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Efeitos e vieses que perpetuam a disparidade entre homens e mulheres na carreira acadêmica na STEM

 

Por Maria Fernanda Landim, Iasmin Nery, Julia Castro, Iara Ribeiro e Profa. Julia Mendes.

 

A desigualdade de gênero no meio acadêmico, em especial nas áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), segue sendo um desafio significativo, mesmo diante dos avanços na inserção feminina nesses espaços. Diversos fenômenos como efeitos e vieses contribuem para a perpetuação desse cenário e restrição de oportunidades, gerando influências no acesso, permanência e progressão das mulheres na carreira acadêmica. A compreensão desses fenômenos é essencial para identificar tais fatores que sustentam a desigualdade de gênero e para promover mudanças efetivas no ambiente acadêmico.

Para isso, a Profa. Julia Mendes (PEC) recebeu fomento do Programa Alteridade na Pós-Graduação, da CAPES. Profa. Julia e sua equipe – composta por Maria Fernanda Landim (estudante de Psicologia da UFJF), Iasmin Nery (mestranda do PEC), Julia Castro (doutoranda do PROPEC/UFOP e professora do IFMG) e Iara Ribeiro (pós-doutoranda do PEC) – desenvolvem o projeto “Diferenças de gênero na docência de Engenharias: diagnóstico e sugestão de conduta para os PPGs brasileiros”.

A seguir, serão apresentados 15 dos principais vieses e mecanismos estudados pela equipe que contribuem para a desigualdade de gênero na STEM.

Leaky pipeline

É diminuição progressiva de mulheres ao longo dos diferentes estágios de uma trajetória acadêmica ou profissional, em especial nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), de modo que elas se veem sub-representadas em cargos de maior prestígio.

 

Figura 1 – Fenômeno do Leaky Pipeline. Fonte: Imagem gerada pelo Dall-E.

 

Efeito tesoura

É um fenômeno que aponta a desigualdade crescente enfrentada pelas mulheres em ascensão, sendo representado visualmente por um gráfico em forma de tesoura, onde as linhas se afastam progressivamente. No meio acadêmico, este efeito ocorre quando a representatividade feminina vai sendo “cortada” gradualmente a partir da graduação, até quase desaparecer nos cargos de liderança, contribuindo para a manutenção das relações desiguais de gênero.

 

Figura 2. Proporção entre mestrandos(as) e doutorandos(as) (Fonte: Plataforma Sucupira, CAPES), docentes (Fonte: Painel estatístico INEP), docentes de PPGs (Fonte: Plataforma Sucupira, CAPES) e bolsistas PQ das Engenharias (Fonte: Editais do CNPq), entre 2018 e 2022 por sexo. Fonte: Nery, 2025.

 

Viés de token/símbolo

Fenômeno em que indivíduos que fazem parte de uma minoria, como as mulheres em meios acadêmicos predominantemente masculinos, são postos em destaque ou colocados em posições de visibilidade dentro de uma organização. Nesses casos, a mulher é vista como “representante” de seu gênero. Como efeito, a mulher enfrenta pressão extra para representar seu grupo, o que pode resultar em maior cobrança por desempenho ou a exclusão de oportunidades por ser vista como uma “exceção”.

 

Viés de estereótipo

Esse viés expõe como julgamentos e decisões podem ser influenciados por crenças pré-concebidas baseadas em estereótipos sobre determinados grupos. Na STEM, por exemplo, mesmo quando as mulheres possuem qualificações semelhantes às dos homens, elas são frequentemente vistas como menos capazes. Estereótipos infundados, como “mulheres são mais emotivas” e “mulheres não são boas em matemática”, não apenas limitam as oportunidades das mulheres, mas também reforçam a sub-representação feminina em cargos de liderança.

 

Viés inconsciente

O viés inconsciente refere-se a atitudes preconceituosas ou discriminatórias que ocorrem de maneira automática, sem que o indivíduo tenha plena consciência disso. Sua ocorrência pode decorrer da influência de experiências, cultura, mídia, e normas sociais, de modo que pode afetar a percepção, o comportamento e a tomada de decisão das pessoas, mesmo que sem intenção. Como exemplo, um comitê de seleção pode, sem perceber, favorecer um candidato masculino com base em suposições inconscientes sobre liderança e competência.

 

Viés de afinidade

Tendência de favorecer quem é parecido ou tem maior afinidade com você. Em ambientes majoritariamente masculinos, homens tendem a “se ver” ou “se dar melhor” outros homens, formando “clubes do bolinha”. Isso reforça a exclusão de mulheres e a manutenção de desigualdades estruturais.

 

Viés de representatividade

É um fenômeno que descreve como a sub-representação das mulheres em posições de destaque e prestígio reforça a ideia de que elas “não pertencem” a esses espaços. Assim, em espaços predominantemente masculinos, como nas engenharias, a maior parte das ideias e decisões acabam vindo dos homens simplesmente porque eles são maioria. Da mesma forma, homens são maioria em posições de liderança e como orientadores. Isso impacta negativamente a diversidade de ideias e faz com que outras mulheres não busquem ou persistam nas carreiras de STEM, dado que “você não almeja uma posição na qual você não se vê”.

