo de debates

Na mesma data de lançamento do Centro de Referência, dia 30, o Labhoi/Afrikas dará início ao ciclo de debates “Juiz de Fora: Cidade Negra – reflexões sobre silêncio, racismo e história”.  A atividade acontece, às 17h, nas redes sociais do grupo de pesquisa.  

Neste primeiro encontro, estão confirmadas as presenças da historiadora juiz-forana Rita de Cássia Félix; da professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Wlamyra Albuquerque; e da professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ynaê Lopes dos Santos.

Saiba mais:

“Ciclo de debates Juiz de Fora, Cidade Negra” começa no dia 30

Laboratório de História Oral e Imagem da UFJF

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