O Programa de Educação Tutorial do curso de Engenharia Civil (PET Civil) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) promoveu na tarde desta terça-feira, 22, a mesa-redonda “Política de Cotas e Consciência Negra”. Para o debate, foram convidados o professor do Departamento de Matemática da UFJF, Willian José da Cruz; a graduanda em Nutrição da UFJF, Andressa Borges; e o professor do Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais (IFSudesteMG) e egresso da Faculdade de Engenharia, Lucas Teotônio.
Aos 28 anos, Teotônio é mestre e doutorando no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No evento do PET Civil/UFJF, o professor contou aos docentes e estudantes sobre suas experiências acadêmica e profissional. As histórias narradas explicitam o potencial de transformação social das políticas públicas e das universidades federais e, desse modo, como colaboram para o desenvolvimento do Brasil.
Num país marcado por 350 anos de escravização dos povos africanos, genocídio dos povos originários e, em consequência, profundas desigualdades sociais, as ações afirmativas corrigem injustiças históricas e promovem igualdade de oportunidades para todas e todos. “Meus avós eram trabalhadores braçais em fazendas. Ainda na adolescência, vieram com as famílias para Juiz de Fora em busca de melhores condições de vida e aqui se estabeleceram. Somos descendentes de negros e indígenas, povos historicamente escravizados. Meus pais trabalharam desde a infância e puderam estudar muito pouco. Os dois são analfabetos funcionais. Eu também trabalhei desde a infância, ajudando meu pai, que era carroceiro”, contou Teotônio.
A vida de toda a família, moradora do bairro Linhares, começou a mudar quando, em 2012, ele foi aprovado no processo seletivo da UFJF, para cursar a graduação em Engenharia Civil, por meio da Lei 12.711/12, conhecida como “Lei de Cotas”. O hoje professor do IFSudesteMG foi o primeiro da família a realizar uma faculdade, assim como é o primeiro servidor público efetivo, cargo que ocupa desde 2019.
Se os pais do docente não tiveram oportunidades por falta de ação do Estado brasileiro, o ingresso de um dos filhos na UFJF abriu as portas da instituição para os mais jovens. “Meus três irmãos são alunos da UFJF atualmente, nas graduações em Direito e Serviço Social, e no Mestrado em Educação. Gostaria de destacar o papel dos meus professores desde o ensino fundamental e o ensino médio nesse processo. Eles me orientaram sobre a possibilidade de pleitear vagas numa instituição superior de ensino por intermédio do sistema de cotas. Nós somos eternos alunos e eternos defensores desta política.”
Extensão e pesquisa
As atividades de extensão e pesquisa relacionadas às desigualdades sociais e étnico-raciais também foram tematizadas no evento organizado pelo PET Civil. O professor do Departamento de Matemática da UFJF, Willian José da Cruz, relatou ao público presente os resultados do projeto de iniciação científica “Conhecendo a Comunidade Negra no âmbito da UFJF”. O docente também é o coordenador da iniciativa extensionista “Encontro Temático da Comunidade Negra de Juiz de Fora”.
“Quantos professores negros vocês tiveram ao longo da formação de vocês? Três, dois, um? Enfim, nós temos uma sub-representação, somos menos de 20% dos trabalhadores da UFJF, entre técnico-administrativos em educação e docentes. A próxima etapa da pesquisa é verificarmos esses dados separadamente por categoria profissional. São escassas essas informações”, pontuou Cruz.
Ainda conforme o docente, “nós negros fomos excluídos do acesso à educação por muitos anos. Nesse sentido, a política de cotas é um dever do Estado por todo o passado histórico de escravização e um direito do povo negro e periférico. É fundamental que todos os cotistas tenham essa compreensão e saibam desse direito”.
A avaliação é compartilhada pela estudante do curso de Nutrição e bolsista do projeto “Conhecendo a Comunidade Negra no âmbito da UFJF”, Andressa Borges. Natural de São Paulo (SP), a discente acrescentou a importância de os estudantes cotistas estarem juntos, buscarem apoio uns nos outros, para o enfrentamento aos desafios.
“Foi muito importante participar do projeto com o professor Willian que também é negro. Muitas vezes, por conta do racismo estrutural e suas manifestações, criamos o sentimento de que não pertencemos a este lugar. Muitas vezes nos sentimos atrasados, porque precisamos conciliar estudo e trabalho. Mas não devemos nos sentir assim. Nós vamos chegar ao objetivo de concluir a faculdade e chegaremos com mais consciência.”
Debate da diversidade
Conforme a professora da Faculdade de Engenharia e coordenadora do PET Civil da UFJF , Júlia Righi de Almeida, o Programa debate periodicamente a diversidade e as temáticas sociais. “Foi muito especial este evento desta terça-feira. Desde quando fui aluna da graduação da UFJF, ingressei em 2003, eu me questionava sobre ‘onde estão as pessoas diferentes de mim na faculdade’ [a professora é uma mulher branca]. À época, não tínhamos pessoas negras, tampouco pessoas com deficiência. É muito rico tudo isso que foi debatido hoje, em especial, por ser na Faculdade de Engenharia. Ainda discutimos pouco essas questões, por isso a criação da Comissão da Diversidade no PET Civil.”
Para a estudante de Engenharia Civil e integrante do PET Civil, Camila Aparecida Fonseca Costa, a possibilidade de debate, viabilizada por Righi e pelos convidados, “foi muito emocionante e recompensadora. Muitas pessoas na plateia participaram da discussão e trouxeram opiniões relevantes para a nossa palestra, como colegas de outros cursos e institutos da UFJF.”
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