O Laboratório Afrikas de Audiovisual (LabAfrikas) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) lança luz sobre uma temática fundamental para a compreensão das desigualdades brasileiras, o racismo estrutural e as suas diversas implicações. O grupo divulgou nesta sexta-feira, 22, o primeiro episódio da websérie “Reflexo Reverso”.
“O outro em branco”, disponível na íntegra nas redes sociais, tem como tema a branquitude, a pertença étnico-racial dos brancos. A análise do racismo a partir dessa perspectiva é inédita na instituição.
Confira o primeiro episódio da websérie Reflexo Reverso:
O LabAfrikas conjuga ensino, pesquisa e extensão e tem coordenação da professora do Departamento de História da UFJF, Fernanda Thomaz. “O outro em branco” aborda o racismo a partir daqueles que se beneficiam dessa estrutura segregadora, o que ainda é pouco usual na academia, apesar de haver vasta produção científica sobre o assunto.
“É curioso pensar que a branquitude se tornou um campo de estudos somente nos anos 1990. William Du Bois já estava apontando para a necessidade de estudar a identidade branca como constituinte das relações raciais desde a década de 1930. Mesmo com a luta dos direitos civis nos EUA, na década de 1960, não se deu a devida atenção aos estudos da branquitude. Na verdade, o que surgira ali, naquele momento, era campo de estudos em torno da negritude, tais como Estudos Africanos e dos negros”, explica a professora Fernanda Thomaz, que é doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
“William Du Bois já estava apontando para a necessidade de estudar a identidade branca como constituinte das relações raciais desde a década de 1930”, explica a professora Fernanda Thomaz
“Branquitude acrítica”
Na UFJF, a iniciativa do LabAfrikas é pioneira tanto no que diz respeito à abordagem da temática das relações raciais a partir da branquitude quanto na linguagem adotada para comunicar, o audiovisual. A estratégia objetiva disseminar o conhecimento acadêmico em linguagem mais acessível para todos os públicos, valorizando a diversidade de epistemologias.
“Para entender a negritude, é preciso refletir sobre a branquitude. E eu não estou falando do Brasil, no qual a branquitude se apresenta como um campo ainda num estágio embrionário. Se pararmos para pensar, é com a tese da Maria Aparecida Silva Bento, em 2002, que o tema se coloca como um lugar importante a ser estudado para entendermos melhor a configuração racial do nosso país. Mas, ainda assim, é muito recente e caminha em passos tímidos”, aponta Fernanda Thomaz.
A invisibilização da branquitude nas pesquisas acadêmicas, alerta a pesquisadora, reforça o racismo em vários níveis da sociedade: da política à economia, e nas instituições de um modo geral.
“Tudo isso explicita a forte presença de uma branquitude na nossa realidade social, que tampouco consegue deixar de se ver como universal, não racializada e sem qualquer vínculo com o racismo perpetrado na sociedade. Isso, para mim, é o que o pesquisador brasileiro Lourenço Cardoso chamou de branquitude acrítica. Não pensar no seu papel na produção e reprodução ou na estruturação e institucionalização do racismo, é exercer a branquitude sem fazer um esforço, minimamente, crítico. É claro que falo isso para a população branca, que é quem controla grande parte dos centros de pesquisa e instituições de ensino superior no Brasil.”
Outros referenciais teóricos
O episódio piloto da websérie tem como principal referencial teórico a obra do psiquiatra e filósofo, Frantz Fanon.
“De uma forma geral, das referências que usamos no filme, o que chamou muito a atenção da minha equipe de iniciação científica foi a aproximação dos autores com a Psicologia. Frantz Fanon, Albert Memmi…. Aqui, no Brasil, a Lia Vainer. Esses pesquisadores debruçam-se para pensar não somente como as pessoas brancas se veem e se manifestam, como também quais são e foram os efeitos psíquicos da branquitude. Esses autores são os que transitam diretamente pela Psicologia. Mesmo aqueles que não estão no campo da Psicologia acabaram fazendo esse diálogo. Du Bois e Guerreiro Ramos chegaram a fazer isso, mesmo que indiretamente. Gosto muito das análises do Fanon nesse sentido, que pensou na manifestação da branquitude nos sujeitos negros e brancos. Na verdade, Frantz Fanon será o pilar de todos os vídeos dessa série “Reflexo Reverso”, afirma a professora.
Racializar o branco
Para a graduanda em Cinema e Audiovisual na UFJF e integrante do LabAfrikas, Renata Dorea, outro referencial teórico fundamental para elaboração de “O outro em branco” foi o livro Memórias da Plantação, de Grada Kilomba, pesquisadora, escritora, psicóloga e artista interdisciplinar portuguesa.
“Essa leitura foi muito importante para refletirmos o que seria e quem seria o outro. Assumir a existência de uma branquitude é assumir os privilégios de um pacto narcísico, deslocando esse sujeito antes universal para o lugar de racializado. Desmascarando o sujeito branco universal como reflexo obrigatório e inconsciente da humanidade. Grada, tal como Fanon, aborda temas da Psicologia e o audiovisual é uma importante ferramenta para descolonizar o imaginário coletivo, que perpetua o racismo estrutural”, ressalta.
Uma das responsáveis pela montagem e fotografia do episódio piloto da websérie “Reflexo Reverso”, Renata destaca que a narrativa visual buscou entrelaçar diversos momentos nos quais a branquitude é exposta.
“Entre clássicos filmes norte-americanos, como ‘Nascimento de uma nação’ , de Griffith, e trechos de propagandas em paralelo a quadros de Debret . O caráter experimental de alguns momentos da edição se deve muito ao pensamento de criar um vídeo no qual a principal difusão é pelas redes sociais. Dessa forma, o ritmo e as multi-janelas são algumas das características das webséries e das narrativas seriadas, tal como a identidade visual e as possibilidades de interação do público. A liberdade criativa do conteúdo cibernético faz com que um vídeo seja híbrido, uma mistura de ficção, trechos documentais e vídeos de arquivo. Foi um projeto muito importante para mim, toda equipe se dedicou muito. Foram meses editando e, por construirmos coletivamente, foi possível alcançar essa obra audiovisual tão dinâmica e interessante”, conclui.
O Laboratório Afrikas de Audiovisual é interdisciplinar, e conta com graduandos dos bacharelados em Ciências Sociais; História; Jornalismo; Rádio, TV e Internet; Artes e Design; e Cinema. Tem ainda a colaboração de uma estudante do Mestrado em História.
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