Como forma de dar continuidade à campanha institucional do Setembro Amarelo, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nesta segunda abordagem, aponta direções e oferece esclarecimentos a fim de possibilitar o apoio a quem esteja em um quadro de adoecimento psíquico. O áudio a seguir, da aluna da Faculdade de Farmácia Lorena Emanuele, 22 anos, relata o histórico de um quadro severo de depressão e transtorno de ansiedade. Atualmente, com a depressão sob controle, a estudante conseguiu encontrar uma maneira de transformar sua experiência em apoio a quem enfrenta o mesmo problema. Ouça o áudio:

https://www.mixcloud.com/ufjf/relato-sobre-depressão-aluna-farmácia/

Para muitas pessoas, a depressão está envolta numa aura mistificada e distante, o que as leva a imaginar um indivíduo deitado e isolado num quarto escuro. De fato, parte de quem está doente tem esse perfil, no entanto, pessoas próximas e queridas, aparentemente bem e fora de perigo, podem estar sofrendo por algum tipo de adoecimento psíquico, e não estarem necessariamente enquadradas nesse estereótipo sombrio.

Lorena Emanuele, aluna da Farmácia, abre espaço para diálogo sobre depressão e ansiedade no Instagram (Foto: Alice Coêlho)

Hoje, quem se depara com Lorena – cabelos ruivos, óculos de grau um pouco maiores que o rosto e as roupas brancas comumente usadas na Faculdade de Farmácia -, não consegue imaginar a intensidade de uma batalha experienciada por ela ao longo dos anos. Seu histórico de intercorrências causadas pela depressão se confunde, atualmente, com a aparente tranquilidade, resultado de um longo processo de auto-perdão, aceitação e paciência, conquistados por meio de acompanhamento por profissionais da saúde.  

Lorena conta que, quando chegou em Juiz de Fora, buscou auxílio estudantil a fim de obter maior estabilidade em seus primeiros meses na cidade e na Universidade. Sua demanda foi atendida pela Pró-reitoria de Assistência Estudantil (Proae), o que trouxe muita confiança à aluna para sua manutenção na cidade. “A Universidade me acolheu como uma casa e foi assim que consegui parte da força necessária para me reerguer”. 

Lorena Emanuele: “Tenho um Instagram que mostra às pessoas que é possível ser feliz e conviver com a depressão, a síndrome do pânico e a ansiedade” (Foto: Alice Coêlho)

Com mais autoconhecimento, Lorena reverteu sua trajetória em apoio a quem precisa, principalmente por meio de seu Instagram. A ideia de criar um espaço próprio onde pudesse partilhar sua experiência e seus aprendizados veio com a percepção de que a demanda por ajuda é muito maior do que imaginava. “Tenho um Instagram que mostra às pessoas que é possível ser feliz e conviver com a depressão, a síndrome do pânico e a ansiedade, que são casos de saúde pública, desde que sejam tratadas como as doenças que são.” 

O objetivo do perfil criado não é distribuir um manual de regras ou uma série de ações que devam ser seguidas, mas auxiliar na recuperação por meio da identificação. Lorena conta que a rede social, com mais de cinco mil seguidores, recebeu apoio incondicional de amigos e familiares. A estudante preza, em seu espaço, por compartilhar conteúdo consciente, uma vez que sabe da seriedade necessária para este tipo de abordagem. As redes sociais, dessa forma, ao mesmo tempo que são consideradas por alguns profissionais como um possível gatilho por oferecer acesso a informações distorcidas, também podem se configurar como uma rede de apoio.

Depressão

“Aos 19, mudei para Juiz de Fora. Tive todo o processo de sair da casa dos meus pais, de cortar o cordão umbilical, e meu primeiro período foi bem difícil. Minha depressão se agravou e, quanto mais se agravava, mais eu a negava” – Lorena Emanuele

A inexatidão do diagnóstico da depressão talvez seja mais um ponto de sofrimento que se agrega à doença. Não existe um manual de regras ou um código sobre o qual o processo depressivo é regido. Diferentemente de outras doenças, a depressão não se apresenta unicamente em um gênero, classe, raça ou idade, mesmo que algumas faixas etárias estejam mais predispostas que outras.

Também não se pode classificar exatamente os motivos de um quadro depressivo. Em alguns casos, podem ser identificados por conta de gatilhos mais específicos, que facilitariam o diagnóstico, como traumas infantis, picos de estresse e perda de entes queridos, por exemplo. Em outros casos, o adoecimento não tem uma raiz identificável, e seus motivos podem ou não aparecer posteriormente. 

