Anderson Ferrari é coordenador do grupo de pesquisa Gesed e participa do novo episódio do IdPesquisa da UFJF (Foto: UFJF)

Há quase duas décadas, Anderson Ferrari é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGE/UFJF). Antes disso, Ferrari é um homem gay. Se, quando criança, diante da discriminação que sofria, culpava o professor por nada fazer – “o professor está vendo e não faz nada?” – agora ele era o professor. “Então eu precisava fazer alguma coisa.” E fez.

Ao lado do também professor Roney Polato, Ferrari coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed). Nos 15 anos de atuação do Gesed, o 16º convidado do Id Pesquisa discute questões de gênero, homossexualidade e escola e explica o interesse do grupo pelo processo de constituição dos sujeitos na relação com a educação.

Embaralhamento entre gênero e sexualidade
A primeira identidade que nos constitui é a de gênero, logo quando o médico anuncia “é menino” ou “é menina”. Para o pesquisador, no entanto, esse entendimento de gênero cai dentro da perspectiva heteronormativa da sociedade – que não educa em perspectiva homossexual – fazendo com que haja um embaralhamento entre gênero e sexualidade.

“O gênero masculino, para se consolidar como masculino, é colado à heteronormatividade. A sexualidade aparece como problema – e “problema” bem entre aspas – quando há um descompasso disso, quando o menino ou a menina anunciam a homossexualidade.”, explica Ferrari.

Hoje, o Gesed é um importante espaço de estudo e produção de conhecimento que coloca sob suspeita a forma de pensar para colocar sob suspeita a forma de agir. Exemplo disso é o estudo que os coordenadores e sua equipe fizeram sobre cultura visual, gêneros e sexualidades e a necessidade de transformação do olhar.

Roney Polato é professor da Faculdade de Educação e coordenada o Gesed junto com o professor Anderson Ferrari (Foto: arquivo pessoal)

“Antes do processo educativo formal, a gente já vai para a escola com uma educação do olhar. Se a gente não deseduca o olhar, a gente não consegue ver coisas distintas. A gente começa a ver só as mesmas coisas, né?”, provoca o convidado do Id Pesquisa.

Nestes 15 anos de atuação, discutiram, dentre outros métodos, a partir do cinema. Produziram livros, consolidaram projetos e cursos de extensão e estabeleceram parcerias importantes de longa data, como com a Secretaria de Educação Municipal de Juiz de Fora e com o Movimento Gay de Minas (MGM). Os métodos variam, mas o empenho para atuar na formação iniciada e continuada de profissionais da educação, persiste.

Polato, que lidera o Gesed junto de Ferrari, lembra que esses profissionais são agentes do Estado e devem ser comprometidos com os pressupostos constitucionais que o organizam, sobretudo com a democracia e liberdade de cátedra e produção do conhecimento: “e a perspectiva de uma sociedade com justiça social, inclusiva e igualitária, atravessa e é atravessada por questões de gênero e sexualidade”.

Jonas Silva pesquisa sobre espaços de sociabilidade LGBTQIA+ na cidade de Juiz de  Fora por meio de bolsa de Iniciação Científica (Foto: arquivo pessoal)

Conhecimento para produzir fissuras
Jonas Augusto Silva é estudante de graduação em História na UFJF e há dois anos integra o Gesed. É aluno de iniciação científica e contribui com pesquisa sobre os espaços de sociabilidade LGBTQIA+ na cidade de Juiz de Fora, além de participar de atividades que envolvem palestras e rodas de conversas com estudantes e professores.

Para ele, abordar gênero e sexualidade nas escolas é importante para evitar a circulação de concepções preconceituosas. “Tratamos o tema com informação qualificada e de forma aberta a partir dos conhecimentos específicos, como História, Biologia, Geografia, entre outros, a fim de evitar que as violências se propaguem”, afirma.

A tarefa se torna complexa quando se trata de ambientes conservadores, pois a abordagem é vista como “inimiga” de valores e visões de mundo daquela comunidade escolar, segundo Silva. “Mas é sempre possível resistir de alguma forma, entender o ambiente que está inserido e produzir ‘fissuras’ para trazer temas tão importantes e caros para um mundo mais democrático”, assegura.

Papel da escola
Nos anos 2000, com as políticas públicas, acreditava-se ter ultrapassado a fase do convencimento e iniciado o período de consolidação da área para a sociedade. No entanto, para o professor Ferrari, voltamos à década de 1990, quando era preciso demonstrar para as pessoas a importância do tema. “Se a gente olhar os telejornais, feminicídio é algo constante, né? E isso diz de uma discussão de educação de gênero. Porque, se a gente olhar, são os homens que matam as mulheres”.

“Se o número de homens que abandonam mulheres é maior, por que as mulheres [via de regra] não matam os homens? Porque isso diz de um processo educativo em que a mulher é ensinada que pode sofrer por amor. E o homem é ensinado que não pode sofrer, que ele é o dono do mundo, que as coisas são de sua propriedade. Aí quando a mulher rompe, ele não aguenta ficar longe e mata a mulher.”

O pesquisador concorda que a mulher deve ser educada para saber os seus direitos, para entender que está vivendo violência, para saber onde e como procurar ajuda. Mas sugere que as reportagens de feminicídio acabam por apontar que só a mulher deve ser educada.

“Enquanto a gente ficar só nisso, a gente vai ficar enxugando gelo, porque a gente não está educando o causador da violência. A gente tem que educar os homens para que a violência seja rompida pelos homens. E isso é um papel da escola também. A escola tem esse papel de fazer pensar que existem diferentes masculinidades e que eu não preciso ser um tipo de masculino tóxico para viver no mundo”, declara.

Assista ao Id Pesquisa pelo canal do YouTube ou escute o episódio