Em 29 de janeiro é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A data marca a luta por cidadania das pessoas que não se identificam integral ou parcialmente com o gênero designado ao nascimento. É notório que, no Brasil, essa população ainda precisa reivindicar direitos fundamentais, como à vida, à segurança, à educação, ao trabalho, à igualdade.   

Na atualidade, o Centro de Referência LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros,Transexuais, Queers e Intersexuais) é  a iniciativa, desenvolvida pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com o maior quantitativo de participantes trans.  

Professor Marco (quarto da esquerda para a direita) com alguns dos integrantes do Centro de Referência LGBTQI+ da UFJF (Foto: Gustavo Tempone)

Desse modo e com o objetivo de contribuir para o debate, o Portal da UFJF inicia nesta terça-feira, 28, uma série de entrevistas com alguns dos integrantes do CeR-LGBTQI+. Aos entrevistados foi solicitado que indicassem quais temáticas deveriam ser abordadas. A intenção  é que as publicações da instituição possam colaborar, mesmo que minimamente, para a conquista da cidadania por todas e todos sem qualquer distinção.   

Os temas escolhidos pelos quatro participantes da comunidade trans e pelo coordenador do CeR-LGBTQI+ e professor da Faculdade de Serviço Social, Marco José de Oliveira Duarte, foram: violência, trabalho, retificação do registro civil, nome social e respeito ao uso dos banheiros de acordo com a identidade de gênero. 

Na primeira publicação da série, o entrevistado é o coordenador do Centro de Referência. O docente destaca a situação de vulnerabilidade das pessoas trans na cidade e no país, além de apontar, dentre outras questões, as dificuldades para a realização do processo transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS) e a importância da organização coletiva das minorias.  

Confira a entrevista na íntegra:

Portal da UFJF – O CeR-LGBTQI+, sob sua coordenação,  completará seis meses em 5 de fevereiro próximo. Esse é, atualmente, o projeto da UFJF que reúne o maior quantitativo de pessoas trans. Fale-nos, por favor, sobre a situação de vulnerabilidade desse grupo na cidade e no país.

Marco Duarte: “Juiz de Fora tem uma característica bem marcante que é a ausência de políticas para a população LGBT” (Foto: Gustavo Tempone)

Marco Duarte – Juiz de Fora tem uma característica bem marcante que é a ausência de políticas para a população LGBT no geral e para a população trans em particular. Eu estou aqui desde 2018. A partir de outro projeto, do Observatório da Diversidade Sexual e de Gênero, o Diverse, começamos a fazer vários levantamentos de dados a respeito, nos campos da saúde, da educação, da assistência social, do trabalho, do lazer, dentre outros. No campo macroscópico das políticas públicas, Juiz de Fora não implementa nada para essa população. Um esforço, realizado pelo Diverse e pelo Centro de Referência LGBTQI+, articulados com o Centro de Referência de Direitos Humanos (CRDDH), no sentido de ter um espaço de hormonização, revelou o quanto ocorre de violação, de violência. 

Portal da UFJF – Uma das demandas da população trans, no que diz respeito à saúde, é o acesso ao processo transexualizador no Sistema Único de Saúde, o SUS. Qual a situação hoje?

Marco Duarte – Estamos em processo de credenciamento do Hospital Universitário da UFJF no Ministério da Saúde para o processo transexualizador.   Isso é uma pactuação da Política Nacional de Saúde Integral da População LGBT. Esse processo é também retardado, demorado, porque a política do processo transexualizador teve a primeira Portaria publicada em 2008. Depois, houve uma segunda Portaria em 2013. Agora, no final de 2019, houve uma nova Resolução do Conselho Federal de Medicina sobre o assunto, colocando algumas exigências e flexibilizando outras. Esperamos que este processo saia em 2020. Tudo referente à população de transexuais, transgêneros e travestis em Juiz de Fora é muito emperrado. Isso tem a ver com a constituição da cultura local. Estou falando basicamente de políticas públicas. Não me refiro a eventos ou festividades para essa população, mas sobre garantia de acesso, de serviços, de direitos. No Estado de Minas Gerais há apenas um centro de referência na capital, em Belo Horizonte, financiado pela Prefeitura. Aqui, em Juiz de Fora, há a chamada Lei Rosa [Lei 9197/2000], pioneira no Brasil, que entrou em vigor há 20 anos,  mas efetivamente, concretamente, não foi materializada em direitos. 

Portal da UFJF – Há uma frente de trabalho no Centro de Referência LGBTQI+ para discussão das violências transfóbicas, praticadas algumas vezes inclusive pelo Estado?

Marco Duarte: “O CeR-LGBTQI+ acaba aglutinando e criando uma visibilidade pública não só na Universidade, mas também para a cidade”

Marco Duarte – Quando nós inauguramos o CeR-LGBTQI+, na semana anterior Natasha tinha sido assassinada e o nome social dela não foi respeitado como uma mulher travesti. Nós temos uma frente, que é para discussão da violência. Na ocasião, estávamos num seminário sobre o assunto. Os próprios agentes públicos não consideraram o nome social dela. Há um preconceito muito grande. Já recebemos outras situações inúmeras vezes de desrespeito ao nome social. Eu que venho do Rio, por exemplo, lá você tem um movimento organizado, que não se organiza apenas para realizar um evento. Há uma militância, há um ativismo. O Centro de Referência LGBTQI+ catalisou vários ativismos. Aqui é um fluxo de gente, porque um vai chamando o outro. Aqui se encontram os grupos ‘Mães pela Diversidade’, ‘Força Trans’, pessoas vinculadas a grupos de pesquisas da Universidade. O CeR-LGBTQI+ acaba aglutinando e criando uma visibilidade pública não só na Universidade, mas também para a cidade. Tentamos criar canais de negociação e abrir espaços para que as coisas aconteçam. 

Portal da UFJF – Há alguma questão que você queira acrescentar?

Marco Duarte: “Tentamos criar canais de negociação e abrir espaços para que as coisas aconteçam”

Marco Duarte – Se eu tomo a transexualidade com os marcadores sociais da diferença, então a trans negra e de periferia é completamente diferente de uma trans branca de classe média. Isso também é pouco discutido dentro dos campos da militância e da academia. Do mesmo modo, essa diferenciação não é debatida no campo da política pública e da cidadania. Quando falamos de interseccionalidade, estamos tocando numa ferida, cria-se um mal-estar. Não é que eu esteja hierarquizando as opressões, mas o corpo é um corpo marcado por vários marcadores. Então, isso entra em questão também quando estamos falando de transexualidade.   

O Centro de Referência LGBTQI+ (CeR LGBTQI+) fica na Avenida Barão do Rio Branco 3.372, no Alto dos Passos.

Saiba mais:

Serviço Social cria polo para acolhimento de demandas LGBTQI

Outras informações: (32) 3218-6996 – Centro de Referência LGBTQI+