Professora Christina Musse fala sobre as pesquisas desenvolvidas na UFJF no programa IdPesquisa (Foto: UFJF)

Juiz de Fora abriga um vasto repertório de memórias que atravessam gerações, preservadas não apenas em suas edificações e práticas culturais, mas também nas histórias que moldam sua identidade. A cidade se configura como um espaço de múltiplas temporalidades, revelando-se não só como palco de importantes acontecimentos históricos, mas também como território simbólico, onde se travam disputas sobre o que deve ser lembrado, esquecido ou reinterpretado.

É nesse contexto que os estudos sobre memória social ganham relevância, oferecendo instrumentos para compreender como as narrativas sobre o passado são socialmente construídas. Cinema e mídia, nesse processo, atuam como mediadores fundamentais. Partindo dessa perspectiva, a professora Christina Musse, da Faculdade de Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, compartilha no 12º episódio do programa IdPesquisa todo o seu repertório sobre comunicação, cinema, mídia e memória. O conteúdo já está disponível nas plataformas digitais da Universidade. 

Cinema e memoria
A professora coordena o grupo de pesquisa Comunicação, Cidade, Memória e Cultura (Comcime), criado em 2013, que se dedica a estudos sobre memória, história oral, narrativa e representação midiática. Com ampla experiência na área da Comunicação, especialmente em videodifusão, Musse desenvolve investigações sobre globalização, cultura, identidade e televisão.

O Comcime busca ultrapassar os limites acadêmicos e aproximar suas pesquisas da sociedade. Por meio de um blog, o grupo divulga suas produções e promove o debate público sobre memória e cultura, envolvendo também novos integrantes nos projetos de pesquisa e extensão. Um dos destaques do grupo é o canal no YouTube “Cinemas de Rua de Juiz de Fora”, que apresenta uma websérie sobre a memória dos cinemas que existiram na cidade. O material é resultado do projeto de pesquisa “Cidade e Memória: a construção da identidade urbana pela narrativa audiovisual”, premiado em 2016, na área de Ciências Sociais Aplicadas, durante a Semana de Ciência, Tecnologia e Sociedade da UFJF.

Visitantes do site “Cinemas de Rua” podem conferir vídeos, mapas, contextos dos cinemas e imagens (Foto: site Cinemas de Rua)

“O meu percurso de pesquisa começou com as narrativas audiovisuais e a identidade urbana, investigando os festivais de cinema que aconteceram aqui na cidade na década de 1960, na gestão de Itamar Franco, o festival de Super-8 que aconteceu em 1979 e outras manifestações ligadas ao audiovisual. A partir dessas investigações, surgiu a ideia de fazer um trabalho sobre os cinemas de rua, reunindo depoimentos de pessoas que atuaram na exibição de filmes na cidade, acervos e documentos históricos”, conta a professora.

Ela explica ainda que o interesse pelo tema surgiu tanto de uma motivação pessoal quanto de uma necessidade acadêmica: “Juiz de Fora tem uma marca audiovisual que precisava ser aprofundada para além dos estudos tradicionais de telejornalismo. A ideia de pesquisar os cinemas de rua surgiu não só pelo meu gosto pessoal de frequentar cinemas, tanto no Rio de Janeiro, minha cidade natal, quanto aqui, mas também pelo interesse em resgatar essas memórias. O cinema tem um papel central na história da cidade.”

Christina destaca que o aspecto mais relevante do projeto são os relatos orais. “Nós também fazemos levantamento de acervos, inclusive do que foi apagado, porque, no caso dos cinemas de rua, houve um apagamento. Não temos mais cinemas de rua em Juiz de Fora; eles foram substituídos por salas em shoppings, que seguem outra lógica. Há um apagamento desses espaços.”

Sophia Bispo é bolsista do Comcime e pesquisa memória e história por meio da experiência viva dos cinemas de rua em Juiz de Fora (Foto: arquivo pessoal).

A estudante de Jornalismo e bolsista do Comcime, Sophia Bispo, participa da produção dos episódios sobre os cinemas de rua, atuando na pesquisa, entrevistas, roteiros, captação de imagens e também nas visitas a escolas que se interessam pelo projeto.

