No Brasil, a população que vive nas ruas saltou de 158.191, em dezembro de 2021, para 184.638, em maio de 2022 (Arte: Canva)

Em dezembro deste ano, a Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR) completa 13 anos desde que foi instituída pelo Decreto nº 7.053, em 2009. No entanto, até junho de 2022, houve um aumento de mais de 26 mil pessoas em situação de rua, conforme o CadÚnico, o cadastro do governo federal que dá acesso a benefícios sociais. Atualmente, mais de 180 mil pessoas vivem nesta situação no país, de acordo com levantamento feito pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da UFMG. 

Historicamente, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) vem contribuindo com diversas iniciativas científicas e extensionistas voltadas à população em situação de rua. Atualmente, está em andamento o projeto de pesquisa ‘A atuação de assistentes sociais e psicólogos nos serviços de atendimento à população em situação de rua em Juiz de Fora (MG)’, coordenado pelo professor da Faculdade de Serviço Social Alexandre Arbia

“O objetivo é compreender como atuam esses profissionais de modo interdisciplinar. Não é um julgamento das formas como eles trabalham; muito pelo contrário, é uma descrição das atividades que permita refletir sobre elas”, destaca. Realizado em parceria com o Instituto Superior de Serviço Social do Porto de Portugal, o estudo também será útil para identificar, mapear e sistematizar as atuações profissionais nos dois países. O docente explica que é um desdobramento de outra investigação sobre o mapeamento dos serviços que atendem essa população em Juiz de Fora. 

Quem vive nas ruas também é cidadão 

Alexandre Arbia menciona o trabalho de conscientização que foi feito na cidade de Porto para entender o morador de rua como parte da sociedade (Foto: Carolina de Paula)

Na visão de Alexandre Arbia, o problema de quem vive nas ruas vem se aprofundando ao longo dos anos, em função da crise econômica que assola o país. Isso foi agravado pela pandemia, “com aceleração dessa piora nas condições de vida da população em geral, o que resultou consequentemente num aumento também da população em situação de rua”. 

Por se tratar de um fenômeno muito complexo, ele é marcado por uma série de determinantes. O professor cita três fatores que dificultam a garantia dos direitos para essa população previstos na PNPSR: o esvaziamento de recursos e investimentos nas políticas sociais; a falta de integração informacional; e a não articulação da rede de atendimento. 

Arbia lamenta que muitas vezes essas pessoas não são vistas como parte da comunidade: “Não é só um problema de quem está na rua, mas de todos nós. E como nós resolvemos isso de uma forma técnica, séria e profunda? É preciso investimento político – institucional e uma ampla participação de toda a comunidade.”

Política Nacional 

Professor da Faculdade de Direito, Bruno Stigert considera que a atual conjuntura da política nacional para população de rua é desoladora. “O que se observa desde 2016 é uma redução drástica de políticas públicas direcionadas a esta população conforme previa o decreto. Tal cenário foi amplificado com a pandemia de Covid-19, deixando esse grupo jogado à sorte. Princípios e diretrizes, como a dignidade da pessoa humana (art.5°, I, do decreto) e promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais (art.6, I, do decreto), estão longe de serem minimamente executados”.

O problema está na omissão do Estado, pois a PNPSR já contempla perspectivas de ação que deveriam ter sido executadas. “Infelizmente, a percepção social dos moradores de rua pela sociedade e pelo Poder Executivo Federal (que concentra o dinheiro dos impostos e arrecadações) piorou nos últimos anos. Eles são vistos como problema, um ‘gasto’ que não está na prioridade do dia. Vale lembrar que a recessão econômica aumentou o tamanho dessa população e, portanto, das demandas por ações públicas, enquanto que os aportes econômicos diminuem ano após ano, sobretudo nos últimos governos federais”, informa.

Com isso, Stigert alerta que todo esse cenário diminuiu as chances de quem está em situação de rua alcançar a dignidade e a autonomia, “que são conquistadas com educação e trabalho, alternativas distantes da realidade de pessoas que não possuem teto e precisam se preocupar com o que conseguirão comer no dia”. 

Situação em Juiz de Fora

Uma das parcerias firmadas neste mês com a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) prevê a realização do censo e diagnóstico da população adulta em situação de rua na cidade. O projeto de extensão será coordenado pela professora da Faculdade de Serviço Social da UFJF, Viviane Pereira, que também integra a equipe de pesquisa coordenada por Arbia. 

Além do retorno do investimento público, Viviane Pereira acredita que as universidades têm papel importante para o processo de qualificação das políticas públicas (Foto: Arquivo pessoal)

O trabalho, que terá início em setembro, deverá ter os dados coletados no final do mês de outubro. A contagem da população em situação de rua demanda a criação de uma metodologia própria e apresenta dificuldades a serem enfrentadas como risco de dupla contagem ou não contagem. A grande mobilidade dessa população pela cidade é um complicador desse tipo de mapeamento. Após o levantamento dos dados, será feito o diagnóstico, uma análise qualificada que terá também indicação de sugestões de políticas e de ações a serem desenvolvidas pelo poder público municipal. A previsão de entrega do documento final é fevereiro de 2023.  

“Nós estamos bem empenhados na realização desse trabalho e temos certeza que ele vai trazer elementos que vão permitir que a política pública municipal destinada a essa população esteja muito mais alinhada com as demandas reais colocadas por esses sujeitos que são atendidos cotidianamente no sistema de proteção social da cidade”, defende a pesquisadora. Há ainda a expectativa de desdobramento para outros projetos em parceria com o poder público municipal. 

Para Viviane Pereira, as universidades têm um papel imenso a cumprir nesse processo, não só na elaboração das políticas de atendimento em conjunto com os poderes públicos locais, estaduais, regionais, mas também no processo de organização da própria população em situação de rua. 

Ao auxiliar os órgãos gestores na elaboração, desenvolvimento e qualificação das políticas públicas, é possível impactar também no “fortalecimento da própria rede de atendimento para que se consiga criar e construir condições de cobrar e de acompanhar as ações direcionadas a essa população. Além disso, dando visibilidade às condições em que vive a população em situação de rua, auxiliamos na desconstrução de uma série de mitos e preconceitos que rondam essa população e geram sobre ela discriminações e atos de violência”.

Pesquisa está alinhada aos ODS da ONU

As ações de pesquisa da UFJF estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). As iniciativas citadas nesta matéria estão alinhadas, sobretudo, com o ODS 10 (Redução das Desigualdades), o ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis) e, em menor proporção, com o ODS 1 (Erradicação da pobreza). Confira a lista completa no site da ONU.

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