Já imaginou alguém apaixonado por história estudando em uma das mais antigas universidades da Europa? Por meio do Intercâmbio Internacional da UFJF, Vitória Acerbi está vivendo essa experiência, cursando parte de sua graduação na Universidad de Salamanca, na Espanha. Além da excelência e tradição ao alcance das mãos, Vitória está imersa em um momento político único enfrentado pelo país. Veja sua percepção no Diário de Intercambista.
Situada no noroeste da Espanha, a 2h30 de Madrid de um lado e a 1h da fronteira com Portugal de outro, Salamanca transpira séculos de história e conta com uma população de 150 mil habitantes, dos quais cerca de 35 mil são universitários. Por seu prestígio e tradição, a Universidad de Salamanca (Usal) recebe – além dos reis da Espanha em pessoa na abertura do ano letivo de seu oitavo centenário – muitos estudantes internacionais, o que faz com que minha experiência aqui seja multicultural.
Salamanca também é conhecida como “a cidade do espanhol”, porque a língua castelhana nasceu nas cercanias, dizem que aqui se fala “o castelhano mais puro da Espanha” e milhares de pessoas de todo o mundo vem pra cá estudar espanhol todos os anos nos vários centros de referência no ensino da língua.
Diariamente, encontro e converso com pessoas da Argentina, do México, do Peru, da Suécia, da França, da Irlanda, do Japão, da Coreia… As histórias que eles contam, os diferentes jeitos de cumprimentar, comer, vestir e sorrir, os idiomas e os sotaques fazem a gente perceber como é maravilhosa a diversidade humana, e o privilégio de experimentá-la. Ao mesmo tempo, também percebemos que, por mais diferentes, no fundo somos muito iguais. Uma contradição deliciosa.
Além desse lado interpessoal, a experiência de intercâmbio permite a gente mergulhar dentro de si mesmo e perceber com clareza como nós nos comportamos e reagimos nas diferentes situações. A gente brinca de ser criança de novo, vivendo cada sensação intensamente e vendo tudo com olhos de primeira vez. Estamos mesmo descobrindo um novo mundo – que, neste caso, com o perdão do trocadilho, é charmosamente velho. Tudo é novidade e até mesmo ligar uma máquina de lavar pode se tornar um curioso desafio.
Dia a dia e estudo
Ao chegar, fui muito bem recebida, com direito ao aconchego de um lar hispano-brasileiro e um almoço típico espanhol com paella. Já fiz bons amigos por aqui. Eles são gentis e prestativos, apesar do trato ibérico ser direto e seco com o qual a gente logo se acostuma. A dona do apartamento onde moro adora uma prosa e está sempre pronta a ajudar, a simples distância de “un mensajito” de Whatsapp.
Divido o apartamento com dois espanhóis e uma portuguesa por 170 euros mensais, com gastos incluídos. Existe a opção de residência estudantil, mas é mais cara, o triplo desse valor. Apesar de falar um pouco de português em casa, não me aborreço, porque todo o resto acontece apenas em espanhol, inclusive as aulas. Os professores são solícitos e pacientes para lidar com intercambistas, principalmente com aqueles que só falam inglês.
A estrutura da universidade é impecável, contando com restaurantes e bibliotecas enormes e muito agradáveis. Há opções de cursos de espanhol e outras línguas, atividades esportivas, como esgrima e tiro ao alvo, participação em programas de voluntariado, grupos de música e clubes de leitura, ciclos de cinema, teatro e concertos.
A Usal se espalha em alguns campus pela cidade, divididos por área de conhecimento, e seus prédios antigos são particularmente maravilhosos. Coisa de filme mesmo. O campus no qual estudo tem cursos de direito, ciência política, sociologia e economia e é próximo da minha casa – o que faz muita diferença quando você sai para aula e está entre 0°C e 2°C. Mas, para tristeza de um historiador, esse é o único campus com dependências modernas.
Estou explorando as interfaces da história com disciplinas dessas graduações. Elas são o forte da Universidade, reconhecida mundialmente pela formação que oferece nesses campos. O direito internacional, por exemplo, surgiu exatamente aqui, na época do encontro com a América.
Tradição e questões políticas
Já visitei Lisboa (que lindeza!) e um pouco da minha região de Castilla y León como Ávila, Léon, Ciudad Rodrigo, La Alberca e Madrid, claro, tão elegante capital, cheia de vida. Por acaso, lá presenciei uma das grandes manifestações pelo diálogo e pela unidade em relação à tentativa de independência catalã. O Palacio de Cibeles, sede da prefeitura de Madrid, estava circundado por um mar de gente em roupas brancas e bandeiras espanholas, pedindo principalmente por diálogo.
A questão mobilizou o país no último mês. Como a Espanha é um estado multinacional, com regiões tão distintas como a Catalunha, Galícia, País Basco, Andalucía, Valencia, algumas com até seu próprio idioma, o medo do efeito dominó é muito grande. Meus “compañeros de piso” (companheiros de quarto) não compram mais produtos catalães no supermercado, como maneira de boicotar a causa, e todos em geral têm opinião forte sobre o tema, de um lado ou de outro.
Para quem, como eu, se interessa por questões de política e opinião pública, este momento está oferecendo um prato cheio para análise. Estou aproveitando muito por estar imersa aqui e também pela grande quantidade de seminários, debates e palestras que a Universidade promove. Além da questão catalã, outros assuntos políticos também são debatidos como o Brexit e o futuro da União Europeia, as recentes crises latino-americanas, os desafios mundiais sobre a relação dos EUA com o México, a Coreia do Norte e a Rússia e os conflitos no Oriente Médio.
Não tenho um dia de marasmo ou de vazio aqui. Já me acostumei a fazer a siesta (que não é lenda, mas hábito real), e repouso junto com a cidade entre 14h e 16h. As aulas, as atividades acadêmicas extra-classe e culturais e a interação com a vibrante comunidade estudantil ocupam muito meus dias.
Entre as atrações da cidade, estão a sede dos arquivos do franquismo, visita obrigatória para qualquer historiador em formação que se preze, a catedral e os museus. São muitos: Museu Taurino, Museu de Salamanca, Museu do Comércio e da Indústria, Museu da Automoção, Casa Lis (encantadora e delicada com Art Déco e Art Noveau) e Casa-museu Unamuno. Sem dizer, claro, de todo resto oferecido por Salamanca, essa poesia em pedra na qual adoro caminhar simplesmente e que me preenche com uma sensação de conto de fadas. Ah, Salamanca… ¡Mil gracias por todo! Vontade de ir embora? Nenhuma, nenhuma…
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