O professor do Departamento de Psicologia da UFJF, Fernando Santana, explica um pouco da singularidade a ser levada em consideração quando se pensa em casos de adoecimento mental. “É importante salientar que o grau de severidade da depressão, por exemplo, dependerá de inúmeros fatores como o histórico psíquico de cada um, casos na família e em pessoas mais próximas, e, certamente, as condições materiais de vida em que vivemos. Ou seja, é importante entender que falar de saúde/saúde mental implica em considerarmos os sujeitos em relação direta com as condições estruturais e contextuais que os cercam.”

Esperar que o adoecimento mental  aumente para procurar tratamento não é considerada atitude segura. O quadro depressivo é marcado pela intensidade de sentimentos que se alternam entre períodos muito bons e outros muito ruins, ambos podendo durar semanas, meses ou anos. O quadro depressivo pode se agravar, mas deve-se ressaltar que a melhora é sempre um caminho possível, desde que se busque tratamento adequado.

Sintomas

“Eu realmente não aceitei ter qualquer sintoma do tipo, qualquer doença mental. Isso foi me puxando para baixo. Você não aceitar que tem um problema o torna maior” – Lorena Emanuele

A maioria dos sintomas causados pelo adoecimento mental são de caráter comportamental e/ou psicológico. A depressão afeta a interação social do indivíduo, levando-o ao isolamento; à perda de apetite e sono; à falta de vontade de realizar atividades que até então eram costumeiras. Não se pode afirmar que a doença afeta todas as pessoas da mesma forma e com os mesmos sintomas, mas alguns deles mantêm-se comuns, como medos e pensamentos irracionais (medo do escuro e a sensação de estar sendo observado, por exemplo). 

Para Santana, “as respostas que as pessoas produzem frente a situações limite que vivenciam e que podem provocar sentimentos de apatia, desejo de isolamento, dificuldade em tentar realizar atividades cotidianas serão singulares, ou seja, dizem respeito à maneira como cada um de nós responderá à tal situação”.

A psicóloga da Proae, Rosana Cognalato, explica que no campo da ansiedade há um ponto limítrofe a partir do qual ela se torna nociva. “A ansiedade pode ser um fator protetor, um medo saudável, tendo uma boa funcionalidade. Se eu tenho um seminário difícil, por exemplo, esse medo faz com que eu tenha a iniciativa de estudar mais. A ansiedade não-funcional começa quando o medo se torna exacerbado, muito além da realidade, e a partir dele surgem prejuízos.” A psicóloga destaca que ser ansioso não implica necessariamente em suicídio. “O suicídio é um fenômeno extremamente complexo e seus fatores mais marcantes são os transtornos psiquiátricos, mas é muito difícil dizer exatamente o que causou a tentativa de uma pessoa.”

Não falar sobre o adoecimento psíquico e, consequentemente, não aventar possibilidades de apoio são fatores que atuam em sentido contrário no combate ao suicídio. Além do estigma que é criado acerca dos sintomas, manter-se em silêncio impede que o indivíduo em quadro depressivo chegue no processo de aceitação da própria doença. Aceitar sua realidade como vítima de uma doença mental é, muitas vezes, uma etapa difícil, mas fundamental no avanço do tratamento. 

Apoio de amigos

“Comecei um processo de aceitação. Esse processo é muito complicado. É difícil aceitar que você tem uma doença mental. É difícil aceitar que aos 22 anos eu tenho depressão e traumas que me fizeram ser dessa forma. Mas é um processo extremamente importante” – Lorena Emanuele

Em 2015, quando a campanha do Setembro Amarelo surgiu no Brasil, uma parte considerável das divulgações realizadas principalmente na internet, convidava o indivíduo depressivo para uma conversa amigável, um desabafo. Por mais que a conversa informal com alguém de maior intimidade seja, muitas vezes, um passo importante para aquele que está passando por um quadro de adoecimento mental, é preciso tomar cuidado. O tratamento mais adequado é aquele realizado por um profissional, um psicólogo e/ou um psiquiatra. A conversa amigável é importante, mas não deve substituir o profissional ou tentar traçar um diagnóstico ou tratamento. A abordagem cuidadosa, sempre envolta em afeto e atenção, deve guiar o depressivo à ajuda adequada, conduzindo-o a profissionais ou a organizações que possam, de fato, auxiliá-lo apropriadamente. 

