Uma das respostas que explicam a contemporaneidade da teoria do filósofo Baruch Espinosa do século XVII é a semelhança do momento atual com o contexto vivido por ele durante a revolução científica, marcado pelos embates com a tradição religiosa. Essa é a visão do professor titular de Filosofia da UERJ Marcos Gleizer, que ministrou a conferência “Espinosa e a função da afetividade nos processos de formação das crenças”, na sexta-feira (23), durante a 73ª Reunião Anual (RA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Mediado pelo antropólogo e professor emérito da UFRJ Otávio Alves Velho, o debate promoveu diversas reflexões sobre a relação dos estudos de Espinosa com a realidade política e social do Brasil e a temática da SBPC. “É muito importante para os cientistas lerem e conhecerem o seu pensamento e deixo a indicação do livro “Lições introdutórias sobre a ética de Espinosa”, de Gleizer, um dos principais especialistas brasileiros na obra desse filósofo racionalista”, afirmou Otávio Velho.

Para o estudioso de Espinosa, o mote da SBPC que ressalta a humanidade de todas as ciências é uma “interpretação de clara inspiração iluminista, considerando sua visão emancipadora do conhecimento”. Em sua opinião, compreender o ataque à ciência e à filosofia pelas forças do obscurantismo e negacionismo hoje, à luz desse pensador, é fundamental para identificar as causas dos mecanismos de formação de crenças para minimizar seus efeitos negativos.

Fake news

Para Gleizer, a questão afetiva do pensamento de Espinoza pode explicar o fenômeno das fake news, uma vez que as crenças são formadas, nesse prisma, de forma natural ao adotarmos as ideias como verdadeiras no primeiro contato. “Depois podemos criticar, reexaminar, mas o impulso primeiro é tomá-la como verdadeira”, pontuou.

Outro elemento é o princípio da imitação afetiva, que seria a tendência em crer em certas informações porque outras pessoas que nos são semelhantes também creem; é um contágio emocional. O professor de Filosofia considera que a adesão a conteúdos fakes não se trata, portanto, de um processo estritamente cognitivo e epistemológico, “tem um lado afetivo que precisamos considerar. É importante conhecer para atenuar e até anular os danos potenciais”.

Negacionismo

Tópico presente em outras mesas temáticas dessa edição da SBPC, o negacionismo também foi destaque nesse encontro virtual. De acordo com o filósofo, a teoria de Espinosa demonstra que a ambivalência da indissociabilidade entre a esperança e o medo está na origem da superstição e que o elemento supersticioso possibilita a mobilização de teses conspiratórias e de negacionismo científico.

​“O ódio é uma das paixões tristes mais importantes analisadas por Espinosa. Compreender como ele se replica e se multiplica é a chave para superar os conflitos advindos do discurso do ódio”, exemplificou. Em sua exposição, o pesquisador apresentou as principais características da filosofia de Espinosa, como o racionalismo absoluto, o naturalismo integral, o determinismo absoluto e metodológico e a dessacralização do divino.

Ética

A palavra que leva o nome de uma de suas obras mais importantes, a ética está presente em todo o trabalho de Espinosa. Marcos Gleizer enfatizou as cinco partes da ética, apontando que o filósofo iluminista procurava equacionar o descompasso entre as forças cognitiva e afetiva ou passional.

“Como potencializar os elementos da vida imaginativa e passional?”, questionou. Nesse sentido, o caminho para os problemas contemporâneos e conflitos éticos seria buscar como a razão pode controlar as paixões para que o conhecimento intelectual se fortaleça pelo poder afetivo. Sendo dois polos da mesma moeda, é preciso “inverter as forças da paixão a favor do desenvolvimento da nossa potência intelectual”.

O docente também fez provocações ao declarar que não existe a possibilidade de progresso triunfal da razão, dilema muitas vezes reforçado pela comunidade científica. Não é possível, assim, separar toda essa gama de aspectos afetivos que constituem a natureza humana. “Isso também é uma ilusão da racionalidade, que estaria acima da vida das dimensões passionais, como se fosse possível a razão progredir de forma linear e inabalável,” ponderou Gleizer.