Para Sophia, a experiência vai além da formação técnica. “É maravilhoso. Infelizmente, muitos fatos históricos da cidade se perdem quando não são formalmente registrados, restando apenas os relatos orais. Nosso trabalho permite documentar e compartilhar essas memórias com as futuras gerações. Quando visitamos escolas, muitas crianças nunca ouviram falar dos cinemas de rua. O resgate que fazemos oferece a elas esse primeiro contato com a história do lugar onde vivem.”

O jornalismo como guardião da história e da memória
Outro projeto importante do grupo é o site “Memórias da Imprensa em Juiz de Fora”, resultado de uma ampla pesquisa em acervos públicos e privados. O portal reúne sinopses e exemplares de veículos de comunicação impressos, além de entrevistas com jornalistas que contribuíram para a história da imprensa local.

A pesquisa foi realizada na Biblioteca Municipal Murilo Mendes, no Arquivo Municipal, no Arquivo Central da UFJF e também em acervos pessoais de jornalistas e intelectuais. O mapeamento contemplou jornais e revistas de empresas de comunicação, coletivos estudantis e instituições públicas e privadas.

O site “Memórias da Imprensa em Juiz de Fora” é resultado de uma ampla pesquisa em acervos públicos e privados (Foto: site Memórias da Imprensa)

Durante a entrevista ao IdPesquisa, Christina cita uma reflexão da professora Marialva Barbosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre o papel fundamental da imprensa. “Os próprios historiadores recorrem aos jornais catalogados, arquivados, aos filmes de família, filmes produzidos, por exemplo, como a Carriço Filmes de Juiz de Fora, para contar histórias da cidade. Nós, jornalistas, quando saímos para fazer uma matéria simples que seja, ao mesmo tempo estamos fazendo história. Porque aquilo que estamos gravando, digitando, enfim, vai se transformar em matéria prima para os historiadores.”

Telejornalismo e situações de conflito
Christina coordena ainda a pesquisa “Jornalismo de Subjetividade: a representação de crianças em situação de conflito no telejornalismo e no documentário jornalístico televisivo”. O estudo analisa reportagens sobre crianças em contexto de guerra, com destaque para a cobertura do Jornal Nacional, da TV Globo, no primeiro ano da Guerra da Ucrânia (2022-2023).

O projeto investiga como o telejornalismo constrói sentidos e representações, analisando os processos de organização, inclusão e exclusão de conteúdos nas programações, e como essas escolhas geram visibilidades e invisibilidades conforme os contextos sociais, culturais e políticos.

“As crianças, pela sua fragilidade, aparecem cada vez mais como personagens dessas narrativas jornalísticas ou documentais. Isso, para mim, como professora, é muito significativo, pois temos muitos alunos que querem estudar justamente como abordar temas sensíveis no telejornalismo. Eles se unem a esse projeto que propõe novas posturas diante dos valores-notícia: o que deve ser publicado, como e por quê; por que determinadas fontes são silenciadas e outras destacadas”, ressalta. 

Ana Lua Bacelar analisa conflitos globais e transforma pesquisa em caminho para o futuro no Jornalismo (Foto: arquivo pessoal)

A estudante de Jornalismo, Ana Lua Bacelar, integrou o projeto e desenvolveu análises sobre a cobertura de conflitos como a guerra entre Israel e Hamas e o embate entre garimpeiros e o povo Yanomami. Ela também acompanhou a produção de conteúdo por jornalistas palestinos independentes em Gaza, colaborou na elaboração de artigos e apresentou os resultados em congressos. Ana comenta que, através do trabalho realizado pelo grupo de pesquisa, foi possível estabelecer contato com outros acadêmicos relevantes do campo de estudo e obter possíveis recomendações.

Além disso, o grupo pôde aplicar a Metodologia para Análise de Temas Sensíveis, desenvolvida pelos membros do grupo. “Com o projeto, aprendi muito sobre o Jornalismo de Subjetividade, que acabou se tornando o tema do meu TCC. Foi muito enriquecedor estudar o movimento de subjetivação no jornalismo sob várias perspectivas teóricas. Além disso, escrever artigos e apresentá-los em congressos fortaleceu minha trajetória acadêmica, abrindo caminhos para o mestrado e o doutorado”.

O episódio do programa IdPesquisa também está disponível em áudio.

 

Outras informações
Comunicação, Cidade e Memória (Comcime)

Memórias da Imprensa

Programa de Pós-graduação em Comunicação