 

Vantagem cumulativa (ou Matthew Effect)

Na carreira acadêmica, pequenas vantagens iniciais se acumulam ao longo do tempo, favorecendo aqueles que já estão em posições de destaque e ampliando a desigualdade em relação a minorias. Desse modo, os homens, por geralmente receberem mais reconhecimento e oportunidades no início, tendem a acumular mais oportunidades de ascensão (ex. mais parcerias levam a mais artigos, que levam a mais projetos aprovados, que levam a mais artigos…).

 

Figura 3 – Ilustração do efeito da vantagem cumulativa. Fonte: Jebsen et al., 2022

 

Vantagem do primeiro movimento

Refere-se à situação em que quem chega primeiro a determinado espaço, cargo ou oportunidade tende a obter benefícios duradouros. Esses primeiros ocupantes moldam o ambiente, estabelecem influência e consolidam seu lugar como referência, o que pode dificultar a entrada ou ascensão de outras pessoas, especialmente de grupos historicamente excluídos. Assim, em ambientes historicamente masculinos como as engenharias, os homens já estão inseridos nas redes de influência e decisão, o que facilita acesso a recursos e promoções.

 

10 Efeito de jornadas duplas e triplas

Este efeito expõe como as mulheres têm maior tendência a acumularem responsabilidades acadêmicas/profissionais, domésticas, e de cuidado. Isso pode limitar  sua disponibilidade e energia para avançar na carreira, além de torná-las mais suscetíveis ao adoecimento físico e mental devido à sobrecarga.

 

Figura 4 – A tripla jornada feminina: profissional, cuidados com a casa e cuidados com os filhos e familiares. Fonte: @chargesdoniniu

 

11 Viés de maternidade

Este fenômeno retrata a percepção do público sobre a maternidade no mercado de trabalho. Geralmente essas mulheres enfrentam preconceitos e discriminações no ambiente profissional, em que são julgadas como menos comprometidas, pouco disponíveis e com produtividade menor, sendo vistas menos aptas para cargos de prestígio ou promoções.

 

 

 

Figura 5 – Média salarial, com o tempo, de mulheres nos EUA sem filhos e após o nascimento do primeiro filho. Fonte: Vox (https://www.vox.com/2018/2/19/17018380/gender-wage-gap-childcare-penalty)

12 Divisão de trabalho por gênero

Fenômeno pelo qual certas profissões ou setores são predominantemente ocupados por homens, enquanto outros são majoritariamente preenchidos por mulheres. Essa segregação contribui para a manutenção das desigualdades de gênero no mercado de trabalho, pois os empregos tradicionalmente associados às mulheres tendem a ser menos valorizados social e economicamente (ex. enfermeiras x médicos; professoras de ensino fundamental x professores de ensino superior). Mesmo dentro da STEM, muitas vezes as mulheres são relegadas ou pressionadas a atuar em atividades administrativas ou burocráticas, como chefias de departamento, enquanto homens ocupam posições de prestígio acadêmico, como líderes de grupos de pesquisa.

 

13 Viés de experiência

O viés de experiência refere-se à tendência de valorizar mais as opiniões, habilidades e contribuições de pessoas que possuem maior tempo ou histórico em determinada área, mesmo que isso nem sempre esteja diretamente relacionado à qualidade de suas ideias e produções. Esse viés pode levar à subestimação das capacidades de profissionais mais novos ou de perfis menos convencionais, como as mulheres no cenário historicamente masculino das STEM.

 

14 Viés de confirmação

Descreve a tendência de buscar ou valorizar informações que confirmem crenças ou expectativas pré-existentes. Assim, se alguém acredita que mulheres são menos capazes, vai interpretar seus erros com mais severidade, ao mesmo tempo em que ignora ou minimiza seus acertos.

 

15 Efeito teto de vidro

Esse efeito expõe as barreiras invisíveis que impedem mulheres de alcançar cargos de liderança, mesmo com mérito e desempenho. Elas englobam todos os vieses vistos aqui, que se tornam mais fortes conforme se aproximam do topo da hierarquia. Desse modo, cria-se uma barreira “invisível” que impede as mulheres de alcançar lugares de maior prestígio na hierarquia do trabalho.

 

Figura 6 – O efeito do teto de vidro. Fonte:  Wendy MacNaughton.

 

Considerações finais

Torna-se evidente como os vieses discutidos atuam na formação das inúmeras barreiras que as mulheres enfrentam nas áreas de STEM. A influência dessas desigualdades de gênero é profunda, estrutural e multifacetada, manifestando-se de diversas formas que limitam o crescimento, o reconhecimento e o acesso das mulheres a cargos de prestígio, além de desincentivar sua permanência em campos científicos e tecnológicos, perpetuando uma cultura de exclusão. Assim, reconhecer a complexidade desses vieses e desenvolver políticas públicas eficazes e abrangentes são os primeiros passos fundamentais para mudar esse cenário.

 

Leia mais

Dissertação do PEC: Iasmin Ferreira Nery, 2025. Por que tão poucas? Análise do Efeito Tesoura e Leaky Pipeline na carreira de mulheres pesquisadoras na engenharia.

 

Referências

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