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Nota Concessão Ibitipoca

Nota do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora – GEA/UFJF sobre a concessão do Parque Estadual do Ibitipoca – MG à iniciativa privada

31 de janeiro de 2022

O Parque Estadual do Ibitipoca MG está passando por um processo de concessão à iniciativa privada que permite a exploração econômica de atrativos turísticos e visitação do Parque por um período de 30 anos.

Essa iniciativa faz parte do Programa de Concessão de Parques Estaduais (Parc), do Governo de Minas Gerais, lançado em 2019, em parceria com o Programa de Estruturação de Concessões de Parques Estaduais, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é o responsável pela elaboração dos estudos e modelagens das concessões. 

Desde que a notícia veio a público, diversos atores sociais, como moradores/as da Vila de Conceição do Ibitipoca e comunidades do entorno do parque, pesquisadores/as e representantes de instituições e autoridades locais interessadas, têm questionado sobre possíveis impactos e conflitos socioambientais que a concessão poderá acarretar. Também tem sido reivindicada a efetiva participação popular no processo de concessão.

Nós, pesquisadores/as do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora – GEA- UFJF, reconhecemos que a proposta de concessão de parques decorre de políticas ambientais contemporâneas e do modelo de desenvolvimento estabelecido no país, que consideram a natureza uma mercadoria, sustentam e reproduzem um discurso de conservação do patrimônio ambiental/cultural atrelado aos interesses econômicos dos grupos dominantes, com um evidente predomínio de lucratividade em detrimento da vida e de sua efetiva proteção. 

Neste entendimento, a natureza é vista como um recurso a ser explorado e, assim, povos e comunidades tradicionais vêm sofrendo pela negação de seus modos de ser e existir e pelos impactos ambientais de empreendimentos que as fragilizam e violam direitos humanos e da Terra em fartos processos de injustiça e racismo ambientais. 

Tais políticas se inserem em uma conjuntura antiecológica de desmantelamento dos órgãos públicos ambientais, com redução de orçamento e contingente de trabalhadores/as, ao passo que incentivam e estimulam parcerias entre o Estado e a iniciativa privada, sob o pretexto de minimizar despesas e melhorar serviços ambientais. 

Em que pese a consideração oficial acerca de uma diferenciação legal entre a concessão e  a privatização, acreditamos que ambos os processos se inserem em uma lógica de mercantilização da natureza, a qual contribui para desterritorializar comunidades locais, afrontar o direito ao ambiente e o direito da Natureza, favorecendo uma experiência frágil e excludente de formação educativa humana em áreas de proteção ambiental, ao limitar determinadas áreas como serviços atrativos, que não são acessíveis a todos e a todas.

Isso porque o foco da concessão é exclusivamente a rentabilidade econômica da entidade privada, a exemplo do que diz o próprio objeto da licitação, que pode ser conferido nos documentos disponibilizados pelo IEF à consulta pública em sua página oficial:  “seleção de PROPOSTA mais vantajosa para celebração de contrato de concessão de uso de bem público para fins de exploração econômica de ATIVIDADES DE ECOTURISMO e visitação, bem como serviços de gestão e operação dos atrativos existentes e a serem implantados em Unidades de Conservação do Estado de Minas Gerais” (Documento Minuta do Edital, p. 2, 2022).  

Diante da iminência da concessão, que possui consulta e audiência pública já agendadas, tememos que, com a exploração do mercado e o aumento do fluxo turístico por ela produzido, os problemas socioambientais já vivenciados pelas comunidades locais, como a falta de água e energia, coleta de lixo ineficiente e intensa especulação imobiliária, se intensifiquem. Além de fragilizar a participação das comunidades locais nos processos decisórios, territoriais, comprometer a oferta de empregos e enfraquecer o comércio local devido à chegada de concorrentes externos.

Mais do que detalhar novos atrativos e serviços ao Parque advindos do processo de concessão, é importante que as partes envolvidas no processo apresentem estudos de impactos socioambientais e que o Estado reconheça suas atribuições na garantia de direitos sociais e ambientais.

A Educação Ambiental – EA – é um processo que contribui para a garantia do direito ao ambiente, por meio do respeito e reconhecimento dos saberes e fazeres comunitários que tecem e formam territórios bioculturais. Assim, a EA é contínua na construção de efetiva participação social, no fortalecimento de territórios e de identidades gestadas nas raízes e nos afetos na/com a natureza. Um processo de alianças entre espécies, que precisa ser pactuado entre diferentes sujeitos e interesses. 

Dessa forma, questionamos também as ações educativas propostas nos documentos oficiais relativos à concessão, como aquelas presentes no “Caderno de Encargos – anexo B” página 56, fundamentado em normas e conduta Leave No Trace (Não deixe Rastros). A Educação Ambiental não está ligada tão somente às ações preservacionistas, à divulgação científica, ou à contemplação da natureza. Essa educação, que invisibiliza desejos e identidades locais, não proporciona a construção do saber ambiental como apelo a um porvir melhor, como desafio e tarefa. 

Assim, defendemos a vida em todas as suas formas e cores, assim como o direito de participação e decisão das comunidades locais do entorno ao Parque Estadual do Ibitipoca na condução de seus territórios. Denunciamos que a concessão de Unidades de Conservação aos interesses de grupos dominantes contribui para um modelo antiecológico mercantilista que está hoje a conduzir a humanidade a uma situação de catástrofe, tendo uma de suas características essenciais a exploração sem limites da natureza e de seus povos.

Denunciamos assim a ganância, o antiecologismo e a ausência de investimentos públicos nos órgãos ambientais, postos a invisibilizar/subalternizar modos de vida tradicionais (e modos de praticar o saber) e apagar a diversidade biocultural dos espaços rurais e em nome de um suposto progresso excludente.