A psicóloga da Proae Adriana Estevão do Carmo reafirma a importância de uma conversa consciente e empática de um amigo ou familiar com aquele que esteja passando por um possível adoecimento mental. “No Setembro Amarelo, é dada a visibilidade a esse problema sério e real do suicídio, indicando a necessidade de conscientização e ações preventivas. E isto se dá não somente na prática clínica ou assistencial, mas na convivência, ao nos atentarmos uns para os outros, notando quando algo não vai bem.” 

A psicóloga do Centro de Psicologia Aplicada (CPA), Fabiane Rossi, alerta para um outro perigo: o auto-diagnóstico. “O maior acesso à informação nos dias atuais, especialmente via internet, faz com que grande parte das pessoas receba orientações acerca das condições de saúde e doença, porém este aspecto pode ser negativo quando se deixa de procurar ajuda profissional, subestimando-se, muitas vezes, um problema sério que demanda acompanhamento especializado.” 

Esse não é o único caso no qual o fácil acesso à internet pode ser prejudicial em casos de adoecimento mental, como complementa a psicóloga do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina, Andréia Aparecida de Miranda Ramos.“O aumento dos casos de suicídio entre jovens é um dado importante, especialmente se discutido a partir do uso excessivo das redes sociais, o que nos aponta novos fatores de risco para o sofrimento psíquico.”

Como ajudar?

“Não quis ir em um psiquiatra. Fui em uma médica de saúde mental pelo tabu” – Lorena Emanuele

A aluna do Bacharelado Interdisciplinar de Artes e Design da UFJF, Isadora Mayrinck, é idealizadora do projeto de iniciação artística “Marcas com Expressão”, cujo principal objetivo é cobrir cicatrizes e marcas corporais traumáticas com tatuagens. Isadora percebeu, no entanto, que dentre as demanda de clientes, existiam aquelas voltadas a cobrir cicatrizes causadas por automutilação. 

Dentre os atendidos, percebeu aqueles para os quais as tatuagens funcionavam como superação temporária, pois os ferimentos logo voltavam a aparecer. A estudante começou a se perguntar o que poderia fazer a fim de ajudar para além de criar um paliativo. “As pessoas que chegam até mim com o intuito de cobrir cicatrizes de automutilação possuem os mais diversos perfis, gêneros e classes. Entretanto, vejo que grande parte dos portadores de cicatrizes desse tipo são jovens. Por se tratar de um público que merece atenção redobrada, sempre cito a importância do acompanhamento psicológico, uma vez que, após a tatuagem, caso a pessoa não esteja estável, os cortes podem voltar a acontecer.”

Encontrar-se diante de uma pessoa que esteja passando por um quadro de adoecimento mental é sempre uma situação delicada. Quem se mostra predisposto a ajudar deve assumir e reconhecer o seu papel de ponte até o auxílio profissional, escutando atentamente o desabafo e o pedido de ajuda, e, diante disso, mostrar seu apoio. É preciso incentivar que o depressivo vá em busca de tratamento profissional e, caso seja possível, de acordo com a intimidade, oferecer de acompanhá-lo no processo. 

A chefe da Unidade Psicossocial do Hospital Universitário (HU-Ebserh), Sabrina Barra, explica que a linha de cuidado em saúde mental proposta pelo Ministério da Saúde deve se iniciar preferencialmente pela rede básica de saúde. O indivíduo que esteja em um quadro de adoecimento pode procurar uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Transtornos mentais leves serão acompanhados pela rede básica, com profissionais generalistas como médicos, clínicos gerais e enfermeiros. Já quadros moderados e graves, com maiores riscos psicossociais, serão encaminhados ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps). “Independente do local de tratamento, o primeiro passo para atender uma pessoa com depressão e/ou ideação suicida começa pelo acolhimento, por uma escuta sensível da demanda, considerando as circunstâncias que a constituem. A partir de então, elabora-se um projeto terapêutico de acompanhamento que possibilite uma intervenção nos diferentes fatores relacionados ao quadro, como aspectos sociais, familiares, econômicos e culturais. O objetivo é sempre resgatar ou construir redes de apoio.”

Existe, além disso, um estigma muito forte acerca da atuação de um profissional voltado para a saúde mental. Quebrar esse estereótipo e distinguir tais profissionais é necessário para que o atendimento se torne mais acessível e eficaz. Médicos psiquiatras são formados em Medicina e responsáveis por analisar o paciente e traçar o seu diagnóstico, prescrevendo uma medicação quando necessário. Psicólogos, por outro lado, são formados em Psicologia e realizam com seus pacientes o processo de terapia, pelo qual conseguem traçar um perfil analítico de seu paciente e, por meio das mais diferentes metodologias, ajudá-lo. 

