A mineração no Brasil e a leitura dos seus impactos pelas Ciências Humanas conduziram mais um dia de atividades da 73ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O tema entrou em voga principalmente a partir do boom das commodities minerais nos anos 2000, e ganhou repercussão com os desastres ambientais ocorridos em Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019. Por isso, o painel on-line realizado nesta sexta-feira, 23, representa um importante destaque ao assunto, que, a partir do olhar das Ciências Humanas, ganha novos contornos.

Falta de luz sobre os impactos causados pela mineração foi cessada a partir dos desastres ambientais em Minas Gerais (Foto: Maria Otávia Rezende/UFJF)

A mineração e os seus impactos para as cidades que recebem as atividades foram, em muitos momentos, minimizados pelas empresas mineradoras. A falta de luz sobre isso, contudo, foi cessada a partir dos desastres ambientais em Minas Gerais. A avaliação é da doutoranda do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maíra Sertã Mansur. “Atualmente é impossível invisibilizar a questão, dada a magnitude dos desastres. Eles trouxeram uma perspectiva em relação à mineração que a sociedade antes não tinha”, explicita.

A pesquisadora também destaca, como resultado, a organização da comunidade acadêmica em relação ao estudo do tema. Exemplo é a elaboração do Mapa dos Conflitos da Mineração no Brasil, ainda a ser lançado. Ela explica que o sistema, uma iniciativa do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, busca “sistematizar, mapear, contabilizar e dar visibilidade aos diferentes tipos de conflitos socioambientais e violações de Direitos Humanos pelo setor”.

De acordo com o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Tádzio Peters Coelho, a chamada “minério-dependência” é notória nas regiões onde a extração é realizada. “Já pudemos verificar que, em localidades como Godofredo Viana, no Maranhão, além de Conceição do Mato Dentro ou Brumadinho, a mineração em larga escala cria dificuldades e danos para outras atividades produtivas, como agricultura, pesca ou artesanato.  Isso muda a dinâmica de arrecadação municipal, com postos de trabalho e todos os subsetores atados à mineração”, exemplifica.

A tendência também é refletida nas pesquisas desenvolvidas pelo docente da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, que focam as ações de defesa da saúde dos trabalhadores da mineração. “Percebemos Goiás como um território minerado. Assim, em parceria com a Superintendência de Vigilância em Saúde do estado, temos contato direto com os territórios, realizamos entrevistas diretas com trabalhadores.” Para ele, além do fortalecimento de pesquisas e ações de extensão sobre a saúde dos trabalhadores, fica clara a existência de diversos desafios no setor: “é preciso construir uma consciência coletiva, promovendo um debate sobre mineração em terras indígenas, desterritorialização de quilombolas e camponeses”.

Repercussão nas empresas mineradoras
O contexto de desastres ambientais, conflitos com a sociedade, injustiças econômicas e violações de direitos repercutiu negativamente na imagem corporativa das empresas, que passaram a desenvolver análises próprias e a mensurar esse tipo de “risco social” à atividade. “Não é o risco de os trabalhadores adoecerem ou o risco da falta de acesso à água, por exemplo. É o risco, como paralisações ou pagamento de indenizações, decorrente da politização dos grupos sociais que questionam a forma de atuação em seus territórios”, esclarece a docente da Universidade Federal Fluminense (UFF), Raquel Giffoni Pinto.

Para o professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais (IF Sudeste), Lucas Magno, esse debate se amplificou no Brasil a partir de 2013, com um projeto de lei que propunha mudanças no código de mineração no país. “Os movimentos buscaram alterar as ‘áreas livres para mineração’ para ‘áreas livres de mineração’, ou seja, protegidas”, lembra. Sobre a atuação das Ciências Humanas no debate, Magno é objetivo: “questionar essa relação de forças fundamenta esse debate. É preciso discutir a soberania mineral: para quê, para quem e como minerar, definindo ritmos próprios, que não são atrelados aos acionistas das grandes empresas”, conclui.

O evento
A Reunião conta também com programação Jovem e Família, além de eventos culturais. Todas as informações estão reunidas no hotsite da 73ª Reunião Anual da SBPC na UFJF.

Confira o debate na íntegra