Apoio na UFJF

“Esse é o recado que eu tenho pra passar. Procurar ajuda profissional é essencial e muito importante. Foi o que caminho que eu encontrei: hoje, me sinto feliz e preparada para viver com a depressão. Tenho problemas, mas lido com eles da melhor forma” – Lorena Emanuele

A própria instituição conta com uma larga rede de apoio e auxílio para estudantes que estejam possivelmente passando por um adoecimento mental. A instituição reconhece que a realidade universitária muitas vezes pode agir de forma agravante e negativa na vida dos alunos. Diante disso, a UFJF oferece grupos que se propõem ao trabalho de prevenção, bem como ao tratamento psicológico individualizado, quando necessário. 

O professor Fernando Santana acredita que “a academia, por expressar várias dimensões da sociedade que vivemos, pode terminar por estimular o isolamento, a competição exacerbada e o reconhecimento unicamente pelo mérito considerado do ponto de vista do resultado final, sem considerar os processos envolvidos. Assim, as dificuldades enfrentadas pelas alunas e alunos podem ser vistas como sinal de fraqueza ou incompetência pessoal. Os alunos podem se sentir envergonhados e humilhados por não corresponderem às expectativas que são impostas”. 

Proae e outros setores da UFJF oferecem auxílio para quem enfrenta problemas relacionados à depressão e ansiedade (Foto: Alexandre Dornelas)

Se um aluno da instituição sente que em um quadro de adoecimento mental ─ seja ele composto por ansiedade, depressão ou até mesmo pensamentos suicidas ─, a maneira mais efetiva encontrar ajuda é por meio do contato com a Proae, espaço na UFJF onde os estudantes encontram apoio psicológico de forma profissional e responsável.

Como saber, no entanto, qual a hora certa para se procurar ajuda? Como distinguir uma tristeza passageira e controlada de um quadro depressivo que necessita de intervenção? Segundo a própria equipe da Proae, não existe um momento exato para se recorrer ao auxílio profissional. O estudante deve pedir ajuda quando se sentir incapaz de aguentar, sozinho, suas próprias dificuldades. Além disso, não é necessário um diagnóstico prévio ou formal para buscar por apoio. O aluno pode entrar em contato tendo, por exemplo, apenas suspeitas de seu quadro depressivo, e então será adequadamente encaminhado para os profissionais.  

O plantão psicológico da Proae pode atender à demanda no momento em que ela aparecer, evitando que o paciente aguarde meses na lista de espera. O interessado deve procurar a Pró-reitoria das 8h às 12h ou  após as 14h, informando sobre sua disponibilidade. Outras informações estão disponíveis no site da Proae. 

Além do atendimento individual, a Proae promove uma série de projetos que visam a não só tratar mas, principalmente, prevenir quadros de ansiedade e depressão, como o Deboas, o grupo Fora de Casa, o projeto Mindfulness, rodas de conversa, dentre outros. 

Fora da universidade, o interessado pode encontrar ajuda principalmente pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo telefone 188. O contato acontece 24 horas por dia e a ligação é gratuita. 

A UFJF conta também com o Centro de Psicologia Aplicada (CPA) , criado em 1996, que serve como um espaço de conexão entre a instituição e a comunidade externa. Funcionando como uma clínica-escola para o curso de Psicologia, o CPA oferece atendimento gratuito para moradores de Juiz de Fora e cidades vizinhas. 

A coordenadora do CPA e professora do Departamento de Psicologia, Alinne Nogueira Coppus, explica como funciona a entrada de novos pacientes. “Para os atendimentos individuais, temos duas entradas anuais, geralmente em março e em agosto. Os projetos de extensão tem uma entrada à parte: as pessoas ligam e deixam o nome e os alunos entram em contato e começam o atendimento. Temos uma procura muito grande da população.” 

Dessa forma, com o tratamento adequado e contínuo, torna-se possível conviver com a depressão. O processo de aceitação da doença é importante, bem como evitar comparações com outras pessoas. Superar o quadro depressivo é uma etapa longa e difícil. O indivíduo, sob auxílio profissional, torna-se capaz de administrar melhor os momentos mais difíceis, garantindo maior qualidade de vida em decorrência do autoconhecimento.

Outras informações: (32) 2102-3777 – (Pró-reitoria de Assistência Estudantil – Proae)